O francês, de 43 anos, que continua hospitalizado três meses depois da sua mais recente operação em Paris, é a primeira pessoa no mundo submetida a dois transplantes de rosto.

Para já, a sua cara permanece lisa e imóvel e não se ajusta à forma do seu crânio, mas o seu aspecto deve melhorar aos poucos, se o tratamento imunossupressor para impedir uma nova rejeição do enxerto funcionar.

"Sinto-me muito bem", disse Hamon num encontro com a imprensa na semana passada. "Tenho pressa para me livrar disto tudo", acrescentou, falando com dificuldade e cansado pelo forte tratamento que recebe.

A segunda operação foi obra da equipa de Laurent Lantieri no hospital parisiense Georges-Pompidou.

Em 2010, este cirurgião plástico já tinha realizado um primeiro transplante completo de rosto no mesmo paciente, no hospital Henri-Mondor de Créteil, arredores de Paris.

Hamon sofre de uma neurofibromatose de tipo 1, conhecida como doença de von Recklinghausen, um transtorno genético que deforma o seu rosto.

Um antibiótico incompatível

O primeiro transplante foi um sucesso, contou Hamon num livro publicado em abril de 2015: "T'as vu le Monsieur?" ("Viu esse senhor?", em tradução livre).

Infelizmente, nesse mesmo ano, Jérôme Hamon utilizou um antibiótico incompatível com o seu tratamento imunossupressor para curar uma simples gripe. Poucos meses depois, o homem começou a mostrar sinais de rejeição crónica do rosto.

Fez dois transplantes faciais e já lhe chamam o
créditos: DR

Teve de ser hospitalizado em meados de 2017, e em novembro, os médicos retiraram o rosto enxertado, devido ao aparecimento de necroses.

Durante dois meses, o homem esteve internado "sem rosto" no hospital Pompidou, à espera de que a agência francesa de biomedicina encontrasse um dador compatível. "Toda a equipa de recuperação ficou impressionada com a coragem de Jérôme, a sua vontade, a sua força numa situação tão trágica. Estava à espera, mas nunca se queixou. Pelo contrário, tinha bastante humor", contou à imprensa Bernard Cholley, médico anestesista do Georges-Pompidou.

O dador foi um homem de 22 anos, falecido a centenas de quilómetros de Paris. Com o consentimento da agência francesa de segurança dos medicamentos, foi utilizada uma técnica revolucionária para conservar o enxerto. Em vez de introduzir o rosto numa solução clássica, usou-se hemoglobina de vermes marinhos para reter o oxigénio na pele.

"Sou eu"

Jérôme Hamon entrou na sala de cirurgia no dia seguinte ao acidente que vitimou o seu dador. Ao meio-dia, a equipa médica começou a preparar os vasos sanguíneos e os nervos do paciente para poder fazer o transplante, explicou Lantieri. Depois, foi como colocar uma máscara com cuidado, unindo-a a tudo o que compõe a anatomia complexa da cabeça. O enxerto rapidamente ganhou cor.

Hamon saiu do centro cirúrgico na terça-feira de manhã, após uma operação extraordinária. "A operação responde à pergunta (...): é possível fazer um segundo transplante de rosto? Sim, é possível, e isto é o que se obtém", disse Lantieri.

Para evitar uma rejeição, foi preciso "retirar os anticorpos do sangue" com uma plasmaferese e "bloquear a produção desses anticorpos" com um tratamento medicamentoso durante "os três meses anteriores ao transplante", explicou o nefrologista Éric Thervet.

"Após o primeiro transplante, aceitei imediatamente o enxerto. Considerei-o um novo rosto e agora é a mesma coisa", assegurou Hamon. "Se não tivesse aceite este novo rosto, teria sido um drama. Efetivamente, é uma questão de identidade (...) Mas agora está bom, sou eu".

Já foram realizados 40 transplantes de rosto no mundo desde o primeiro, o da francesa Isabelle Dinoire, em 2005.