Tomar a vacina da gripe, fazer um parto em casa, tomar antidepressivos ou fazer um check-up anual... Estes são, assumidos pelos próprios, alguns exemplos de tratamentos que os médicos mais evitam fazer. Revelamos as opções de 12 profissionais de saúde quando deixam a bata branca de lado e passam a ser pacientes. Meia dúzia de recomendações que quem se preocupa seriamente com a sua saúde deve sempre seguir.

1. Recusar vacinas

«Só a vacinação contra o tétano de todas as pessoas, com reforços regulares, de acordo com o plano nacional de vacinação (PNV2012), pode prevenir todos os casos de doença. Por esse motivo, nunca recusaria tomar esta e outras vacinas. O tétano pode desenvolver-se após qualquer tipo de ferida, quaisquer que sejam as suas dimensões, nomeadamente cortes, perfurações, esmagamentos ou mordeduras de animais», refere Leonor Murjal, médica de saúde pública.

2. Procedimentos médicos em fase terminal

«Deparo-me com procedimentos a doentes terminais para lhes curar, por exemplo, uma insuficiência renal aguda. A escolha é deixá-los entrar em coma indolor ou colocar-lhes uma parafernália de cateteres para virem a morrer semanas mais tarde. Uns dizem que temos a obrigação e, outros, o direito de tentar todas as manobras terapêuticas», refere Abranches Monteiro, urologista.

«Outros acham, como eu, que temos o direito de deixar a natureza decidir. Costumo dizer que, quando me virem com uma situação semelhante a esta, não me façam o que estou a fazer a este doente », acrescenta ainda o especialista.

3. Tomar antidepressivos

«Nunca se podendo dizer desta água não beberei, provavelmente não tomaria antidepressivos. Não por achar que seja imune a depressão grave, mas porque considero que essa medicação ajuda pouco, ou nada, a esmagadora maioria dos doentes a quem é prescrita»», defende a especialista Jorge Velez, infeciologista.

«Há cerca de dois anos foi realizada uma meta-análise (avaliação conjunta de estudos previamente realizados), com os dados mais relevantes de 1980 a 2009, cujos resultados demonstram que os antidepressivos apenas são eficazes nos doentes gravemente deprimidos, aqueles em que a doença os torna disfuncionais, mas não nos doentes com sintomas ligeiros a moderados», explica.

«A realidade do nosso país, onde em 2012 as vendas de antidepressivos superaram as 20 mil embalagens/ dia, espelha bem aquilo a que, frequentemente, assisto. Deparo-me com doentes medicados com antidepressivos nos mais variados contextos: pessoas que perderam o emprego, com problemas económicos ou amorosos, pessoas a quem morreu um ente querido e até a doentes acamados e sem qualquer vida de relação», refere ainda.

«A maioria não tem uma depressão grave, muitas nem estão sequer clinicamente deprimidas. Grande parte está apenas triste ou preocupada. Basta senso comum para ter a noção que não é um comprimido que vai resolver todas essas questões. Mas, aqui, também os resultados científicos nos mostram o efeito destes medicamentos», acrescenta o especialista.

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4. Ter um parto em casa

«Caso sofresse de um quadro clínico que carecesse de algum tipo de tratamento, exame ou cirurgia, em que estivesse em causa a minha qualidade de vida, dificilmente não me submeteria ao procedimento em causa. Como é óbvio, tentaria perceber quais os pós e contras do tratamento em questão, assim como a sua taxa de sucesso», considera Sílvia Victor, psicóloga clínica.

«Se estivéssemos a falar de algo que acarretasse um elevado risco clínico por um lado, e por outro uma probabilidade mínima de cura, talvez ponderasse não efetuar», considera. «Contudo, julgo que muito do sucesso que advém dos tratamentos que realizamos está intimamente relacionado com o otimismo e a força psicológica com que os enfrentamos», afirma.

«Uma situação que nunca aceitaria adotar era, sem sombra de dúvida, ter um filho em casa. Os riscos e complicações que podem advir de um parto e a falta de recursos médicos existentes em casa, que podem pôr em causa a vida da mãe e do bebé, é algo que me assusta fortemente», acrescenta ainda a especialista.

5. Seguir uma dieta demasiado hipocalórica

«As dietas demasiado hipocalóricas promovem perdas de peso elevadas em curtos espaços de tempo. Perder peso rapidamente e com pouco esforço Pode parecer algo fantástico. No entanto, esta abordagem tem inúmeras desvantagens. Promove carências nutricionais, que se refletem em quadros de fadiga, irritabilidade, dores de cabeça, obstipação e, em casos mais graves, queda de cabelo acentuada, fraqueza generalizada, formação de cálculos biliares, entre outros», defende Patrícia Segadães, nutricionista.

«Tudo isto leva a uma elevada perda de massa muscular e afeta o metabolismo. O que significa que para manter o mesmo ritmo de perda de peso ao longo do tempo, vamos precisar de comer cada vez menos e, com isso, agravar o nosso défice nutricional. Este tipo de dietas deixa ainda, muitas vezes, as pessoas eternamente presas a um regime alimentar muito restrito ou às chamadas dietas iô-iô. Isto acontece porque o corpo está em grande carência, o metabolismo muito baixo e, por isso, muito mais apto a armazenar tudo o que ingere», acrescenta.

«É importante frisar que a massa muscular perdida durante estas dietas dificilmente é recuperada. Se perder 10 kg de forma brusca, poderá ter perdido 8 kg de gordura e 2 kg de massa muscular. Se voltar a recuperar os 10 kg, irá ganhar apenas gordura e não massa muscular. Resultado, embora o seu peso seja o mesmo, terá uma percentagem de gordura superior à inicial», acrescenta a especialista em nutrição», salienta ainda a especialista.

6. Fazer um check-up anual

«A ideia dos check-ups regulares na deteção de doença precoce (especialmente cancro) pode parecer uma boa decisão. Mas o que acontece é que a maior parte dos estudos científicos demonstra que esta abordagem poderá fazer globalmente pior do que bem», explica António Vaz Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina de Lisboa. «Isto por duas razões», sublinha.

«Em primeiro lugar, a deteção de resultados anormais dos exames diagnósticos mas que não significam doença (os chamados falso-positivos)», salienta. «Não existe nenhum exame que consiga discriminar em 100% dos casos de doença versus ausência desta. Ora, um resultado anormal  num paciente saudável provocará uma cascata de novos exames (para além da preocupação do rastreado) que, por definição, são inúteis (já que o paciente não tem doença) e até podem ser perigosos», acrecenta o especialista.

«Em segundo, o estabelecimento de um sobrediagnóstico, isto é, diagnosticar uma doença que nunca iria afligir o doente. Por exemplo, um minúsculo cancro da próstata num homem de 80 anos detetado por PSA (análise ao sangue que mede os níveis do antigénio específico da próstata). Neste caso, o doente não vai sequer viver o suficiente para poder sofrer do cancro, pelo que não deve ser operado (com os riscos daí decorrentes e os efeitos adversos da cirurgia)», diz.

«Existem medidas simples que podem reduzir (mas, atenção, não eliminar) o risco de doença, nomeadamente seguir uma dieta saudável, não fumar, beber com moderação, fazer exercício físico regular, ter uma atividade mental regular toda a vida», finaliza António Vaz Carneiro.

Texto: Cláudia Pinto com Abranches Monteiro (urologista), Antório Vaz Carneiro (diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina de Lisboa), Cátia Carmona (neurologista), Jorge Velez (infeciologista), Leonor Murjal (médica de saúde pública), Sílvia Victor (psicóloga clínica) e Patrícia Segadães (nutricionista)