A pandemia veio mais uma vez relembrar-me que, apesar de ser importante que o médico saiba falar com o doente, avaliar os seus sintomas físicos, diagnosticar e tratar esses mesmos sintomas, deve também debruçar-se sobre a sua saúde mental.
Por vezes, os sintomas físicos expressam uma somatização de algumas doenças de foro mental, como a ansiedade ou a depressão. E a pandemia veio agravar o número de pessoas que referem nas consultas que estão mais tristes, sem interesse pelas atividades que antes lhes davam prazer, com dificuldade em adormecer (ou acordam a meio da noite e não conseguem adormecer), com problemas de concentração, aumento ou perda de apetite, com falta de objetivos concretos para as suas vidas, entre outros motivos que traduzem uma angústia e desânimo relacionados com a doença mental.
Um conjunto de sintomas que, se se prolongarem no tempo poderão significar que o doente está com uma depressão. Daí ser importante abordar a doença de modo claro, sem estigma, em todas as dimensões.
O médico de família é o especialista em medicina que melhor conhece o seu doente, a sua família, o contexto onde mora, os seus hábitos e as suas preferências. É em quem o doente confia, que o acompanha ao longo da sua vida.
A relação médico-doente é imprescindível para que a adesão ao tratamento seja cumprida e só num ambiente de confiança e decisão mútua é que tal é alcançado. Este tratamento passa por uma abordarem psicoterapêutica e, quase sempre, farmacológica.
É importante que o doente compreenda que o tratamento da depressão é um processo longo, nunca inferior a 6 meses, podendo chegar um ano ou por mais tempo caso o doente necessite. O médico de família tem um papel importantíssimo na escolha da abordagem terapêutica, tanto na referenciação para psicologia como na escolha dos fármacos antidepressivos que se adequam mais ao doente.
Estes têm alguns efeitos laterais, como aumento ou perda de peso, serem mais ou menos sedativos ou pelo contrário, mais ativadores, pelo que o tratamento deve ser personalizado. Muitas vezes os doentes têm receio da dependência da utilização destes fármacos, da sua segurança e dos efeitos que estes fármacos têm sobre a alteração da “personalidade” e essa dúvida legítima deve ser desmistificada pelo médico de família.
Atualmente os efeitos referidos podem ser menores ou até ausentes, sobretudo se for utilizado um antidepressivo recente com perfil multimodal. Outra área importante da atuação destes fármacos é não causarem disfunção sexual. A área da sexualidade é importante para o doente e frequentemente questionada pelo médico de família nalgumas consultas, como por exemplo na consulta de Planeamento Familiar.
A abordagem abrangente e holística do médico de família permite assim, de modo habitual e tendo por base uma relação médico-doente sólida e de confiança mútua, que os doentes sejam acompanhados nas consultas e orientados para os melhores cuidados de saúde existentes. No caso do doente apresentar uma depressão com maior gravidade, deve ser referenciado para consulta de psiquiatria.
O trabalho de equipa entre o médico de família, psicólogo e psiquiatra vai melhorar significativamente os cuidados de saúde ao doente, tendo este último uma posição central no seu tratamento.
O médico de família cumpre assim um papel fundamental no acompanhamento do doente em toda a globalidade de saúde, incluindo a saúde mental. A empatia e o sentido humano que está na relação médico doente permite-lhe conhecer o seu doente “para além da medicina”.
Um artigo da médica Ana Correia de Oliveira, Médica Especialista em Medicina Geral e Familiar e Coordenadora da USF Cedofeita.
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