Alexandre Almeida tentou anos a fio salvar-se de um quadro clínico de alcoolismo crónico. Após décadas de tratamentos falhados e de várias recaídas, quase perdeu a esperança na sua própria recuperação. "Passei pelos mais diversos tipos de tratamentos, mas sem sucesso. Fui seguido num hospital, onde a determinada altura me disseram que já não sabiam mais o que fazer por mim. Foi um choque, mas era a realidade. Tinha chegado ao fundo do poço", recordou.
A síndrome de dependência alcoólica, ou perturbação de uso de álcool, vulgarmente conhecida por alcoolismo, é uma doença crónica e multifatorial. São diversos os fatores que contribuem para o seu desenvolvimento, incluindo a quantidade e frequência de consumo de álcool, a condição de saúde do indivíduo, e os fatores genéticos, psicossociais e ambientais.
Dados do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), indicam que a prevalência da dependência de álcool em Portugal aumentou de 3%, em 2012, para 4,2% em 2022. Outro estudo recente estima que existem 58 mil doentes alcoólicos portugueses e 750 mil bebedores excessivos.
Doença com efeitos que alastram à família
Alexandre Almeida queria recuperar de um quadro de alcoolismo que teimava em persistir, mas os tratamentos infrutíferos, a sensação de falhanço e o vício faziam-no, quase sempre, voltar a cometer o erro de se refugiar no álcool.
"Estive prestes a perder a minha família, os meus filhos já não me falavam, a minha mulher estava doente de desespero, pois já não sabia mais o que fazer e esteve prestes a terminar a relação, o que seria certamente o meu fim", recorda.
"A minha mulher tentou de tudo, mas foi ao mesmo tempo a minha salvação, ao sugerir-me a The Clinic of Change. Fui já sem esperança, o que é natural ao fim de tantos tratamentos, tantas clínicas e tantos resultados gorados", relata.
Após uma consulta de diagnóstico, foi considerado elegível para o tratamento. "O tratamento consistiu em psicoterapia com administração de ketamina. Com este fármaco e o acompanhamento da psicoterapeuta, foi-me finalmente permitido ir à raiz dos meus problemas, compreendendo os porquês de tanto sofrimento e o porquê de recorrer ao álcool. Se tinha coisas a pesar-me no passado, nem eu imaginava o quanto", frisa.
Estudos clínicos sobre os efeitos da psicoterapia combinada com ketamina em alcoólicos mostram taxas de 86% de abstinência nos seis meses após o tratamento, e sem efeitos adversos, contrastando com índices abaixo dos 25% quando se compara com métodos convencionais.
"A psicoterapia que é assistida ou facilitada por um fármaco, neste caso, a ketamina, vai permitir o acesso a um conjunto de material psicológico e psíquico, conteúdos psíquicos, que por sua vez podem ser trabalhados na psicoterapia", explicou Victor Amorim Rodrigues, psiquiatra e psicoterapeuta e director clínico da The Clinic of Change.
"Embora tenhamos também todos os benefícios antidepressivos do fármaco, nós pugnamos de facto pelo trabalho psicoterapêutico no sentido de prolongar, a longo prazo – é o que nós queremos, a longo prazo -, os efeitos terapêuticos deste tratamento", refere. "Há outras maneiras e outros locais onde se evita ao máximo estes efeitos dissociativos e psicadélicos da substância. Nós não só não os evitamos, e isso é de facto distintivo em relação a outras maneiras de usar a ketamina como terapêutica, porque não só não evitamos estes efeitos como, pelo contrário, nós queremos que eles ocorram. É preciso é ter depois, de facto, psicoterapeutas treinados, como é o nosso caso, que temos muitos anos de experiência", assevera o médico.
A psicoterapia utilizando ketamina emerge como uma abordagem promissora na recuperação de pacientes alcoólicos. Estudos recentes indicam que a ketamina, quando combinada com a terapia psicológica, pode resultar em benefícios significativos, incluindo uma redução na compulsão pelo álcool, uma diminuição dos sintomas de abstinência e uma melhoria geral na saúde mental do paciente. Além disso, a ketamina parece facilitar a introspeção e a resolução de questões emocionais subjacentes que frequentemente contribuem para o abuso de álcool.
Nova fase, nova vida
Alexandre Almeida admite que vive hoje uma nova vida. "Os traumas do passado não desapareceram, mas estão resolvidos e arrumados, e já não me causam sofrimento. Hoje estou livre do álcool, recuperei a minha família, a minha sanidade, a minha alegria de viver. E como é bom viver", acrescenta.
"Seria até egoísta da minha parte falar só do meu sofrimento, porque quem estava à minha volta sofria tanto ou mais do que eu. Deixo o meu testemunho na esperança de que possa ser útil para quem está a sofrer e a passar pelo mesmo sofrimento que passei", concluiu.
Casos como o de Alexandre Almeida e vários achados sugerem que a psicoterapia com ketamina pode representar uma nova abordagem terapêutica eficaz para ajudar os indivíduos a superar o vício do álcool e a manter a sobriedade a longo prazo. No entanto, são necessárias outros estudos para entender completamente os mecanismos subjacentes aos resultados científicos, e também para otimizar esta forma de tratamento promissora.
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