“Já sabíamos, à partida, que as pessoas que vivem em locais mais desfavorecidos têm pior saúde e pior qualidade de vida, mas o que não sabíamos e queríamos perceber era se o efeito prejudicial de residir em contextos socioeconómicos mais pobres era igual para todas as classes sociais”, afirmou hoje Ana Isabel Ribeiro, a primeira autora do estudo.​​​

Em declarações à agência Lusa, a investigadora explicou que o estudo, desenvolvido no âmbito do projeto europeu Lifepath, visava também “colmatar uma falha” na literatura, uma vez que os artigos publicados contêm “resultados dispares" e "centrados em países anglo-saxónicos, descurando a realidade sul europeia”.

Publicada na revista científica The Lancet Public Health, a investigação recorreu a uma amostra de mais de 160 mil pessoas, com idades entre os 18 e 91 anos, no âmbito de seis coortes [estudos longitudinais] seguidas ao longo de quase 20 anos em Portugal, na Suíça, França, Itália, Austrália e Inglaterra.

“Estes dados permitiram-nos ter uma variedade de situações sociodemográficas distintas”, afirmou Ana Isabel Ribeiro, destacando que foi analisada informação sobre o nível de escolaridade dos participantes (indicador usado para determinar a condição socioeconómica), o nível de privação socioeconómica do local de residência e dados sobre a mortalidade.

A análise dos dados permitiu aos investigadores concluir que “os indivíduos que vivem em territórios mais pobres e desfavorecidos têm um maior risco de morte”, sobressaindo uma diferença de 21% comparativamente aos indivíduos que vivem em locais mais favorecidos.

Ao mesmo tempo, a investigação comprovou que o “efeito prejudicial à saúde de viver em locais mais desfavorecidos é mais pronunciado (31%) em indivíduos com estatuto socioeconómico mais baixo (ensino básico)”.

“Dois indivíduos, um de classe baixa e outro de classe alta, ambos a residir em locais desfavorecidos, o que é da classe baixa vai sofrer mais as consequências negativas de residir neste contexto”, esclareceu Ana Isabel Ribeiro.

A investigação concluiu ainda que a diferença ao nível da mortalidade entre residir em lugares mais desfavorecidos e favorecidos foi “mais evidente” na coorte portuguesa (EPIPorto), australiana (MCCS) e inglesa (Whitehall II).

“Algumas evidências prévias já apontavam neste sentido. Neste estudo, testamos uma hipótese relacionada com a segregação sócio espacial. Existem evidências que cidades mais segregadas acentuam desigualdades sociais em saúde”, afirmou, destacando que a segregação promove “maior desigualdade”.

Os resultados obtidos na investigação evidenciam a “necessidade de atuar em três frentes: a nível individual, a nível local e a nível nacional”, defendeu a investigadora.

“É importante que tanto as políticas de saúde como de ordenamento do território incidam nestes contextos, equipando-os dos melhores equipamentos”, acrescentou.

Financiado pela Comissão Europeia, o projeto europeu Lifepath, que tinha como objetivo investigar os mecanismos biológicos através dos quais as desigualdades sociais conduzem às desigualdades em saúde, terminou em 2019.

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