Com um forte historial de cancro na família, Idalina Abade vigiava de perto a sua saúde, um cuidado que se revelou fundamental na detecção precoce de um tumor no ovário e, por conseguinte, nos bons resultados do tratamento. Em Outubro de 2007, data em que comemora 50 anos, faz precisamente um ano que foi operada com sucesso.
Poucos meses após uma revisão ginecológica semestral feita em Fevereiro do ano passado sem quaisquer sinais de alarme, pequenos indícios de que algo não estava bem inquietaram Idalina Abade.
A rapidez com que acorreu ao médico, nessa altura, foi providencial. Num curto espaço de tempo tinha desenvolvido um tumor no ovário que era preciso extrair urgentemente.
"Em Junho de 2004 fui operada a um mioma que tinha num dos ovários há alguns anos. Extraíram-me o ovário e o útero. Mas como eu tinha 45/46 anos na altura e o ovário não atingido estava ali tão inocente (nas palavras do médico) ele achou preferível deixar ficá-lo para evitar entrar na menopausa".
Foi precisamente nesse ovário que o tumor se instalou e desenvolveu.
"Em Maio/Junho desse ano, comecei a notar que estava com a barriga maior, inchada, não me sentia bem, mas ia atribuindo esse mal-estar ao calor e ao stress (andava extremamente nervosa por motivos profissionais). Fui ao hospital fazer análises mas a única coisa que tinha era espasmos nervosos por baixo das costelas", revela.
A velocidade de sedimentação (que é um sinal de alerta) estava dentro do normal, não havia ainda indícios de cancro.
"Os sintomas de mal-estar não desapareciam e, em Setembro, para além de ter começado a sentir necessidade de ir à casa de banho evacuar sempre que comia, notei uma sensação esquisita no recto. E foi isso que me deixou alerta e me fez telefonar para o meu ginecologista", desabafa.
"Ele mandou-me ir lá ao consultório. Entretanto também sentia calores. Aparentemente, parecia estar a entrar na menopausa", relembra.
A observação ginecológica apontou numa direcção bem diversa, contudo. "O médico disse-me que era preciso tirar o ovário com urgência porque não estava bom, mas sem me dizer ainda as suspeitas que tinha. Mandou-me fazer uma série de exames preparatórios (claro que já era para ver se havia metástases, para ver a profundidade do problema)".
O resultado dos exames foi inequívoco: tinha um cancro no ovário (o que lhe estava causar a impressão no recto era o tumor a fazer pressão sobre o intestino). "O médico ficou transtornado. Não percebia como é que o tumor se tinha desenvolvido e aumentado tão rapidamente (já tinha invadido e epíplon). E como já tinha todos os exames de que precisava, podia fazer a operação no dia seguinte", recorda.
Diagnóstico: cancro!
A notícia não foi totalmente
inesperada. "Na semana anterior quando vi o médico ficar tão nervoso, a lamentar-se
por não ter tirado o ovário, a pedir exames com urgência para fazer a
operação, fiquei um bocado desconfiada. De tal forma que sempre fui ao
médico sozinha e, dessa vez, pedi ao meu marido para ir comigo".
Assim
que soube que tinha cancro, Idalina quis saber qual a gravidade do seu
caso.
"O médico disse-me que felizmente não havia metástases, o que era
muito bom sinal, e que tinha sido muito bom ter detectado o cancro a
tempo. Teria de fazer quimioterapia, que responde muito bem ao cancro no
ovário", sublinha.
"Portanto, o prognóstico era animador. Disse-lhe
'óptimo, se é assim, se não morri até agora, posso esperar mais oito
dias. É que faço anos sábado e não me apetecia passar o meu aniversário
no hospital'. O médico concordou. Marcámos a operação para o dia 16 de
Outubro".
Já o marido de Idalina foi apanhado de surpresa. "Ficou bem
pior que eu, ficou branco. Acho que é normal os familiares próximos
terem mais dificuldade em lidar com estas situações do que o próprio
doente. Foi um choque", realça.
Mas com a sua força e optimismo,
Idalina contagiou a família. "As nossas filhas ficaram muito
preocupadas, mas disse-lhes que tinham de ter calma, porque precisava
muito da ajuda delas, era importante sermos positivos e acreditar que ia
tudo correr muito bem. E passado o choque inicial, ultrapassaram bem.
Fizemos a festa de aniversário como se nada acontecesse e só depois da
operação é que avisámos o meu pai e mais alguns familiares".
Quimioterapia
sem efeitos secundários
A intervenção cirúrgica revelou que o
caso
era mais complicado do que parecia. "O intestino estava de tal forma
pressionado pelo tumor que ia rebentar mais dia menos dia, no máximo,
dentro de dois meses, iria morrer de peritonite.
Felizmente foi
detectado a tempo de ser extraído, sem deixar rasto, com excepção de
três focos que seriam eliminados com a quimioterapia".
O médico
alertou-a de que lhe ia cair o cabelo, ia engordar, mas que não fizesse
caso do que as outras pessoas lhe contassem sobre as suas experiências,
porque cada pessoa reage de forma diferente à quimioterapia.
"Aconselhou-me
a comprar logo uma cabeleira, para ter a mesma cor e textura que o meu
cabelo, e a cortar o cabelo rente assim que o sentisse a cair, o que
pode acontecer de um um dia para o outro, porque deixá-lo cair aos
poucos é uma das piores sensações".
Munida de uma cabeleira com
corte
igual ao seu, turbantes e lenços encarou muito bem a queda do cabelo e
até brincava com o facto de estar careca.
"Em casa não usava
nada, só
na rua é que andava de turbante ou lenço, e a cabeleira usei três ou
quatro vezes, em festas públicas, porque os turbantes não combinam com
vestidos de noite. E só não andava sem nada na rua porque tenho uma
grande cicatriz na cabeça. Assim que o cabelo começou a tapar a
cicatriz, deixei de usar acessórios", confessa.
Com a força que a
caracteriza, enfrentou muito bem as sessões de quase seis horas de
quimioterapia.
"Já me tinham falado das reacções típicas
(náuseas,
etc.) e estava na expectativa do que ia acontecer comigo. Mas correu
sempre tudo muito bem. O melhor tratamento é a própria pessoa. Conseguir
suportar a dor (não se pode entrar em pieguice) é mais de 50% da
resolução dos casos; temos de lutar pela vida, porque é o mais
importante que nós temos, e temos de vive-la, um dia de cada vez, porque
pode ser o último".
"Claro que me canso muito mais (o organismo
nunca mais vai ser o mesmo), tenho mais 10 quilos do que tinha antes de
ser operada (e não gosto de me ver gorda), mas temos é de encarar as
coisas e ultrapassá-las. É assim que Deus quer que eu viva, é assim
que vou viver", conforma-se.
A vida depois do cancro
Com
a sua
atitude optimista, Idalina não deixou que o cancro afectasse a sua vida
profissional. "Fui sempre fazendo tudo, aliás contra a vontade de toda a
gente. Se calhar isso também me deu força", sustenta.
"Claro que
quando me sentia cansada, parava e descansava, mas não fui de ficar de
cama", assegura ainda. "Houve um dia em que saí directa da
quimioterapia para o tribunal (para resolver um processo de falência de
uma empresa que geria). Foi cansativo, mas acabou por ser benéfico
porque resolvi o problema em vez de o adiar", sublinha.
Actualmente,
um ano depois da operação e quase seis meses após ter concluído as
sessões de quimioterapia, Idalina sente-se gradualmente a recuperar.
"A
pessoa fica mais fraca, com menos forças e não consegue fazer o que
fazia antes. Mas tenho vindo a recuperar gradualmente. Não me inibe de
fazer seja o que for. Sei que aquilo que fazia com mais facilidade leva
mais um bocadinho, mas faço tudo da mesma forma. Se subir umas escadas
fico cansada, mas subo mais devagar", admite.
"As limitações são
limitadas (risos). O único cuidado especial que ainda tem é não apanhar
sol devido ao risco de ficar com a pele toda manchada (reacção à
quimioterapia)", refere.
De resto, só tem de fazer um controlo
médico
três em três meses. "A última quimioterapia foi em Abril, já voltei a
fazer exames em Junho, estava tudo bem, muito bem mesmo. Volto em
Setembro".
Os conselhos de Idalina Abade
É preciso não ter
medo
dos problemas e encará-los. Não podemos ir para uma operação com medo.
Temos de pensar que vai correr bem. E se correr menos bem, é preciso ter
força para ultrapassar essa fase.
Não ter medo de ser olhada
como
uma pessoa que teve cancro. Todo o corpo se deforma, ficamos sem cabelo,
sobrancelhas, pestanas... mas não podemos sentir-nos coitadinhos. Temos
de pensar que o mais importante é estarmos a ser tratados. Não se pode
sentir dor por ter uma doença. Nem vergonha.
Controlar muito a
dor.
As coisas doem, claro. Na quimioterapia, por exemplo, há pessoas que
sentem mais dor que outras, mas há é que controlá-la. Sofre-se muito
menos. E falo não só da dor física mas principalmente da psicológica,
porque se não conseguirmos controlar a dor psicológica, muito menos a
dor física.
Ter confiança nos médicos em que se entregam. Temos
de
acreditar naquilo o médico que diz que vai acontecer, e seguir as suas
recomendações. Se não gostar do médico ou não tiver confiança mais vale
procurar outro.
Fazer uma consulta de genética. Desde que haja
mais
de quatro ou cinco casos na família é sempre conveniente tentar
despistar qual é o gene responsável pela mutação e se está a ser
transmitido aos filhos, para tentar travar a evolução oncológica.
Texto: Fernanda Soares
Foto: Cláudia Azevedo
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