Apesar dos notáveis progressos na abordagem dos doentes com esta patologia, em especial na fase aguda, a implementação da Via Verde AVC, o internamento em Unidade de AVC, a terapêutica de reperfusão (fibrinólise e terapêutica endovascular) e a introdução de novos anticoagulantes na prática clínica, que permitiram uma redução de cerca de 40 por cento da mortalidade por AVC entre 2011 e 2015, a cada hora três portugueses sofrem um AVC, sendo que um deles morre e outro ficará com sequelas incapacitantes.
Ainda que o tratamento na fase aguda seja de extrema importância, o tratamento dos doentes com acidente vascular cerebral vai para além da fase aguda. É também importante a prevenção e tratamento de complicações, a prevenção de recorrência e, fundamentalmente, o investimento na reabilitação.
A prevenção de complicações começa na fase aguda com aplicação de medidas para evitar o tromboembolismo venoso, a identificação precoce de existência de disfagia (dificuldade em engolir) e o controle dos valores de pressão arterial e glicemia.
A prevenção de recorrência começa com o tratamento antitrombótico, sempre que indicado, iniciado na fase aguda, mas prolonga-se para além deste período, para o resto da vida. Adicionalmente a adoção de estilo de vida saudável: praticar exercício físico regular; não fumar; não consumir bebidas alcoólicas em excesso; adotar uma dieta pobre em gorduras e sal; e ainda o controlo de fatores de risco vascular, vigiando e mantendo dentro dos valores-alvo a glicemia e a pressão arterial, a correção de dislipidemia (desregulação dos níveis de lípidos no sangue) e a manutenção de terapêutica antitrombótica adequada.
A reabilitação tem um papel essencial no tratamento do doente com AVC, sendo por vezes relegada para segundo plano. A reabilitação é indispensável no processo de recuperação precoce dos défices e na preparação para a reintegração social do doente. Tem início nos primeiros dias, ainda durante a permanência na Unidade de AVC/enfermaria. Nesta fase é importante a identificação dos défices, de modo a evitar complicações graves, no caso de serem ignorados. Por exemplo, é de extrema importância identificar as alterações da deglutição, pelo que a todos os doentes com AVC deve ser feito o teste de disfagia nas primeiras 24 horas, ou assim que é iniciada a alimentação.
A não identificação com prevenção deste défice pode levar a episódios de aspiração silenciosa com posterior evolução para pneumonite/pneumonia de aspiração, que no caso do doente com AVC, já debilitado, poderá ter consequências catastróficas.
Além das limitações motoras, mais fáceis de reconhecer, é importante não descurar as alterações de linguagem, com efeitos devastadores na capacidade de comunicação do doente e integração social. Neste caso podem surgir diversas limitações quer a nível da compreensão, quer da expressão, ou mesma da leitura ou da escrita, e até no cálculo, que sempre que identificadas devem, o mais precocemente possível, orientar os doentes para a terapia dirigida.
Faz também parte dos cuidados pós AVC a avaliação das condições ao nível da habitação, para identificar quais as correções e adaptações necessárias para tornar o domicílio seguro e funcional, aquando do regresso a casa. Após o regresso a casa é importante o papel do cuidador, garantindo a terapêutica e a manutenção de um estilo de vida saudável, assim como na adesão e colaboração com o programa de reabilitação, previamente definido.
Numa fase mais tardia, surgem outros sintomas menos valorizados, mas muito importantes e com efeito na qualidade de vida do doente. A fadiga (reportada por cerca de 50 por cento dos doentes), a apatia (queixa frequente em mais de 50 por cento dos doentes), a depressão (diagnosticada em mais de um terço dos doentes) e os quadros álgicos são sintomas frequentemente relatados, mas na maioria das vezes difíceis de tratar.
Assim é importante lembrar que após a fase aguda e a alta hospitalar, existe ainda um longo caminho para os doentes que sofreram um AVC. Além da necessidade de reabilitação, que assume um papel preponderante a vários níveis (recuperação funcional, cognitiva e psicossocial, integração social, melhoria de qualidade de vida, manutenção de atividade e grau de independência), é ainda fundamental um acompanhamento médico regular e atento, no sentido de identificar e corrigir complicações mais tardias, assim como tratar e controlar os fatores de risco vascular. É também essencial um cuidador dedicado que ajude na adesão à terapêutica farmacológica e na modificação do estilo de vida, fundamental para controlar os fatores de risco vascular.
Um artigo da médica Luísa Fonseca, especialista em Medicina Interna e Membro do Núcleo de Estudos da Doença Vascular Cerebral (NEDVC) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI).
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