A Organização Mundial de Saúde (OMS) disse hoje que os novos casos do vírus de Marburg na Guiné Equatorial são um "aviso crítico" de que os esforços de resposta ao surto têm de ser aumentados.

“Já houve sete mortes confirmadas em laboratório, e todos os casos prováveis [20] faleceram”, refere a OMS, notando que “dos novos oito casos confirmados, dois eram da província de Kié-Ntem, dois do litoral e dois de províncias do centro sul” e avisando que “as áreas que estão a relatar casos distam 150 quilómetros entre elas, o que sugere uma transmissão mais ampla do vírus”.

A estes números juntam-se as 11 pessoas cujas mortes são atribuídas à doença, registadas entre 7 de janeiro e 7 de fevereiro, mas que não foram confirmadas em laboratório, pelo que o número total, desde o princípio, poderá estar nos 18 (11 sem confirmação laboratorial e sete confirmadas em laboratório).

Em África, já houve surtos anteriores e esporádicos em Angola, República Democrática do Congo, Quénia, África do Sul e Uganda, tendo a Guiné-Conacri confirmado um caso em agosto de 2021, e o Gana também anunciou dois casos em julho de 2022. A mais recente preocupação, para além da Guiné Equatorial, é a Tanzânia, que confirmou na quarta-feira um surto da doença que já fez cinco mortos no país.

Falámos sobre esta infeção com o médico Nuno Janeiro, infeciologista do Hospital Cruz Vermelha.

O que é o vírus Marburg? 

O vírus Marburg é um vírus que pode causar condições de febre hemorrágica que vão surgindo habitualmente em surtos, devido ao contacto dos humanos com fontes de transmissão, como morcegos, e depois entre humanos, por via cutânea, por contacto próximo com pessoas infetadas, nomeadamente a pele e os líquidos corporais, mas também superfícies que possam conter o vírus.

Há novos casos na Guiné Equatorial e há preocupações neste contexto, para que não sejam ultrapassadas fronteiras e não haja transmissão como ocorre com outros vírus que causam febre hemorrágica, como o ébola.

Que sintomas provoca?

São muito semelhantes ao vírus ébola, ou seja, febre elevada, cansaço e queixas do foro gastrointestinal como vómitos e diarreia. Nalguns casos podem ocorrer eventos hemorrágicos. Em qualquer uma destas situações, acabam por desencadear um processo de desidratação e uma evolução menos favorável que se não tiver tratamento adequado - que não é dirigido - pode levar à morte.

Não existe um tratamento específico, é isso?

Não. É um pouco como o vírus ébola. Como não temos muitos casos de doença é difícil de investigar. Quando houve o surto do ébola, houve uma série de medicamentos investigados na tentativa de salvar algumas pessoas, e houve alguns benefícios nesse sentido. Alguns medicamentos que foram utilizados no ébola, nomeadamente vacinas, vão começar a ser investigados para este vírus.

Como é que a doença chega aos humanos? É só através do contacto com morcegos?

O contacto direto com morcegos é o que se pensa que está na origem dos focos. Nos morcegos o vírus não tem impacto, mas desenvolve-se em humanos.

O vírus causa doença mais grave em algum grupo de risco?

Os grupos de risco são as pessoas mais fragilizadas, ou seja,  as imunodeficientes, e depois as pessoas nos extremos das idades: os mais novos e os mais velhos. Nessas idades, as coisas podem correr menos bem e resultar em morte.

Em África, surgem esporadicamente surtos de vírus Marburg. É normal?

É nestes países que existem populações de animais que podem contactar com este vírus. 

Por que motivo este vírus é tão mortal? Tem que ver com o facto de surgir em áreas com poucos recursos de saúde ou o próprio vírus tem uma alta taxa de letalidade?

Ficamos sempre com dúvidas. A taxa de mortalidade ronda entre os 25% e os 100%. No ébola, essa taxa é variável, mas percebe-se que os doentes com ébola que eram tratados em países onde adquiriram a infeção tinham piores resultados do que os doentes tratados em países europeus, por exemplo, em que os cuidados de saúde estavam mais organizados e capazes de responder a situações que são de suporte de vida. Não há nenhum medicamento dirigido ao tratamento destas infeções, mas temos de manter o doente vivo e para isso temos de lhes fornecer os melhores cuidados que podem não existir nalguns países onde estas doenças podem ocorrer. Falo da hidratação adequada por via endovenosa e mesmo o controlo das funções corporais, como a frequência cardíaca e a tensão arterial, por exemplo.

Em Portugal há risco de um surto de vírus Marburg?

Há sempre risco, mas é muito baixo. Tal como achávamos que o ébola não ia cá chegar, é muito pouco provável que este vírus chegue a Portugal, mas vai depender muito do controlo do vírus no país onde foi detetado. Ainda estamos no início de um surto e ainda não sabemos como isto vai evoluir. O tempo de incubação pode chegar às três semanas e por isso as pessoas podem transportar o vírus consigo para outros países e, sendo assim, a doença pode disseminar-se.

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