Não obstante toda a informação hoje acessível, os casos de ISTs continuam a aumentar em diferentes regiões do mundo. Encontra uma resposta para este aumento? Refletirá ele falhas na educação sexual, uma falsa sensação de segurança ou um aumento de comportamentos de risco?
Na verdade, é o conjunto dessas três razões. Apesar de existir cada vez mais informação sobre as infeções sexualmente transmissíveis, a forma de contração ou as consequências, também existem mais tratamentos pelo que notamos uma desvalorização das mesmas. Se antes quem contraía estas doenças era mal visto pela sociedade, hoje são consideradas normais, o que é um erro tremendo. Inclusivamente, já tive pacientes que me disseram que se tem tratamento, não faz mal. E esta indiferença e desinteresse são muito preocupantes.
No caso específico de Portugal que avaliação faz desta realidade? Dados revelados em 2024, reportam que as ISTs disparam no nosso país nos últimos anos. Por exemplo, a notificação de casos de gonorreia aumentou de 1252 em 2021 para 2253 em 2022. Também a notificação de casos de clamídia subiu em Portugal, de 914 casos em 2021 para 1501 casos em 2022.
A situação das ISTs em Portugal é realmente preocupante, especialmente com o aumento significativo de casos de gonorreia e clamídia nos últimos anos. O aumento de casos notificados, como os dados de 2024 indicam, pode ser reflexo de vários fatores, incluindo uma maior conscientização e um aumento na testagem, mas também sugere que há uma necessidade urgente de melhorar a educação em saúde sexual e o acesso a métodos de prevenção.
É essencial que se implementem campanhas de sensibilização eficazes para informar a população sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce. Além disso, o reforço das estruturas de saúde pública para garantir que os serviços de saúde sexual sejam acessíveis e adequados é fundamental. A colaboração entre instituições de saúde, educadores e a sociedade civil pode ser uma estratégia eficaz para combater este aumento preocupante das ISTs em Portugal. Infelizmente são dados muito preocupantes e refletem os riscos e comportamentos da sociedade atual. Não apenas dos jovens, como se pode tender a pensar, mas cada vez mais de adultos que, pelas circunstâncias da vida, voltam a estar disponíveis, e têm, muitas vezes, comportamentos de risco.
É fundamental que cada um perceba que basta um comportamento de risco para se contrair uma doença.
Muitos acreditam que as ISTs são um problema “dos outros” ou apenas de pessoas com comportamentos considerados promíscuos. Como desconstruir essa perceção e alertar para o risco real para qualquer pessoa sexualmente ativa?
Esta desconstrução é uma das nossas maiores preocupações. É fundamental que cada um perceba que basta um comportamento de risco para se contrair uma doença, e muitas vezes são doenças que além de não apresentarem sintomas, não são facilmente percetíveis pelo outro. Pelo que cada um deve ser responsável pelo seu comportamento e nunca deixar na mão de terceiros, ou à sorte, a sua saúde. “Foi só uma vez”, é suficiente para se contrair uma doença e mudar-se uma vida.
Para desconstruir estas perceções erradas e alertar para os riscos é necessário falar-se abertamente sobre os problemas, as doenças, os comportamentos de risco. É necessário ir ao encontro dos jovens, antecipar a comunicação, falar com eles de forma clara, direta e sem preconceitos. Para que os jovens também sintam a confiança necessária para falarem abertamente.
No caso dos adultos, que muitas vezes sentem vergonha por estar a falar sobre a sua vida sexual, temos, nós profissionais, de criar relações de confiança com os nossos pacientes, para que nenhum assunto seja tabu e estes não se sintam julgados com as partilhas que fazem.
É também muito importante a promoção de Testes Regulares, ou seja, incentivar a realização de testes regulares, independentemente do número de parceiros. A deteção precoce é crucial para qualquer pessoa que tenha uma vida sexual ativa e contribui para a redução da transmissão.
Mas, se tiver de indicar uma solução, diria que a prevenção é sempre o melhor remédio: promover o uso do preservativo, aumentar as taxas de vacinação contra HPV e hepatite B e a realizar consultas médicas regulares.
A resistência de algumas bactérias, como na gonorreia, coloca em risco os tratamentos atuais. Estamos preparados para lidar com uma possível “crise de tratamento” de ISTs?
A resistência a algumas bactérias representa um desafio, uma vez que é necessário encontrar outras formas de tratamento. Pelo que, mais uma vez, o importante é apostar-se na prevenção, na partilha de informação, na desmistificação de algumas ideias erradas e na criação de condições para que todos possam ter acesso a preservativos, a vacinas e a mais e melhor informação, para que façam escolhas mais conscientes.
O uso de preservativos, principal método de prevenção contra ISTs, está em queda entre os jovens. Qual é a melhor mensagem que se pode passar a este grupo sobre a importância do uso do preservativo?
Para se conseguir chegar aos jovens, é necessário falar-se abertamente sobre os temas, sem tabus, ir ao encontro deles e jogar na antecipação. Ou seja, os jovens têm de estar na posse de todas as informações para fazerem escolhas conscientes. É também fundamental facilitar-se o acesso a preservativos e de forma gratuita. Acredito que se os jovens estiverem informados sobre os todos os riscos e se tiverem acesso aos preservativos, que vão fazer escolhas mais conscientes, mesmo em situações de pressão individual ou social.
É razoável considerar que o aumento do uso de aplicações de encontros e o sexo casual podem contribuir para maior disseminação de ISTs, pois facilitam interações casuais sem compromissos.
Será lícito estabelecermos uma relação entre o acesso crescente a aplicações de encontros e ao sexo casual e a criação de uma “tempestade perfeita” para a disseminação de ISTs? Como equilibrar liberdade sexual e responsabilidade?
Sim, é razoável considerar que o aumento do uso de aplicações de encontros e o sexo casual podem contribuir para maior disseminação de ISTs, pois facilitam interações casuais sem compromissos. No entanto, isso não implica que estas ferramentas sejam diretamente culpadas, mas sim que a falta de educação e consciência sobre práticas sexuais seguras é um fator central.
O equilíbrio entre liberdade sexual e responsabilidade passa por uma educação sexual abrangente, que promova o uso de preservativos e rastreios regulares. Também passa por campanhas públicas visando informar sobre ISTs e combater o estigma ao acesso a serviços de saúde. Julgo que também é importante a integração de avisos e recursos em apps, incentivando comportamentos seguros.
A liberdade sexual deve vir acompanhada de responsabilidade, garantindo a saúde individual e coletiva.
Há quem afirme que a educação sexual, como é atualmente implementada, está desatualizada e não aborda os desafios modernos, como o sexting, a prevenção para LGBTQIA+ ou o uso da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Concorda que é preciso reformular a abordagem?
Sim, é essencial reformular a educação sexual para abordar os desafios modernos. A realidade atual inclui questões como o sexting, que exige ensinar os jovens sobre segurança digital e privacidade, bem como abordar a prevenção de riscos associados. Além disso, é fundamental garantir uma abordagem inclusiva para pessoas LGBTQIA+, cobrindo temas como saúde sexual específica, relações saudáveis e combate à discriminação.
A inclusão de tópicos como o uso da PrEP também é crucial, dado o seu impacto na prevenção do VIH. Reformular a educação sexual para torná-la mais abrangente, inclusiva e atualizada é uma necessidade para preparar os jovens para os desafios do mundo atual.
Felizmente já se começa a vacinar as crianças contra o HPV, rapazes e raparigas, mas enquanto for opcional, será sempre visto como desnecessário.
Muitos associam a prevenção de ISTs exclusivamente ao uso de preservativos. No entanto, vacinas como a do HPV e da hepatite B já são grandes aliadas. O que falta para que estas soluções sejam universalmente conhecidas e aplicadas?
Felizmente já se começa a vacinar as crianças contra o HPV, rapazes e raparigas, mas enquanto for opcional, será sempre visto como desnecessário. É impossível travar todas as lutas ao mesmo tempo, pelo que as medidas são tomadas de acordo com prioridades que são definidas. Atualmente, e tendo em conta as mudanças na sociedade, o crescimento destas doenças e um maior conhecimento do impacto e consequências que podem ter na vida de quem sofre das mesmas, está na hora de reavaliar as medidas atuais e dar prioridade à prevenção das IST.
Um diagnóstico de IST ainda é, para muitos, um tabu ou motivo de vergonha. Como combater o estigma que impede tantas pessoas de buscar diagnóstico e tratamento?
O estigma combate-se com informação, com conhecimento. Mas, infelizmente, falar sobre saúde sexual no geral ainda é tabu, e sobre as IST ainda pior, sobretudo se já estivermos na fase do diagnóstico e tratamento. Acredito que estes sentimentos também estejam associados a culpa. Por isso, é tão importante normalizar a saúde sexual no geral, apostar na prevenção e derrubar as barreiras que ainda existem.
Para conseguirmos derrubar estas barreiras, a base é o conhecimento e a sociedade no geral tende a simplificar a definição de saúde sexual, reduzindo-a a uma vida sexual ativa e à ausência de doenças. Mas ter saúde sexual é muito mais abrangente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2006), “Saúde sexual é um estado de bem-estar físico, emocional e social relacionado com a sexualidade”, não é meramente a ausência de doença, de disfunção ou enfermidade. A saúde sexual engloba não só aspetos específicos da saúde reprodutiva, como ter controlo sobre a fertilidade individual por meio do acesso à contraceção assim como estar protegido de Infeções Sexualmente Transmissíveis. E ainda engloba a disfunção sexual e sequelas relacionadas com a violência sexual ou a mutilação genital feminina. Por fim, refere a possibilidade de se ter experiências sexuais seguras e prazerosas, sem coerção, discriminação e violência.
Por tudo isto, podemos afirmar que ter saúde sexual não é um prazer, é um direito.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
Comentários