Apesar de todos os apelos à adoção de hábitos de vida saudável que vão sendo feitos, muitos portugueses continuam a fazer ouvidos de mercador aos consultos dos médicos e dos especialistas. O número de diabéticos não para de aumentar.
Embora só 56% estejam diagnosticados, as estimativas apontam para a existência de cerca de um milhão, incluindo cerca de 2.800 jovens.
Em entrevista à Prevenir, Carlos Neves, presidente da Associação de Jovens Diabéticos (AJDP) alerta para o facto de cerca de 30% da população portuguesa apresentar indícios de ter tendência para a diabetes, uma situação que pode contribuir para o aumento destes números, caso os atuais (maus) estilos de vidas não sejam alterados.
Apesar da informação que circula atualmente sobre a prevenção da diabetes, esta doença continua a afetar um milhão de portugueses. Na sua opinião, que fatores contribuem para esta prevalência da diabetes?
Em primeiro lugar, há que salientar que cerca de 90% dos diabéticos em Potugal têm diabetes tipo 2 e que muitos destes casos são despoletados por situações de excesso de peso e obesidade. Como tal, os maus hábitos alimentares e a falta de prática de desporto regular são fatores muito importantes para o grande número de casos diagnosticados. Para a diabetes tipo 1, que se trata de uma doença autoimune, não foram ainda reconhecidos fatores para os aumentos registados.
O que pode ser feito para contrariar esta tendência?
A prática de desporto e uma alimentação cuidada são suficientes para evitar muitos casos de diabetes tipo 2. A AJDP promove regularmente encontros desportivos abertos para todos os interessados, muitas vezes adequados para todas as idades, durante as quais se procura incutir o gosto pelo desporto, para que cada um possa descobrir que tipos de desporto prefere. O desporto é também uma ótima forma de melhorar o controlo metabólico de ambos os tipos de diabetes.
Qual é a importância de um diagnóstico precoce?
A diabetes tipo 2 é uma doença silenciosa, o que significa que se pode ser diabético sem ter quaisquer sintomas, ao contrário da diabetes tipo 1. Uma diabetes não diagnosticada significa um mau controlo metabólico e este mau controlo causa diversas complicações se for prolongado. Muitas vezes, o diagnóstico só existe quando já há complicações, que têm um impacto negativo na qualidade de vida da pessoa e um impacto financeiro acentuado no Estado.
Na sua opinião, deve haver uma alteração drástica no estilo de vida das pessoas?
Tem de haver uma mudança de mentalidade e penso que, cada vez mais, há pessoas alerta para estes problemas e para a necessidade de mudar o estilo de vida. No entanto, seria ilusório esperar uma alteração radical num curto espaço de tempo. À medida que as pessoas tomam o gosto por praticar desporto e convidam amigos para se juntarem, as mudanças vão acontecendo.
De que forma podemos
motivar os portugueses a seguir um estilo de vida mais saudável?
Deve-se começar por incutir o gosto pelo desporto
nos mais novos.
Uma criança que descobre um desporto que gosta
vai-se divertir muito mais e manter essa prática do que uma criança
que ocasionalmente faz um desporto que não gosta apenas por
obrigação.
Esta procura deve ser incentivada pelos pais, que também
deverão dar o exemplo.
Para além disso, há poucos locais onde as pessoas
possam praticar desporto de forma gratuita ou com custos baixos em
horários conciliáveis com o horário de trabalho. Torna-se
necessário que as câmaras municipais e as juntas de freguesia
promovam o desporto através de iniciativas pontuais e regulares,
abertas a todos os interessados e a preços convidativos.
No
caso da diabetes tipo 2, podemos contrariar a genética com as opções
certas ao nível do estilo de vida? De que forma as nossas rotinas
interferem nos genes?
A genética não se altera através do estilo de
vida. O que se pode fazer é não somar aos fatores genéticos outras
agravantes derivadas do estilo de vida. Cerca de 30% da população
portuguesa apresenta indícios de ter tendência para a diabetes,
pelo que é essencial alterar o estilo de vida para que essa
tendência não seja despoletada.
No caso das crianças e dos
adolescentes, é grande o número de diabéticos? A que se deve esta
situação?
As crianças e adolescentes com diabetes representam
cerca de 10% da população diabética em Portugal, sendo a grande
maioria diabéticos tipo 1 e não há razões clara para o aumento
registado. No entanto, já há casos de crianças com diabetes tipo
2, associadas a obesidade, que poderiam ter sido prevenidas se
tivessem tido a devida educação alimentar e desportiva.
As
terapêuticas têm um papel fundamental na qualidade de vida dos
doentes. O que pode ser melhorado e como?
A diabetes é uma doença crónica que pode trazer
complicações graves se estiver mal controlada. Todos os dias, um
diabético tem de tomar decisões que afetam o seu controlo
metabólico. É essencial que o diabético esteja bem informado sobre
a sua terapêutica para que possa tomar as decisões corretas e que
a terapia seja adequada ao estilo de vida do diabético, para que não
haja resistência na adaptação à terapia.
É, por isso, dever do médico manter o paciente bem
informado e dar-lhe a conhecer as hipóteses de terapêutica
existentes, de forma a desmistificar uma doença ainda muito
estigmatizada na nossa sociedade. De forma mais específica, é
necessária a introdução de bombas de insulina com monitorização
contínua para a diabetes tipo 1, é necessário o acesso a novas
terapias na diabetes tipo 2.
E é também necessário que seja mais regularmente
receitada insulina para o tratamento de diabetes tipo 2. Portugal é
o país da Europa com menor insulina per capita. Estas medidas
requerem algum investimento inicial mas vão prevenir as
complicações, melhorando não só a qualidade de vida do diabético
mas também poupando muito dinheiro do Estado.
A diabetes é uma doença complexa. O que se pode esperar da ciência nos próximos anos?
A nível de tratamento, podemos esperar melhores fármacos, melhorias nos equipamentos, nomeadamente bombas mais pequenas, monitorização contínua mais confortável e até um pâncreas artificial.
A nível de cura, os transplantes de pâncreas, que não são vistos como uma alternativa porque exigem muitos imunosupressores após o transplante, verão grandes progressos.
Num futuro mais distante, penso que será possível a criação de uma vacina de prevenção de diabetes tipo 1, embora para já este processo esteja numa fase muito inicial.
Acredita que é possível encontrar a cura para esta doença?
A cura para a diabetes passa pelos transplantes ou pela introdução de um pâncreas artificial. Acredito que venha a ser possível, embora considere mais importante para um diabético centrar-se no tratamento da sua diabetes. Para além disso, mais vale prevenir que remediar. Continua a ser importante insistir num estilo de vida saudável que previna o aparecimento da diabetes tipo 2.
Em termos terapêuticos e/ou farmacológicos, quais as lacunas em termos de tratamentos que ainda existem atualmente? O que é que, na sua opinião, deveria ser prioritário?
Para a diabetes tipo 2, a principal lacuna é a falta de informação e a prevalência de muitos mitos relacionados com diabetes, o que limita muito a eficácia da própria terapia, justificando os muitos casos de complicações associadas à diabetes. Em diabetes tipo 1, a falta de equipas multidisciplinares e de endocrinologistas em alguns centros hospitalares é um problema grave, precisamente devido à complexidade da diabetes enquanto doença crónica.
Para além disso, a falta de acesso às novas formas de terapia, nomeadamente a bombas de insulina com monitorização contínua de glicémia, é um problema que deve ser lidado a curto prazo para melhorar drasticamente a qualidade de vida dos diabéticos a curto e longo termo. Na diabetes, é importante pensar no futuro, nomeadamente investir em melhores terapias agora vai trazer benefícios de qualidade de vida e financeiros no futuro.
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