O processo médico obedece, por norma, a uma rotina. A consulta, realização de exames, análise de resultados, diagnóstico e definição da terapêutica a seguir. Mas pode não terminar aqui. É possível, ainda, uma reavaliação da situação, através de uma segunda opinião médica, um passo previsto na Carta dos Direitos do Doente e consagrado no Regulamento de Conduta da Ordem dos Médicos, que pode partir do paciente ou do profissional de saúde.

Os dois tipos de opinião médica a que o paciente tem direito

Essencialmente, a segunda opinião médica é «a ação de consultar outro médico para que este confirme, ou não, o parecer de um médico consultado em primeiro lugar sobre um diagnóstico, um exame ou um tratamento proposto», descreve Luís Campos, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e do Conselho Nacional para a Qualidade em Saúde.

Existem dois tipos de segunda opinião médica a que o paciente tem direito. A clínica e a documental. A primeira refere-se a uma consulta com outro profissional, a segunda entra no domínio das chamadas consultas de decisão médica, em que um conjunto de vários especialistas debate um processo clínico, e, geralmente, está associada a terapêuticas controversas, mais intensas e/ou experimentais.

O que está na sua origem 

Atualmente, são cada vez mais as pessoas que procuram uma segunda opinião médica, existindo seguros de saúde que contemplam esta situação. «A constante evolução dos conhecimentos médicos, a sua especialização e experimentação tornaram pertinente a reavaliação do diagnóstico», indica Luís Campos. Além de dissipar dúvidas, os cada vez mais recorrentes pedidos de segunda opinião médica são motivados por vários fatores.

«A incerteza inerente à Medicina faz com que certas doenças se apresentem de forma indiferenciada, o que torna difícil ou mesmo impossível o seu diagnóstico numa fase inicial e há exames pouco fiáveis que dão muitos falsos positivos ou negativos», revela o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, sendo em diversos casos a sua realização «muito importante e decisiva».

Outros fatores podem ainda motivar o seu pedido, nomeadamente «a falta de empatia de alguns médicos com os doentes e a incapacidade de lhes transmitir informações de forma adequada ou mesmo de os envolver nas opções de exames ou tratamentos» ou, noutro caso, o de «o doente não ficar satisfeito com as opções que lhe foram apresentadas. Isto é particularmente relevante quando existe a suspeita de conflito de interesses, como seja um cirurgião aconselhar uma cirurgia».

A segunda opinião médica é também «comum quando existe acordo entre médico e doente de que a opinião de um outro médico mais experiente, numa determinada área, seria útil para consolidar ou não a opinião do médico assistente», descreve Luís Campos. Veja também o que acontece numa consulta de psiquiatria.

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Os casos mais frequentes

Os pedidos de uma segunda opinião médica nas especialidades de oncologia, cirurgia geral, ortopedia, oftalmologia e infertilidade são significativos. Em situações de decisão mais difícil, «particularmente as que exigem uma conjugação de saberes, como é o caso do tratamento de cancro, em que as opções podem passar por quimioterapia, mais do domínio dos oncologistas, por cirurgia ou por radioterapia, é altamente aconselhável», exemplifica Luís Campos.

Outro exemplo apontado pelo especialista «é o das doenças autoimunes, com envolvimento multisistémico, cujas decisões podem exigir a opinião de vários especialistas», sublinha. «Nestes casos, impõe-se uma consulta de decisão médica», afiança este profissional.

A quem pedir?

Uma vez tomada a decisão de pedir uma segunda opinião médica, existem duas possibilidades. O doente pode tomar a iniciativa de procurar um outro especialista ou aconselhar-se junto do médico que acompanha o caso desde o início. No primeiro caso, Luís Campos refere que «muitos pacientes recorrem a associações de doentes e essa é uma boa forma de encontrar médicos peritos em determinadas áreas».

«Outras opções são as organizações de saúde que contêm informações sobre o perfil dos médicos e as suas áreas de diferenciação», acrescenta. Caso o paciente opte por pedir ao seu médico que lhe indique outro especialista, «essa referência deverá ser facultada sempre que possível, devendo privilegiar um médico com reconhecida experiência na condição em causa», acrescenta Luís Gouveia Andrade.

Como pedir?

«O pedido de uma segunda opinião médica é válido e legítimo e deve ser realizado com o máximo de transparência possível. O seu propósito deverá não avaliar ou criticar o médico, mas sim permitir uma decisão mais informada e, essencialmente, proporcionar um tratamento mais adequado e dirigido», sublinha Luís Gouveia Andrade.

Partindo deste princípio, ao solicitar uma segunda opinião, o especialista considera ser «preferível não referir, de imediato, qual foi a primeira opinião, de modo a não enviesar esta nova avaliação. No final, por uma questão de transparência e de reforço de confiança mútua, é sempre vantajoso partilhar o que foi dito na primeira consulta para se poderem confrontar as duas e delas retirar o máximo benefício.» Segundo Luís Campos, por uma questão de lealdade, «o doente deve claramente assumir que vem procurar uma segunda opinião».

Tenho duas opiniões diferentes. E agora?

Depois de uma segunda opinião médica, o paciente pode deparar-se com resultados muito diferentes. Nesses casos, Luís Campos destaca a importância da capacidade de avaliação do doente. «A clareza e a persuasão dos argumentos de ambas as opiniões deve ser tida em conta, assim como se deve integrar essas informações com o que se apurou noutras fontes», refere. Um dos fatores decisivos, lembra, é o «grau de confiança que o doente estabelece com o médico».

Perante uma situação de impasse, é essencial validar um dos diagnóstico e, para isso, Luís Gouveia Andrade apela ao recurso de «uma terceira opinião», devendo o paciente «partilhar essa diferença com os dois médicos, o que obriga a um estudo adicional o que, provavelmente, fará com que um dos profissionais concorde com a opinião emitida pelo outro».

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Os prós e os contras de uma segunda opinião médica online

Alguns sites possibilitam a sua realização, mediante a apresentação do primeiro diagnóstico e exames associados, e sem a presença do doente. Para o oftalmologista Luís Gouveia Andrade, uma segunda opinião médica deve ser, sempre que possível, «suportada por uma consulta presencial de modo a se obter o máximo de informação clínica relevante pois uma análise meramente baseada em exames estará, logo à partida, limitada e condicionada», afirma.

«Apenas a observação do paciente permitirá perceber se os exames feitos são suficientes ou se é necessário algo mais», acrescenta. Luís Campos também põe de parte a hipótese de uma segunda opinião médica online, considerando que o recurso à Internet só se justifica para a consulta de informação em «sites que permitem obter opiniões de peritos de renome internacional que poderão ser fontes interessantes, como, por exemplo, o site UpToDate.com, assim como páginas de sociedades científicas ou das associações de doentes», esclarece.

Que documentos levar para a consulta?

Para que a reavaliação seja o mais completa possível, leve para a consulta os documentos que se seguem:

- Todos os exames já realizados

- O registo dos tratamentos efetuados e os efeitos que tiveram

- O relatório com todas as hipóteses diagnosticadas

Texto: Carlos Eugénio Augusto com Luís Campos (presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e do Conselho Nacional para a Qualidade em Saúde) e Luís Gouveia Andrade (médico oftalmologista no Hospital Cuf Infante Santo em Lisboa)