Soma-se a situação de farmacêuticos que foram contratados no âmbito dos contratos covid-19 e que estão a ser dispensados por alguns hospitais, avançou Hélder Mota Filipe à agência Lusa, no dia em que 55 profissionais do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra pedem escusa de responsabilidade por não se encontrarem reunidas as condições em termos de recursos humanos, logísticos e materiais que permitam assegurar a qualidade e segurança na prestação de cuidados aos doentes.

“Tudo isto se combina para uma situação muito, muito complicada nos serviços farmacêuticos do SNS [Serviço Nacional de Saúde]”, advertiu o bastonário, sublinhando que são serviços cruciais nos hospitais.

“Não se consegue tratar doentes sem medicamentos e não se consegue ter acesso aos medicamentos no hospital sem os serviços farmacêuticos, com os farmacêuticos no número adequado, com empenho adequado e a trabalhar com as condições adequadas”, realçou.

Portanto, sublinhou, “os serviços farmacêuticos a trabalhar de forma deficiente fazem obrigatoriamente com que o hospital trabalhe também de forma deficiente e isto é muito complicado”.

A Ordem dos Farmacêuticos tem estado sistematicamente a alertar para este problema, tendo inclusivamente entregado há cerca de três meses uma proposta de alteração legislativa à tutela, que ainda não obteve resposta, disse, acrescentando: "Tudo isto não augura nada de bom para os próximos tempos".

“Eu costumo dizer que é apenas de melhoria da legislação da carreira farmacêutica. São pequenos aspetos, mas que resolvem estes problemas e que são bons para a classe, mas são principalmente bons para o bom funcionamento do SNS”, salientou.

Hélder Mota Filipe observou que a legislação que cria a carreira farmacêutica tem um conjunto de limitações que criam problemas aos profissionais, nomeadamente o acesso à especialidade.

Esta situação levou um grupo de quase 80 farmacêuticos a assinar um manifesto público, divulgado na segunda-feira, a reclamar equidade no acesso à residência farmacêutica, que dá acesso à especialidade, sublinhando que a atual legislação cria situações de injustiça e exclui perto de 100 profissionais.

Os subscritores afirmam que “devido a uma interpretação estrita” do decreto-lei 6/2020 “não se reconhecem cerca de dois anos de exercício profissional em funções públicas no acesso a um instrumento de formação específica conducente à especialidade”.

Para o bastonário, esta situação é injusta, uma vez que os farmacêuticos têm que fazer a formação obrigatória de quatro anos, embora tenham já experiência profissional, “o que faz com que o próprio SNS se proponha a esperar quatro anos, mesmo por profissionais que já têm, alguns deles, mais de dois anos de formação".

“Tudo isto não faz sentido, como não faz sentido”, por exemplo, que profissionais que exercem nos hospitais privados, que têm especialidade e se diferenciaram, e queiram ir para o SNS tenham que fazer os quatro anos de formação, um novo exame de especialidade para depois entrar na base da carreira do serviço público.

No seu entender, o SNS “não se pode dar ao luxo” de esperar quatro anos pelos primeiros residentes para preencher vagas que neste momento “já estão completamente vazias”.

“[Esta situação] faz com que os colegas tenham este grito de alerta também relativamente à emissão de declarações de escusa de responsabilidade”, lamentou, lembrando as escusas apresentadas por profissionais do Hospital Santo António, no Porto, e do IPO do Porto.

“Tudo isto está a criar uma situação que, mais cedo ou mais tarde, vai ser muito parecida com um caos nos serviços farmacêuticos nos hospitais do SNS”, alertou.