“É apaixonante a história que vivemos muito por dentro da cura da hepatite C”, afirmou o diretor do Serviço de Gastrenterologia e Hepatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), Rui Tato Marinho, na cerimónia das comemorações dos 64 anos do Hospital Santa Maria, que arrancaram esta sexta-feira com uma conferência e o lançamento do livro "Hepatite C – o Futuro Começou Aqui".

Em declarações à Lusa, Rui Tato Marinho disse que “foi uma história de sucesso” que nunca tinha vivido nos seus “mais de 30 anos de medicina”.

“Apareceu um medicamento quase do nada”, sem efeitos secundários, que “conseguiu eliminar o vírus em quase toda a gente. Isto é único”, disse o especialista, lembrando a importância de combater este “vírus crónico, com risco de cancro, parecido com o VIH e a hepatite B”, disse o especialista.

“Quase que não há doenças que se curem assim desta maneira. Isso é fantástico, é um dos grandes avanços da medicina moderna”, vincou Rui Tato Marinho, responsável pela consulta de hepatologia do Hospital Santa Maria, que é a maior do país e recebe doentes de cerca de 40 países.

Em novembro, havia 21.591 tratamentos registados e 19.734 tratamentos iniciados, segundo dados divulgados por Tato Marinho, que revelam ainda que há neste momento 11.415 doentes curados, uma taxa de sucesso de 97%.

“São pessoas com uma média de idades de 50 anos” que “se morrerem agora perdem 30 anos de vida”, havendo ainda um “grupo de mães ou avós que foram contaminadas na altura da maternidade por sangue infetado. É gente da vida real que sofre”, disse, sublinhando que esta é “uma doença contagiosa que tem um impacto pessoal e social para além dos números”.

Esta história de sucesso também foi recordada por Eurico Castro Alves, ex-presidente do Infarmed, que foi um dos protagonistas do acordo, afirmando que, “desde a primeira hora, o objetivo foi encontrar uma maneira de tratar todos os doentes”.

Para Eurico Castro Alves, este objetivo “foi o início da solução” para o problema. “É muito gratificantes estar aqui hoje e olhar para trás e ver que o nosso trabalho teve um fruto importante que foi curar praticamente todos os doentes em Portugal”, disse à Lusa.

Na altura, “foram momentos muito difíceis, de muita tensão” e “acho que todos nós ficamos diferentes depois de ter passado aquele período”.

“Para mim, é gratificante saber que no meu país, diferentes forças, com interesses muito diferentes, por vezes até incompatíveis, conseguiram juntar-se e encontrar um caminho conjunto e resolver o problema de milhares de pessoas e que era um problema insolúvel”, disse Eurico Castro Alves.

No seu entender, foi “uma boa solução” para Portugal que se tornou um exemplo internacional. “Não curámos só a doença também aprendemos a lidar com situações difíceis e acho que esse exemplo e essa experiência vão ser muito úteis para novos tempos difíceis que se avizinham”.

Para a atual presidente do Infarmed, Maria do Céu Machado, o processo de hepatite C é “um paradigma” da inovação terapêutica.

“Este sim é um medicamento inovador porque é eficaz, os efeitos adversos não são importantes, e a eficácia é de 98% de doentes curados”, disse na conferência.

Para Maria do Céu Machado, “é um investimento que vale a pena”, salientando que em quatro anos o preço do medicamento baixou cerca de oito vezes com o aparecimento de outros medicamentos.

Neste momento, existem oito medicamentos diferentes para o tratamento da hepatite C.

Pedro Castro descobriu há 25 anos que tinha hepatite C. Hoje faz parte dos milhares de doentes curados e fez questão de agradecer a todos que lutaram para que o tratamento chegasse a todos os doentes em Portugal.

“Fizeram o melhor que podiam e o melhor que sabiam”, disse Pedro Castro, salientando que passou a ser “uma pessoa completamente diferente”.

Na cerimónia esteve presente o antigo ministro da Saúde Paulo Macedo, que deixou o seu testemunho no livro "Hepatite C – o Futuro Começou Aqui", lançado pelo CHULN e que reúne vários depoimentos de especialistas, antigos ministros, do presidente do centro hospitalar, Carlos Martins, e do ex-diretor geral da Saúde, Francisco George.

No livro, o ministro que viabilizou o tratamento, Paulo Macedo, afirma que “Portugal alcançou um acordo inédito para a erradicação da hepatite C, pagando apenas por doente curado”.