Aquilo que aconteceu nos hospitais de Paris na noite de 13 para 14 de novembro já não acontecia na Europa desde 1945, ano em que terminou a segunda grande guerra: nunca, desde então, houve registo de tantos ferimentos de bala em uma só noite, em uma só cidade.

Uma carnificina sem precedentes em França, motivada pelo extremismo religioso, vitimou 130 pessoas e fez 432 feridos. A maioria atendida em cinco hospitais da capital. Destes, pelo menos 57 permaneciam ainda na quinta-feira nos cuidados intensivos, três deles em estado considerado crítico.

Alguns pacientes terão alta nas próximas horas, revela um comunicado da associação dos hospitais de Paris, outros terão um longo período de reabilitação - e potenciais cirurgias - pela frente. Quase todos estão a receber tratamento especializado por trauma psicológico.

Ao jornal francês Le Monde, o médico cirurgião Rémy Nizard, relata que os profissionais em serviço - e os que se voluntariaram de imediato - depararam-se com uma variedade de lesões traumáticas para além dos ferimentos de bala: fraturas da perna, fémur, pé e úmero (braço), só para citar as mais comuns. "Algumas pessoas chegaram com tiros na cabeça e no pescoço. Outras com fraturas da órbita. Havia o risco de perderem um olho", relata o médico.

No Hospital Europeu Georges-Pompidou, 49 pacientes chegaram já inconscientes. "Os médicos não sabiam quem eram, nem de onde vinham. Escreveram-lhes números nas mãos e na testa", conta uma enfermeira de 26 anos.

Alguns foram postos no bloco operatório. Outros estabilizados. Os médicos chamaram-lhe "cirurgia de guerra". "Estas pessoas tinham feridas de armas de guerra. É o tipo de coisa que apenas se espera num campo de batalha", comenta o responsável do referido hospital e professor de medicina Philippe Juvin.

"Ninguém saiu intocado disto. Todos se sentem afetados. Estão muito cansados fisica e psicologicamente. Estão arrasados", acrescentou em declarações a uma televisão francesa. Há médicos e enfermeiros a receber tratamento psicológico.

Simulacro na manhã do dia dos atentados

Numa estranha coincidência, ambulâncias, urgência e bombeiros de Paris testaram os serviços operacionais na sexta-feira de manhã, no dia dos incidentes.

O cenário do simulacro era um ataque ao estilo "Charlie Hebdo", mas com mais de 100 vítimas de tiroteio. Horas mais tarde, ditaria o destino, o cenário viria a tornar-se realidade, mas ainda em maior escala.

Os feridos foram distribuídos sem problemas por cinco hospitais da cidade, o plano de emergência foi de imediato ativado. Nada, na assistência médica, parece ter falhado.

A menos de 50 metros do café Le Carillon, onde 14 pessoas morreram atingidas por balas de Kalashnikov, existe um hospital. Foi lá que dezenas de sobreviventes estiveram no fim de semana a dar sangue para tentar salvar amigos e desconhecidos. É neste hospital onde está internado um dos doentes ainda em estado considerado muito grave.