A legislação que institui a prescrição de medicamentos por substância ativa entrou em vigor a 1 de junho de 2012 e prevê um período de adaptação que terminou a 30 de novembro.
Permitindo que os médicos prescrevam medicamentos de marca em apenas três situações, confere maior poder ao utente, que opta por um medicamento que pode ser genérico ou de marca que respeite a prescrição.
As farmácias têm de dispensar um dos medicamentos mais baratos do mercado, exceto se o utente preferir outro.
Novo regime legal
A alteração das regras de prescrição e dispensa de medicamentos é determinada por dois diplomas legais: a Lei nº 11/2012, de 8 de março, e a Portaria nº 137-A/2012, de 11 de maio. A primeira define, em termos gerais, «um novo contexto para a utilização de medicamentos». A segunda, que entrou em vigor a 1 de junho, estabelece as regras da prescrição de medicamentos, os modelos de receita médica, as condições de dispensa de medicamentos e as obrigações de informação a prestar aos doentes.
O calendário
Até 30 de novembro vigorou um período transitório para criação das condições necessárias à aplicação integral das mudanças previstas: 90 dias (a contar desde 1 de junho) para a publicação de orientações técnicas para médicos, farmácias e empresas que desenvolvem sistemas informáticos, seguidos de mais 90 para a adaptação desses sistemas. Neste período vigoraram regras temporárias, sobretudo relacionadas com as receitas médicas. A partir de dezembro, o novo regime deverá estar totalmente implementado.
O fim da receita em papel
A prescrição deverá passar a ser feita sempre por via eletrónica, exceto em caso de falência do sistema informático, inadaptação fundamentada pelo médico, prescrição ao domicílio e outros casos. Segundo o Correio da Manhã, citando uma fonte do Ministério da Saúde, a mudança ocorrerá a partir de dezembro, prolongando-se por 2013. Os beneficiários do Serviço Nacional de Saúde estarão registados num banco de dados e a farmácia onde o doente levantar o medicamento acederá à receita eletrónica sem haver troca de papéis. O sistema cobrirá todo o país, fazendo com que cada receita apenas possa ser aviada uma vez.
As reações
O objetivo destas mudanças é criar condições para a utilização de
medicamentos «ocorrer com maior racionalidade, transparência e
monitorização», fatores considerados «fundamentais para uma política do
medicamento centrada no cidadão, promovendo acesso, equidade e
sustentabilidade», enuncia a portaria.
No entanto, a polémica está
instalada, com a indústria dos medicamentos e os médicos a oporem-se ao
novo regime.
REAÇÕES CONTRA
- Ordem dos médicos
A nova lei «coloca nas farmácias o poder discricionário
sobre quais os medicamentos a disponibilizar, viola a autonomia de
prescrição e a relação de confiança médico/ doente e, consequentemente, a
essência de um ato médico que só aos médicos e doentes deveria
respeitar» e «coloca em causa a qualidade do tratamento dos doentes». Na
tentativa de suspender a Portaria, a Ordem dos Médicos apresentou uma
providência cautelar.
- AFP (Associação de Farmácias de Portugal)
«A lei será muito difícil de cumprir». «No caso de algumas
substâncias ativas pede-se às farmácias que tenham 27 embalagens na
prateleira porque há dosagens e apresentações diferentes. Vamos ter de
reduzir o stock ao mínimo e quem vai sofrer é o utente, que vai ter de
ir mais de uma vez à farmácia», refere este organismo no seu site. «Os
três medicamentos mais baratos hoje podem não ser os mesmos de amanhã, o
que pode resultar em infrações involuntárias à lei pelas farmácias e
também numa constante alteração da terapêutica para os utentes».
- APOGEN (Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos)
A obrigatoriedade de prescrição por denominação comum internacional
(DCI) «vai aniquilar a indústria de base nacional». «A prescrição por
DCI, só por si, não resolve nada» e «pode levar a que o custo do
medicamento não diminua, mas aumente». Seria desejável, antes, a
obrigatoriedade de prescrição de genéricos apenas «nos grupos onde há
homogeneidade» (medicamentos com a mesma substância ativa, forma
farmacêutica e dosagem, originais e genéricos).
- APIFARMA (Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica)
A «liberalização da substituição de medicamentos nas farmácias
contra a vontade do médico» vai gerar «despesa» e trazer «sérios riscos
para a saúde pública». Pode pôr em causa a continuidade dos tratamentos e
gera confusão nos doentes porque «as pessoas acham que são medicamentos
diferentes».
REAÇÕES A FAVOR
- ANF (Associação Nacional de Farmácias)
«As suspeições permanentes sobre o mercado de genéricos e o direito de opção dos doentes são um mau serviço prestado ao país e
aos doentes. A evolução do mercado em junho evidencia que foram
dispensados nas farmácias medicamentos genéricos de preço mais reduzido,
em consequência do novo regime de prescrição por DCI. O direito de
opção do utente revelou-se um fator determinante para a redução dos
encargos das famílias com medicamentos».
- Ordem dos farmacêuticos
Esta medida «promove a transparência na prescrição médica e cultiva
o empowerment dos doentes na sua livre escolha entre medicamentos
equivalentes» e «constitui um fator determinante na promoção dos
medicamentos genéricos, permitindo gerar poupanças significativas». «Os
farmacêuticos têm conhecimento, competência
técnico-científica,
proximidade da população e obrigações deontológicas que lhes permitem
apresentar ao doente as diferentes possibilidades que existem para
concretizar a decisão farmacoterapêutica do médico».
Prescrição por marca
A nova lei domedicamento só a permite quando:
- Não existe um medicamento genérico comparticipado com a substância ativa em causa.
-
O médico apresenta na receita uma das justificações técnicas possíveis
para o medicamento não dever ser substituído por outro, em qualquer circunstância:
a) O medicamento tem margem ou índice terapêutico estreito.
Esta situação verifica-se quando existe uma pequena diferença entre a dose terapêutica e a dose
tóxica, nociva para a saúde.
b) Há uma suspeita, previamente reportada ao Infarmed de
intolerância ou reação adversa a um medicamento com a mesma substância
ativa, mas identificado por outro nome comercial.
c) O medicamento prescrito destina-se a assegurar a continuidade de um tratamento com duração estimada superior a 28 dias.
O que prevê a lei
Na consulta, até agora os médicos optavam entre prescrever um
medicamento de marca ou um genérico. No primeiro caso, indicavam o nome
comercial do medicamento e assinalavam na receita se autorizavam ou não a
troca por um genérico. No segundo, prescreviam por denominação comum
internacional (DCI) da substância ativa, podendo indicar o nome do
laboratório produtor do genérico e trancar a receita para
impossibilitar a troca na farmácia.
A partir de dezembro, salvo as situações excecionais, os médicos
são obrigados a prescrever indicando a DCI da substância ativa. Têm
também que indicar a forma farmacêutica, a dosagem, a apresentação e a
posologia. É o doente, ao aviar a receita, que opta pelo medicamento
(genérico ou de marca) que prefere levar para tomar aquela substância
ativa.
Na farmácia, até agora o farmacêutico disponibilizava ao utente o
medicamento de marca indicado na receita ou, nos casos em que o médico o
tinha autorizado (assinalando na receita o quadrado respetivo), um
genérico com a mesma substância ativa que tivesse em stock. Se o médico
tivesse prescrito por dci indicando o laboratório produtor, o
farmacêutico disponibilizava o genérico desse laboratório. Só se a
receita não estivesse trancada é que podia fornecer outro genérico ou
medicamento de marca com a mesma substância ativa.
A partir de dezembro, as farmácias devem ter em stock, no mínimo,
três medicamentos de cada grupo homogéneo (com a mesma substância ativa,
forma farmacêutica e dosagem, originais e genéricos) de entre os cinco
mais baratos. O farmacêutico deve dispensar o medicamento de menor preço
dos três, salvo se for outra a opção do utente.
O utente pode optar por qualquer medicamento (genérico ou de
marca) que cumpra a prescrição médica, exceto se o médico assinala
«margem terapêutica estreita» ou «reação adversa» e, neste caso, o
doente tem que aviar o medicamento indicado na receita, ou se o médico
assinala «continuidade de tratamento superior a 28 dias». Neste caso, o
doente pode apenas optar por um medicamento mais barato que o prescrito.
Caso a farmácia não tenha em stock o medicamento mais barato do
mercado, o utente tem direito a solicitar o seu envio no prazo de 12
horas e sem custo acrescido.
Texto: Rita Miguel
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