
Healthnews (HN) – Como avalia o impacto das políticas de redução de danos na saúde pública em comparação com as abordagens centradas na abstinência total?
Julian Perelman (JP) – As abordagens centradas na abstinência total são, na realidade, impossíveis de implementar. No entanto, sou muito favorável às políticas de modificação do contexto, que têm demonstrado efeitos muito positivos. Por exemplo, o aumento do preço do tabaco tem sido altamente eficaz, além de ser economicamente vantajoso por gerar poupança. As políticas de proibição do consumo em determinados locais públicos também têm apresentado resultados bastante favoráveis.
A minha principal preocupação centra-se no tabagismo entre adolescentes e jovens. O objetivo primordial não é apenas ajudar fumadores de longa data a parar ou reduzir o consumo, mas sim evitar que os jovens comecem a fumar. As políticas que desnormalizam o tabaco têm sido muito eficazes neste aspeto, tornando o ato de fumar menos comum e aceitável socialmente.
Outro ponto crucial é a distribuição desigual da prevalência do tabagismo na população. Temos dados em Portugal que mostram que as pessoas de camadas socialmente mais desfavorecidas fumam mais. Um estudo conduzido pela minha colega Joana Alves revelou que, aos 17 anos, os jovens de famílias mais desfavorecidas fumam regularmente duas vezes mais do que os de famílias mais favorecidas. As políticas de aumento de preço e de proibição de fumar em locais públicos têm um impacto maior na redução desta desigualdade, o que é fundamental do ponto de vista da justiça social e das desigualdades em saúde.
HN – Qual é a sua opinião sobre a classificação dos substitutos de tabaco sem tabaco, como os cigarros eletrónicos e o tabaco aquecido, na mesma categoria dos cigarros convencionais pela legislação portuguesa?
JP – Esta é uma questão bastante técnica e não estou suficientemente por dentro do assunto para dar uma resposta definitiva. No entanto, é importante notar que produtos que contêm nicotina implicam sempre algum dano. Há evidências, embora ainda estejamos numa fase precoce de investigação, de que os cigarros eletrónicos e o tabaco aquecido estão associados a doenças respiratórias.
É necessário fazer uma distinção clara entre produtos de substituição controlados, como os adesivos de nicotina prescritos por médicos para deixar de fumar, e produtos como cigarros eletrónicos ou tabaco aquecido disponíveis livremente no mercado. Os primeiros fazem parte de uma estratégia de redução de danos acompanhada e regulada, enquanto os segundos não têm esse controlo.
A política de redução de danos deve ser vista como um conjunto de medidas que inclui não apenas a substituição por produtos menos nocivos, mas também um acompanhamento adequado e uma regulação rigorosa. Não se pode simplesmente substituir um produto nocivo por outro ligeiramente menos nocivo sem considerar o contexto mais amplo e as implicações a longo prazo.
HN – De que forma a Direção-Geral de Saúde poderia melhorar a abordagem, informação e educação sobre alternativas menos nocivas do tabaco em Portugal?
JP – Com base na minha experiência de investigação sobre o tabagismo em adolescentes, posso dizer que a informação sobre as consequências do tabagismo não é o problema principal. Nos nossos estudos, descobrimos que mais de 99% dos adolescentes conhecem os riscos associados ao tabagismo. O desafio não está na falta de informação, mas sim em compreender por que razão, mesmo tendo essa informação, os jovens optam por começar a fumar. Isto está mais relacionado com o contexto social e a normalização do comportamento do que com a falta de conhecimento.
Quanto aos produtos como o tabaco aquecido e os cigarros eletrónicos, penso que a Direção-Geral de Saúde deve manter uma mensagem clara de que são produtos nocivos. Embora possa haver tentativas de apresentar estes produtos como alternativas menos prejudiciais, é crucial que a DGS não transmita uma mensagem de que são bons ou seguros, especialmente para a população em geral e para os jovens em particular.
Estes produtos não são medicamentos como a vareniclina ou a citisina, que são utilizados sob supervisão médica para deixar de fumar. São produtos nocivos que, embora possam ter alguma utilidade em contextos muito específicos e regulados, não devem ser promovidos como soluções seguras ou benéficas para a população em geral.
HN – Como avalia o impacto económico e social das políticas de desnormalização do tabaco implementadas em Portugal?
JP – Do ponto de vista económico, as políticas de desnormalização do tabaco em Portugal são altamente favoráveis em termos de custo-efetividade. Estamos a falar de medidas que têm um custo direto relativamente baixo – como aumentar impostos ou proibir o consumo em determinados lugares – mas que produzem benefícios significativos.
Estes benefícios incluem não apenas a redução da mortalidade prematura, permitindo que as pessoas vivam e trabalhem por mais tempo e de forma mais saudável, mas também a diminuição da carga sobre o sistema de saúde. Qualquer médico de família, pneumologista ou cardiologista pode atestar o impacto significativo que os fumadores têm nas consultas e nos serviços de saúde.
No entanto, um problema crónico em Portugal, não apenas em relação ao tabaco mas também noutras áreas da saúde pública, é a implementação efetiva das leis. Podemos ter legislação bem pensada e progressista, mas frequentemente falhamos na sua aplicação prática. Temos excelentes pensadores e académicos na área da saúde pública, capazes de desenvolver políticas inovadoras, mas muitas vezes faltam os recursos e a vontade política para implementar e fiscalizar adequadamente estas medidas no terreno.
HN – Alguns países conseguiram atingir os objetivos da OMS ao abordar a questão dos produtos de tabaco aquecido e cigarros eletrónicos de forma gradual, enquanto outros não. Poderia esta ser uma política a considerar em Portugal?
JP – É importante notar que qualquer política nesta área não pode ser implementada de forma isolada. Não podemos abdicar das políticas de desnormalização do tabaco que já estão em vigor, como as taxas elevadas e as proibições de fumar em certos locais. Estas medidas são fundamentais e devem ser mantidas, independentemente da introdução de novas abordagens.
Quanto aos produtos alternativos como o tabaco aquecido e os cigarros eletrónicos, é crucial considerar cuidadosamente os danos que estes produtos podem causar. Embora alguns estudos sugiram que podem ser menos nocivos que o tabaco convencional, precisamos de evidências mais robustas e de longo prazo antes de tomar decisões políticas definitivas.
A evidência atual sobre estes produtos é principalmente de curto prazo e ainda há muitas incertezas sobre os seus efeitos a longo prazo. Antes de considerar qualquer mudança significativa na política, precisamos de esperar por mais estudos e dados concretos, especialmente se estamos a pensar nestes produtos como parte de uma estratégia de saúde pública mais ampla.
É fundamental manter uma abordagem cautelosa e baseada em evidências. Não podemos correr o risco de promover produtos que, embora possivelmente menos nocivos que o tabaco convencional, ainda possam causar danos significativos à saúde pública, especialmente entre os jovens.
HN – Quais são os principais desafios na implementação eficaz das políticas de controlo do tabaco em Portugal?
JP – Um dos principais desafios que enfrentamos em Portugal é a disparidade entre a criação de leis e a sua efetiva implementação. Temos frequentemente legislação bem elaborada e progressista, mas falhamos na sua aplicação prática. Este problema não se limita apenas às políticas de controlo do tabaco, mas é uma questão transversal em várias áreas da saúde pública no país.
Outro desafio significativo é a falta de recursos para fiscalizar e garantir o cumprimento das leis. Podemos ter excelentes ideias e políticas no papel, mas se não tivermos pessoas no terreno para verificar o cumprimento dessas leis, a sua eficácia fica comprometida.
Além disso, há o desafio de manter uma mensagem consistente e clara sobre os riscos associados ao tabaco e aos produtos alternativos. É crucial que as autoridades de saúde, como a Direção-Geral de Saúde, mantenham uma posição firme sobre a nocividade destes produtos, evitando mensagens que possam ser interpretadas como uma aprovação de alternativas potencialmente prejudiciais.
HN – Como podemos abordar as desigualdades sociais no consumo de tabaco?
JP – As desigualdades sociais no consumo de tabaco são um problema significativo que requer uma abordagem multifacetada. Como mencionei anteriormente, os nossos estudos mostram que jovens de famílias mais desfavorecidas têm uma probabilidade muito maior de fumar regularmente.
Uma das formas mais eficazes de abordar esta questão é através de políticas de preços. O aumento do preço do tabaco tem um impacto proporcionalmente maior nas camadas sociais mais desfavorecidas, o que pode levar a uma redução mais significativa do consumo nestes grupos.
No entanto, é importante que estas políticas de preços sejam acompanhadas por medidas de apoio à cessação tabágica direcionadas especificamente para estes grupos. Isto pode incluir programas de cessação gratuitos ou de baixo custo, aconselhamento personalizado e acesso facilitado a terapias de substituição de nicotina.
Além disso, é crucial investir em programas de prevenção nas escolas e comunidades, com foco especial nas áreas mais desfavorecidas. Estes programas devem abordar não apenas os riscos do tabagismo, mas também as pressões sociais e económicas que podem levar ao início do consumo.
HN – Qual é o papel da educação e da sensibilização na prevenção do tabagismo, especialmente entre os jovens?
JP – A educação e a sensibilização desempenham um papel fundamental, mas é importante reconhecer que o conhecimento por si só não é suficiente. Como mencionei anteriormente, a grande maioria dos adolescentes está bem informada sobre os riscos do tabagismo. O desafio real está em traduzir esse conhecimento em comportamentos.
Por isso, os programas educativos devem ir além da simples transmissão de informação sobre os riscos de saúde. Eles devem focar-se em desenvolver habilidades de resistência à pressão dos pares, promover a autoestima e oferecer alternativas saudáveis e atrativas ao tabagismo.
É também crucial trabalhar na mudança das normas sociais em torno do tabagismo. Isto inclui não apenas campanhas de sensibilização, mas também políticas que tornem o ato de fumar menos visível e menos aceitável socialmente, como as proibições de fumar em espaços públicos.
Além disso, é importante envolver os jovens no desenvolvimento e implementação destas iniciativas. Programas liderados por pares podem ser particularmente eficazes, pois permitem que os jovens se identifiquem mais facilmente com as mensagens e os mensageiros.
HN – Como avalia a eficácia das advertências sanitárias nas embalagens de tabaco?
JP – As advertências sanitárias nas embalagens de tabaco são uma medida importante na estratégia global de controlo do tabagismo. Elas servem não apenas para informar os consumidores sobre os riscos, mas também para desnormalizar o produto.
As imagens gráficas e as mensagens de texto nas embalagens têm-se mostrado eficazes em aumentar a consciencialização sobre os riscos de saúde associados ao tabagismo. Além disso, elas podem atuar como um desincentivo, especialmente para os jovens que ainda não começaram a fumar.
A padronização das embalagens, removendo elementos de design e marca, é outra medida que tem mostrado resultados promissores. Ao tornar as embalagens menos atrativas, reduz-se o apelo do produto, especialmente para os jovens.
No entanto, é importante notar que estas medidas são mais eficazes quando combinadas com outras políticas de controlo do tabaco, como aumentos de preços, proibições de publicidade e programas de cessação tabágica.
HN – Que papel podem desempenhar os profissionais de saúde na redução do tabagismo?
JP – Os profissionais de saúde têm um papel crucial na redução do tabagismo. Eles estão numa posição única para aconselhar os pacientes sobre os riscos do tabagismo e os benefícios da cessação, bem como para oferecer apoio prático para deixar de fumar.
É importante que todos os profissionais de saúde, não apenas os especialistas em cessação tabágica, estejam preparados para abordar o tema do tabagismo com os seus pacientes. Isto inclui médicos de família, enfermeiros, dentistas e outros profissionais de saúde que têm contacto regular com os pacientes.
Os profissionais de saúde podem oferecer aconselhamento breve, que tem se mostrado eficaz em motivar os fumadores a tentar deixar de fumar. Eles também podem prescrever terapias de substituição de nicotina ou outros medicamentos para ajudar na cessação, quando apropriado.
Além disso, os profissionais de saúde podem desempenhar um papel importante na advocacia de políticas de controlo do tabaco mais fortes. A sua voz é respeitada e pode influenciar tanto o público quanto os decisores políticos.
HN – Quais são as suas perspetivas para o futuro do controlo do tabagismo em Portugal?
JP – O futuro do controlo do tabagismo em Portugal dependerá da nossa capacidade de manter e reforçar as políticas que têm se mostrado eficazes, ao mesmo tempo que nos adaptamos aos novos desafios, como o surgimento de produtos alternativos de nicotina.
Acredito que precisamos continuar a focar-nos na prevenção, especialmente entre os jovens, através de uma combinação de educação, mudança das normas sociais e políticas que tornem o tabaco menos acessível e atraente.
Também será crucial abordar as desigualdades sociais no consumo de tabaco, garantindo que as nossas políticas não apenas reduzam o consumo geral, mas também diminuam as disparidades entre diferentes grupos socioeconómicos.
A regulação eficaz dos novos produtos de tabaco e nicotina será um desafio importante. Precisaremos de políticas baseadas em evidências que equilibrem o potencial destes produtos para a redução de danos com a necessidade de proteger a saúde pública, especialmente dos jovens.
Publicado na revista #29 HealthNews, aceda a mais conteúdos aqui
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