Desde que o presidente informou na sexta-feira que contraiu o novo vírus, as declarações do seu médico, Sean Conley, foram muitas vezes confusas, parciais e até desmentidas pelo chefe de gabinete da Casa Branca.

De facto, nada obriga os presidentes americanos a comunicar o seu estado de saúde, destaca Matthew Algeo, que escreveu sobre as mentiras recorrentes dos presidentes dos Estados Unidos no livro "The President is a Sick Man" ("O presidente é um homem doente", em tradução livre). "Tem como base a honestidade e depende completamente do que nos querem dizer", acrescenta.

Os presidentes, em geral, não têm nenhum interesse em revelar a potencial gravidade dos seus problemas de saúde. "Os presidentes detestam parecer fracos. Fariam qualquer coisa para evitar isso", explica. E isso especialmente a menos de um mês de uma eleição, na qual Trump busca um novo mandato e aparece atrás do seu rival democrata, Joe Biden, nas sondagens de intenção de voto.

A escolha do médico do presidente, em geral um militar, como Sean Conley, que serviu na Marinha, é "estruturalmente" uma fonte de conflito de interesses, destaca Rose McDermott, especialista em saúde dos presidentes americanos, da Universidade de Brown. "Ele é médico do presidente, e o presidente é o seu comandante em chefe: se o presidente não gostar do que ele afirma, pode não apenas demiti-lo, como também suprimir a sua aposentadoria", disse.

"Podemos pensar que protege a confidencialidade de seu paciente, mas também está em jogo a sua carreira e a sua situação financeira", completa.

Mentiras

A história dos Estados Unidos está repleta de mentiras sobre a saúde dos presidentes, destacam os analistas.

O presidente Woodrow Wilson teve um derrame cerebral em 1919, sobre o qual ninguém falou publicamente até fevereiro de 1920. Gravemente afetado, parcialmente paralisado, foi a sua segunda esposa, Edith Wilson, que comandou o governo até ao fim de seu mandato, em 1921, sem que o público soubesse da sua influência.

Dwight Eisenhower minimizou a gravidade da crise cardíaca que sofreu em 1955 e John F. Kennedy nunca falou sobre a doença de Addison, uma insuficiência hormonal da qual padecia.

O assassinato de JFK em 1963 resultou, no entanto, na aprovação em 1967 da 25ª emenda da Constituição americana, que prevê a transferência de poder ao vice-presidente em caso de morte ou de incapacidade do chefe de Estado.

À exceção de um ferimento grave - como o que sofreu Ronald Reagan quando foi atingido por um tiro em 1981, e seus poderes foram então transferidos para o seu vice-presidente, George Bush -, as circunstâncias nas quais o Congresso pode declarar um presidente incapaz de exercer suas funções não estão definidas de modo preciso, destaca Algeo.

"Como o trailer de um filme"

Os especialistas acreditam que uma sociedade mediatizada e repleta de redes sociais não favorecem a transparência, mas na verdade nenhum presidente poderia permanecer quatro meses a guardar um segredo médico como fez Wilson em 1919.

Trump, um ex-apresentador de reality show que usa o Twitter sem descanso, sabe tirar proveito da situação, afirma Emerson Brooking, do "think tank" Atlantic Council.

O presidente faz notícias desde sexta-feira, publicando vídeos que procuram demonstrar a sua vitória na batalha contra o vírus: a sua aparição no Twitter no sábado, quando estava no hospital, até ao seu retorno triunfante à Casa Branca na segunda-feira, filmado "como o trailer de um filme", passando pelo seu passeio de carro à frente de simpatizantes no domingo.

"Enquanto os meios de comunicação comentam ou criticam os vídeos, não fazem perguntas sobre a sua gestão da covid-19, ou sobre a 25ª emenda", completa Brooking.

Perante a falta de transparência, alguns defendem a criação de uma comissão médica independente para verificar as capacidades dos presidentes. O pedido ganha força, devido à idade avançada de Trump, que aos 74 anos é o presidente mais velho da história do país, e do seu rival Biden, de 77.

"Não divulgariam todos os detalhes ao público, mas este comité confirmaria se a pessoa está em forma", explica McDermott.

Até ao momento, porém, os pedidos de informações objetivas ficaram sem resposta, tanto nos Estados Unidos como em outros países ocidentais.

A saúde dos governantes não é um tabu apenas nos Estados Unidos, recorda McDermott. Os países de regime autoritário são exemplos evidentes, mas outras nações democráticas também enfrentam a mesma questão.

Até mesmo a chanceler alemã, Angela Merkel, admirada por muitos pela sua gestão da pandemia, deu poucas explicações sobre os tremores que sofreu em eventos públicos em 2019.

"Não vejo ninguém que possa ser considerado exemplar", conclui McDermott.