A doação de medula óssea é um ato de enorme altruísmo que pode fazer a diferença entre a vida e a morte de outra pessoa. Com o transplante de medula, que substitui integral ou parcialmente a medula óssea do doente, algumas doenças do sistema hematopoiético (responsável pela formação das células sanguíneas) passam de potencialmente fatais a curáveis, ganhando-se noutras a possibilidade de cura definitiva.

Mas o que é o transplante de medula óssea e como funciona o processo de doação? Como referi, o transplante de medula óssea consiste na substituição da medula óssea de um doente, por não funcionar adequadamente - produzindo células sanguíneas inadequadas ou insuficientes, ou por estar infiltrada por células malignas não passíveis de erradicação apenas com quimioterapia, por exemplo.

Quando é necessário um transplante de medula óssea, se um dador familiar imediato - irmãos, pais ou filhos - não é compatível, pesquisa-se, nos registos de dadores (nacional e internacionais), dadores voluntários compatíveis. Uma vez identificados, são convocados para iniciar o processo de colheita de medula, dando o seu consentimento e fazendo análises.

A medula óssea encontra-se no interior de todos os ossos, e a sua recolha para transplante pode consistir na punção dos ossos da anca no bloco operatório, sob anestesia geral, sendo um procedimento cirúrgico simples. No entanto, na maior parte dos casos, a doação passa pela punção de veias periféricas ou colocação de cateter para recolher sangue - que passa por um aparelho que separa as suas células, em uma ou mais sessões de poucas horas.

O dador decide qual o método que prefere, embora seja aconselhado pela equipa médica. Após a colheita, termina aqui o seu contributo.

Quanto ao doente que vai receber o transplante de medula óssea, este fica internado, em isolamento, para fazer condicionamento, isto é, quimioterapia com ou sem radioterapia para eliminar parcial ou totalmente a medula óssea doente, de modo a receber, posteriormente, a medula do dador.

No dia do transplante propriamente dito,  as células do dador são administradas ao doente, como se fosse uma transfusão de sangue, e migram naturalmente para os ossos, reconstituindo assim a medula óssea.

Na fase seguinte – aplasia – os diferentes constituintes do sangue estão em baixa quantidade. Os glóbulos brancos baixos aumentam o risco de infeções e a diminuição de glóbulos vermelhos e plaquetas fazem com que sejam necessárias transfusões.

Depois da recuperação, se tudo correr como programado, o doente tem alta mantendo, no entanto, risco de algumas complicações, que devem ser sempre consideradas: por um lado, a doença pode recair, pelo que deve manter-se o acompanhamento médico. Por outro lado, o risco de contrair infeções mantém-se, bem como o de reativação de vírus que se encontram latentes na maioria das pessoas, como o Herpes Simplex, responsável pelo herpes labial, o Varicela Zoster, responsável pela varicela e pela zona, ou o Citomegalovírus, que pode causar infecção em múltiplos órgãos e obrigar a terapêutica dirigida.

A reativação destes vírus pode ser prevenida usando antivirais profiláticos, em caso de necessidade, podendo a infeção por bactérias e fungos também ser prevenida por terapêutica profilática adequada, quando necessário.

A complicação mais específica do transplante de medula óssea é a doença do enxerto contra o hospedeiro, na qual a nova medula reage contra o novo organismo, numa espécie de rejeição que se previne com redução da terapêutica imunossupressora após o transplante.

Parece magia, mas faz-se todos os dias em todo o mundo. Doe medula, salve uma vida.

Um artigo do médico Eduardo Lima da Silva Espada, especialista em Hematologia Clínica no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, EPE – Hospital de Santa Maria.