“Fomos naturalmente sensíveis àquilo que o Tribunal Constitucional (TC) declarou e procurámos fazer algumas reformulações com todo o rigor, com toda a cautela, com minúcia jurídica, para que os obstáculos levantados pelo TC pudessem ser superados”, salienta Pureza, membro do grupo de trabalho que preparou a nova versão, em declarações à Lusa.

As declarações do deputado do Bloco de Esquerda (BE) surgem depois de o jornal Público, na sua edição de hoje, ter indicado que os partidos resolveram seguir o modelo espanhol e incluir na legislação da despenalização da morte medicamente assistida alguns conceitos e respetivas definições.

Segundo o jornal, os partidos esperam desta forma responder aos juízes do TC, que em março consideraram que a lei continha conceitos inconstitucionais por serem excessivamente indeterminados.

José Manuel Pureza afirma que houve um “trabalho muito aturado de tentativa de uma redação da lei” que fosse ao encontro do TC mas que mantivesse o “essencial da lei, no que diz respeito ao seu alcance, ao seu caráter absolutamente excecional e aos requisitos todos que estavam previstos na lei anterior para que se pudesse admitir situações de morte medicamente assistida”.

“O TC fez questão de declarar explicitamente, que não há uma incompatibilidade de princípio, uma incompatibilidade geral, entre a morte medicamente assistida e a Constituição. (…) A posição do tribunal é que pode haver despenalização da morte medicamente assistida, mas essa despenalização tem que obedecer a parâmetros muito precisos, muito rigorosos, muito claros”, destaca o deputado.

Pureza indica assim que, “depois de uma análise muito minuciosa de todas as dimensões do acórdão” do TC, os partidos procuraram “fazer uma redação que fosse ao encontro das pretensões” dos juízes, mostrando-se “confiante” com a sua aprovação.

“Seguimos o que o próprio acórdão do TC referia em vários momentos da sua redação, em que fez questão (…) de apontar, quer leis estrangeiras, quer outras leis existentes na ordem jurídica portuguesa, (…) em que alguns daqueles conceitos que entendia o tribunal que não estavam suficientemente claros (…), estavam aparentemente redigidos de forma mais rigorosa. (…) Isso dá-nos uma confiança mais forte de que fizemos um trabalho sério, rigoroso e que permitirá uma saída adequada para esta questão”, refere.

Apesar disso, o deputado do BE considera que “não é sério” apontar, neste momento, uma data para a discussão no parlamento desta nova versão, porque o calendário legislativo para o mês de setembro e outubro é “muito atípico” devido às eleições autárquicas e à entrega do Orçamento de Estado.

“Isso agora vai decorrer do juízo de oportunidade que os partidos fizerem, porque são os partidos agora que, cada um deles, decidirá as suas prioridades”, frisa.

Na edição de hoje, o jornal Público indica que a nova versão, que foi consensualizada durante o Verão entre um grupo de deputados do PS, BE, PAN, PEV e IL, “terá mais um artigo em que são incluídas definições de alguns conceitos como sofrimento, eutanásia, suicídio medicamente assistido, doença grave ou incurável, lesão definitiva de gravidade extrema”.

O novo texto, diz o Público, passa a incluir as expressões “eutanásia” e “suicídio medicamente assistido” — as formas através das quais pode ocorrer a morte medicamente assistida, algo que não constava na versão vetada – além de outras definições.

O Tribunal Constitucional chumbou em 15 de março, por uma maioria de sete juízes contra cinco, a lei sobre a morte medicamente assistida, em resposta a um pedido de fiscalização preventiva feito pelo Presidente da República.

Os juízes analisaram se os conceitos de "sofrimento intolerável" e "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" tinham ou não "caráter excessivamente indeterminado", dando razão a Marcelo Rebelo de Sousa apenas relativamente ao segundo conceito.

Apesar de não constar do pedido do chefe de Estado, o TC entendeu tomar posição sobre a questão de fundo e considerou que a inviolabilidade da vida humana consagrada na Constituição não constitui um obstáculo inultrapassável para se despenalizar, em determinadas condições, a antecipação da morte medicamente assistida.

Face à declaração de inconstitucionalidade, o Presidente da República vetou o diploma e devolvendo-o ao parlamento.