Desde março até agora, foi diminuindo o apoio parlamentar que é imprescindível para o Presidente da República decretar este quadro legal que permite a suspensão de alguns direitos, liberdades e garantias, no máximo por 15 dias, sem prejuízo de eventuais renovações.

Inicialmente, nenhum partido votou contra a declaração do estado de emergência, mas as últimas renovações já só contaram com aprovação de PS e PSD - ainda assim, uma maioria superior a dois terços da Assembleia da República, correspondente a mais de 80% dos deputados.

O estado de emergência vigorou durante 45 dias seguidos entre 19 de março e 02 de maio. O segundo período teve início no dia 09 de novembro e dura há 39 dias, devendo ser renovado hoje mais uma vez, para vigorar até 07 de janeiro - perfazendo, nesse caso, 98 dias de vigência em 2020.

Foi em 02 de março que se confirmaram os primeiros dois casos de infeção com o novo coronavírus em território nacional. No dia 16 desse mês, morreu o primeiro doente com covid-19 em Portugal, onde até hoje se registaram mais de 5.700 mortes e mais de 350.000 casos de infeção, segundo a Direção-Geral da Saúde (DGS).

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reuniu o Conselho de Estado no dia 18 de março para discutir o recurso ao estado de emergência, que propôs ao parlamento logo a seguir a essa reunião do seu órgão político de consulta e após ter ouvido o Governo.

Nesse mesmo dia, a declaração do estado de emergência, inédita em democracia, foi aprovada na Assembleia da República sem votos contra, com abstenções de PCP, PEV, Iniciativa Liberal e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.

De seguida, Marcelo Rebelo de Sousa decretou este quadro legal em todo o território nacional, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, com efeitos a partir das 00:00 de 19 de março, até às 23:59 de 02 de abril, para permitir medidas excecionais de contenção da covid-19.

"É a democracia a usar os meios excecionais que ela própria prevê para tempos de gravidade excecional. Não é uma interrupção da democracia, é a democracia a tentar impedir uma interrupção irreparável na vida das pessoas", argumentou o chefe de Estado, numa declaração ao país.

A Constituição estabelece que a declaração do estado de emergência compete ao Presidente da República, mas depende de audição do Governo e de autorização do parlamento.

O primeiro-ministro, António Costa, tinha feito saber que o executivo não se oporia, mas manifestou dúvidas sobre esta opção, recordando que em democracia só uma vez, no 25 de novembro de 1975, havia sido decretado o estado de sítio - que implica contextos ainda de maior gravidade do que o estado de emergência.

O decreto presidencial do estado de emergência determinou a suspensão parcial do exercício dos direitos de deslocação e fixação em qualquer parte do território nacional, permitindo expressamente o confinamento no domicílio ou em estabelecimento de saúde e a fixação de cercas sanitárias.

Nos termos deste diploma, depois regulamentado pelo Governo, ficaram também limitados os direitos de circulação internacional, de propriedade e iniciativa económica privada, direitos dos trabalhadores, de reunião e de manifestação, de liberdade de culto na sua dimensão coletiva e de resistência.

PS, PSD, BE, CDS-PP e PAN votaram a favor das três declarações do estado de emergência aprovadas entre março e maio.

Contudo, a segunda votação, no dia 02 de abril, já teve um voto contra, do deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo. PCP, PEV, Chega e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira abstiveram-se.

Nessa altura, o primeiro-ministro não manifestou dúvidas sobre o recurso a este quadro legal, defendendo então que era "absolutamente imprescindível" renová-lo por mais duas semanas, de 03 a 17 de abril, o que abrangia o período da Páscoa.

O decreto do Presidente da República correspondente a esta quinzena clarificou que a proibição de atos de resistência se aplicava exclusivamente a ordens para executar o estado de emergência e que os seus autores podiam incorrer em crime de desobediência.

Entre outras alterações, a liberdade de aprender e ensinar foi acrescentada à lista de direitos restringidos, prevendo-se a imposição de aulas à distância, e foram admitidas limitações aos despedimentos e medidas de controlo de preços.

Em 16 de abril foi aprovada no parlamento a segunda renovação consecutiva do estado de emergência, com PCP e Joacine Katar Moreira a juntarem-se à Iniciativa Liberal no voto contra, e abstenções do Chega e do PEV.

Tanto o Presidente da República como o primeiro-ministro disseram esperar que esta prorrogação do estado de emergência, de 18 de abril até 02 de maio, fosse a última.

O decreto presidencial contemplava uma "abertura gradual, faseada ou alternada de serviços, empresas ou estabelecimentos comerciais".

Na exposição de motivos, Marcelo Rebelo de Sousa afirmava que as limitações ao direito de deslocação deveriam permitir a comemoração do Dia do Trabalhador, "embora com os limites de saúde pública previstos", abrindo assim a porta às celebrações que a CGTP veio a realizar.

Quando falou ao país, nesse dia 16 de abril, o chefe de Estado referiu que no estrangeiro se falava num "milagre português" no combate à covid-19, mas acrescentou que "não é um milagre, é fruto de muito sacrifício".

Dez dias mais tarde, confirmou que o estado de emergência terminava à meia-noite de 02 de maio, dando lugar a uma "retoma por pequenos passos".

Passados seis meses, no dia 31 de outubro, com o número de mortes e de novos casos de infeção por dia a aumentar e quando se avolumavam preocupações de ordem jurídica sobre as medidas restritivas de direitos aplicadas sem estado de emergência, Marcelo Rebelo de Sousa não excluiu um regresso a esse enquadramento legal.

Desta vez, porém, remeteu o primeiro passo para o Governo e realçou o papel decisivo do parlamento neste processo. Quanto à questão jurídica, sustentou que o regime constitucional e legal português não foi pensado para situações de pandemia, sugerindo que no futuro terá de ser adaptado, e que houve que utilizar os instrumentos disponíveis.

Nestes quase dez meses, o executivo chefiado por António Costa recorreu em diferentes alturas à Lei de Bases da Proteção Civil para decretar a situação de alerta, a situação de contingência ou a situação de calamidade, no todo ou em partes do território nacional, como base para aplicar medidas de exceção para conter a propagação da covid-19, em função da evolução da situação epidemiológica.

Em 05 de novembro, tendo ouvido o primeiro-ministro pedir novo estado de emergência, o Presidente da República tomou a decisão de fazer essa proposta ao parlamento, para vigorar entre 09 e 23 desse mês, com um âmbito "muito limitado e de efeitos largamente preventivos".

No dia seguinte, o seu decreto foi aprovado com votos a favor de PS, PSD e CDS-PP e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues. BE e PAN, que antes tinham votado favoravelmente, passaram para a abstenção, ao lado do Chega, enquanto PCP, PEV, Iniciativa Liberal e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira votaram contra.

O correspondente decreto presidencial não previa o confinamento compulsivo, mas autorizava restrições à liberdade de deslocação em determinados períodos do dia nos municípios com mais elevado risco de contágio e, entre outros pontos, introduziu normas para dar cobertura à imposição da medição de temperatura e de testes de diagnóstico para acesso a determinados espaços.

No dia 19 de novembro, propôs a renovação do estado de emergência, até 08 de janeiro, e adiantou que outras provavelmente se seguiriam, "aquelas que forem necessárias" para se "esmagar a curva" da evolução da covid-19 em Portugal.

A quinta votação do estado de emergência na Assembleia da República, em 20 de novembro, já teve o apoio apenas de PS, PSD e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues, abstenções de BE, CDS-PP e PAN, e votos contra de PCP, PEV, Chega, Iniciativa Liberal e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.

Este quinto decreto permitiu a adoção de medidas restritivas por grupos de municípios e repôs a possibilidade de confinamento compulsivo de pessoas infetadas ou em vigilância ativa, assim como o encerramento de estabelecimentos, serviços e empresas.

No dia 03 de dezembro, os partidos na Assembleia da República mantiveram os seus sentidos de votos na apreciação do sexto decreto presidencial do estado de emergência, idêntico ao anterior, para vigorar até 23 de dezembro, mas com uma referência na introdução à sua "previsível" extensão até 07 de janeiro, abrangendo a quadra do Natal e a passagem de ano.

Marcelo Rebelo de Sousa declarou ao país esperar que a "possível exceção" no Natal às restrições para conter a covid-19 "seja bem entendida e bem vivida" e não provoque "um descontrolo mais tarde, com custo elevadíssimo".