A dermatite atópica manifesta-se por lesões de eczema em localizações específicas, que causam prurido, ardor e desconforto, interferindo com necessidades básicas como o sono, com impacto significativo na qualidade de vida.
Para que possam ser minimizados, importa, em primeiro lugar, perceber que os sintomas da dermatite atópica decorrem de inflamação cutânea. E porque inflama a pele atópica? Se fizermos uma analogia entre a pele e uma parede de tijolos, na pele saudável todos os tijolos estão presentes, enquanto que na pele atópica existem alguns tijolos em falta, o que faz com que a sua função barreira não esteja intacta e portanto seja permeável a substâncias externas (por exemplo pólens, ácaros, fumo de tabaco, conservantes em cremes), que entram em contacto com camadas mais inferiores, onde estão presentes glóbulos brancos - os nossos soldados de defesa - que vão reagir a essas substâncias externas, o que se traduz por inflamação.
Assim, para atuar na raiz da questão, a primeira coisa que devemos fazer é, obviamente, tentar repor os tijolos em falta. E como é que conseguimos isso? Aplicando creme hidratante adequado de forma regular. E aqui salienta-se a importância de se preferirem produtos formulados atendendo às especificidades da pele atópica, ou seja, sem perfume, com poucos conservantes e sem compostos que possam causar irritação, porque aí estaríamos, por um lado, a repor barreira cutânea mas, por outro, a estimular resposta inflamatória.
De facto, para além de preencher os espaços em falta, importa também minimizar as agressões à pele atópica, para não aumentar a sua fragilidade. A higiene da pele deve ser suave - banho de curta duração, com água morna e produto de higiene adequado, evitando o uso de esponjas ou luvas de banho. Após o banho, enxugar com toalha (e não esfregar, porque os estímulos mecânicos também podem ser irritativos) e com a pele ainda húmida, facilitando a absorção, é a melhor altura para aplicar o tão necessário creme hidratante.
Outro aspeto relevante em termos de estímulo externo é o vestuário, que em contacto com a pele deve ser preferencialmente de algodão, sem ser justo ou induzir transpiração. Devem também ser evitados certos tecidos como a lã - afinal a camisola que pica que tanto incomoda algumas crianças tem um racional científico válido.
Relativamente aos animais domésticos, a evidência científica disponível aponta para que a exposição a epitélio de gato possa ter um papel no agravamento da dermatite atópica. Contudo, tal não se verificará com o contacto com cães que, de acordo com alguns estudos, pode ter até um efeito protetor. Traduzindo: peles atópicas “gostam” de cães, mas não de gatos.
No que diz respeito à exposição solar, a mesma pode ser benéfica para a dermatite atópica, uma vez que a radiação solar em quantidades moderadas tem efeito anti-inflamatório. No entanto, a mesma deverá ocorrer em horário recomendável e com a devida proteção solar, porque se a dose de radiação for excessiva poderá ter efeitos nefastos.
Estes são exemplos de fatores cujo controlo pode minimizar os sintomas da dermatite atópica; porém, há outras medidas não farmacológicas que podem ser relevantes, dependendo de fatores individuais que devem ser devidamente considerados.
E quando todas estas e outras medidas são seguidas e os sintomas persistem? Nesses casos, há indicação para intervenção farmacológica, mediante avaliação e acompanhamento médico. Pode estar indicado o uso de anti sépticos ou antibióticos, caso existam sinais de sobreinfeção (a maior permeabilidade da barreira cutânea pode facilitar a entrada de bactérias) ou, mais frequentemente, de cremes ou pomadas com efeito anti-inflamatório: corticóides e inibidores da calcineurina. Os corticóides tópicos de potência baixa ou moderada são frequentemente a primeira escolha de tratamento, porém devem ser sempre utilizados por curtos períodos - porque o seu uso exagerado leva a efeitos adversos indesejáveis, como a atrofia da pele. Por outro lado, os inibidores da calcineurina tópicos, para além de um nome bem mais complexo, têm a vantagem de poderem ser usados durante mais tempo sem induzir atrofia cutânea, o que é bastante útil para lesões com inflamação mais persistente.
Para além da “estratégia de crise”, isto é, do tratamento das lesões de eczema ativas com anti inflamatórios tópicos, em casos de recorrência faz sentido uma abordagem terapêutica proactiva, isto é, a aplicação de tópicos anti inflamatórios (normalmente os tais inibidores da calcineurina) nas áreas habitualmente afetadas, com frequência inferior à de tratamento, durante um período mais prolongado, de forma a manter a inflamação controlada ainda antes de se manifestar, prevenindo o despoletar dos sintomas de agudização.
Por fim, caso a sintomatologia não esteja adequadamente controlada com tratamento tópico, o passo seguinte será a terapêutica sistémica (comprimidos ou injeções). Os fármacos empiricamente mais tentados para o prurido são os anti-histamínicos (que “neutralizam” a histamina, cuja libertação induz prurido). Ora acontece que a histamina não parece desempenhar um papel importante na dermatite atópica. A evidência científica disponível não demonstra eficácia significativa dos anti-histamínicos no prurido da dermatite atópica - na maioria dos estudos, a melhoria ocorre mais pelo efeito sedativo (com sono mais pesado coça-se menos) do que por efeito antipruriginoso. Tratando-se de medicamentos seguros e habitualmente bem tolerados, será lícito tentá-los - mas se não se obtiver grande alívio, está explicado o motivo.
Existem, contudo, outros tratamentos para a dermatite atópica moderada a grave, com melhores resultados, dado que através da sua ação imunossupressora ou imunomoduladora (trocando por miúdos, “acalmando” os soldados que fazem a inflamação) vão permitir, na maioria dos casos refratários, minimizar os sintomas quando as restantes terapêuticas falharam. Em nome da qualidade de vida de quem vive com dermatite atópica.
Um artigo da médica Ana Brasileiro, especialista em Dermatologia.
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