Esta decisão foi anunciada através de uma nota no sítio oficial da Presidência da República na Internet, cerca de duas horas depois de o Tribunal Constitucional ter anunciado que declarou inconstitucionais normas deste diploma, por “insuficiente densidade normativa”, na sequência de um pedido de fiscalização preventiva de Marcelo Rebelo de Sousa.

"Na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional de hoje, que considerou inconstitucionais normas do diploma submetido a fiscalização preventiva da constitucionalidade, o Presidente da República devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do n.º 1 do artigo 279.º da Constituição, o decreto da Assembleia da República que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal", lê-se na nota.

A Constituição determina que, perante uma declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, o diploma deverá ser vetado pelo Presidente da República e devolvido, neste caso, ao parlamento, que poderá reformulá-lo expurgando o conteúdo julgado inconstitucional ou confirmá-lo por maioria de dois terços.

No requerimento enviado ao Tribunal Constitucional há 25 dias, em 18 de fevereiro, o chefe de Estado sustentou que os conceitos de "sofrimento intolerável" e de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" utilizados no artigo 2.º, n.º 1, do diploma do parlamento são "altamente indeterminados".

Marcelo Rebelo de Sousa invocou a violação dos princípios da legalidade e tipicidade criminal e da proibição de delegação em matéria legislativa, estabelecidos, respetivamente, nos artigos 29.º, n.º 1, e 112.º n.º 5, da Lei Fundamental.

Apesar de o Presidente declarar no seu pedido que não estava em causa "saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme a Constituição", o Tribunal Constitucional entendeu tomar posição sobre essa questão de fundo, considerando que a inviolabilidade da vida humana consagrada na Lei Fundamental não constitui um obstáculo inultrapassável para se despenalizar em determinadas condições a antecipação da morte medicamente assistida.

O artigo 2.º, n.º1, do diploma aprovado no dia 29 de janeiro na Assembleia da República estabelece que deixa de ser punida a "antecipação da morte medicamente assistida" verificadas as seguintes condições: "Por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".

O Tribunal Constitucional deu razão ao Presidente da República apenas no que respeita à "insuficiente densidade normativa" do conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico".

Segundo o tribunal, por falta de "densidade normativa", o artigo em causa viola "o princípio da determinabilidade da lei corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, por referência à inviolabilidade da vida humana, consagrada no artigo 24.º da mesma Lei Fundamental".

O artigo 2.º da Constituição descreve a República Portuguesa como "um Estado de direito democrático", baseado "no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais". O artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Lei Fundamental estabelece que "é da exclusiva competência da Assembleia da República" legislar sobre "direitos, liberdades e garantias".

Esta foi a segunda vez que Marcelo Rebelo de Sousa recorreu ao Tribunal Constitucional desde que assumiu a chefia do Estado, em 09 de março de 2016, e a segunda vez que vetou um diploma por inconstitucionalidade.

Sobre a eutanásia, quando surgiram iniciativas legislativas, o chefe de Estado defendeu que deveria haver um amplo e longo debate na sociedade portuguesa, mas recusou sempre revelar a sua posição pessoal e antecipar uma decisão - promulgação, veto ou envio para o Tribunal Constitucional - antes de lhe chegar algum diploma.

Votaram a favor deste diploma a maioria da bancada do PS, 14 deputados do PSD, incluindo o presidente do partido, Rui Rio, todos os do BE, do PAN, do PEV, o deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.

Votaram contra 56 deputados do PSD, nove do PS, incluindo o secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, todos os do PCP, do CDS-PP e o deputado único do Chega, André Ventura.

Numa votação em que participaram 218 dos 230 deputados, com um total de 136 votos a favor e 78 contra, registaram-se duas abstenções na bancada do PS e duas na do PSD.