A sociedade ocidental moderna orgulha-se de ser apologista da igualdade entre as pessoas, independentemente da sua raça, religião, género e orientação sexual. A discriminação tem sido cada vez mais condenada pelas sociedades e, atualmente, muitos negam a permanência e existência de desigualdade social e discriminação no local de trabalho, no acesso a cuidados de saúde e em outras áreas da vida em comunidade.
Vivemos num tempo em que a meritocracia é glorificada, onde o trabalho árduo, a competência e o esforço ditam o sucesso e a felicidade das pessoas. Mas, se apenas estes fatores fossem suficientes para se ter uma vida bem-sucedida, não seríamos bombardeados com notícias de artigos a desmascarar desigualdades de género no que concerne a rendimentos e progressão na carreira; se vivêssemos, efetivamente, numa sociedade igualitária e de respeito mútuo, não assistiríamos a mais uma notícia de um jovem negro, desarmado e morto por agentes das autoridades que mais tarde reportam tê-lo feito por acreditarem que o jovem estava armado.
Estas inconsistências entre o que defendemos na teoria e o que assistimos na prática fazem-nos questionar se somos assim tão livres de preconceitos, como gostaríamos. A investigação defende que não e que, pelo contrário, não obstante podermos defender valores de igualdade e equidade, muitos de nós detém preconceitos implícitos e inconscientes que, inadvertidamente, podem influenciar o nosso comportamento de forma a favorecer um grupo em função de outro ou a prejudicar um grupo em detrimento de outro.
O conceito de preconceito implícito é causador de desconforto e polémica, algo justificável dado que ninguém gosta de ser acusado de ser intolerante ou preconceituoso. Contudo, não podemos confundir preconceito implícito de preconceito explícito. O preconceito explícito refere-se a uma crença consciente de que determinados grupos são superiores a outros. Esta crença, por seu turno, está na base de comportamentos discriminatórios propositados (um exemplo de discriminação explícita é o de recusar servir pessoas devido à sua orientação sexual). Os preconceitos implícitos, em contrapartida, são associações e categorizações mentais automáticas que fazemos de pessoas com base na sua raça, género, orientação sexual e outras categorias sociais. Ainda que possam levar a comportamentos discriminatórios, estes não são intencionais e não refletem as crenças conscientes das pessoas (um exemplo de preconceito implícito é uma pessoa, ao ver um acidente de carro, pensar automaticamente que o culpado terá sido uma mulher). Não obstante, pelo seu impacto na vida de terceiros, este tipo de preconceito também deverá ser combatido e trabalhado.
O primeiro passo para combater eventuais preconceitos implícitos é reconhecer que os podemos ter (um teste frequentemente indicado para avaliar preconceitos implícitos foi desenvolvido pela Universidade de Harvard e encontra-se disponível aqui). Determos preconceitos implícitos não significa que somos más pessoas, mas sim que detemos crenças automáticas acerca de um grupo, construídas com base em generalizações. A categorização e o uso de estereótipos são ferramentas usadas pelas nossas mentes para operacionalizar eficazmente um ambiente complexo e estimulante. Colocar objetos em categorias generalizadas permite-nos navegar num mundo complexo, fazer extrapolações acerca de objetos e atribuir significado ao mundo (se, através de uma janela, virmos a cabeça de uma pessoa a passar, sabemos que o resto do corpo também se encontra lá, mesmo que não o vejamos, pois fazemos uma generalização do objeto). Este processo é também aplicado na nossa vida social, onde tendemos a colocar indivíduos em categorias. O problema surge quando a determinadas categorias sociais são atribuídos valores negativos e pejorativos.
Mas como surgem essas categorias mentais em sujeitos ditos defensores de igualdade? O modelo Bias of Crowds, concetualizado em 2017 pelos psicólogos Payne, Vuletich e Lundberg, assume que os preconceitos implícitos não são fruto de crenças que os indivíduos têm dentro de si e que tentam esconder, mas sim de uma categorização social feita em função de vários fatores como estereótipos sociais, experiências pessoais e exposição aos media.
A intervenção psicológica na área do preconceito implícito baseia-se, habitualmente, em estimular a motivação moral dos sujeitos em relação à igualdade, em orientar os sujeitos a colocarem-se no lugar dos indivíduos do grupo marginalizado e a pensar nas suas dificuldades e vivências e em expor os sujeitos a membros do grupo e a exemplos contra-estereótipo (pessoas do grupo marginalizado que detêm características opostas ao estereótipo associado a esse grupo). Estas técnicas aparentam ser eficazes na redução a curto-prazo dos preconceitos implícitos.
Porém, uma vez que o modelo Bias of Crowds estipula que estas crenças são formadas em função das crenças culturais da sociedade onde estamos inseridos, uma intervenção a nível social, político e comunitário, baseada na adoção de leis e medidas promotoras de diversidade e equidade, é igualmente fundamental para combater a verdadeira origem destes preconceitos – as crenças culturais partilhadas pela sociedade em relação as estes grupos marginalizados.
Assim, apenas através de uma combinação de intervenções individuais e alterações estruturais poderemos eliminar permanentemente os preconceitos implícitos existentes em relação a grupos sociais minoritários e marginalizados e construir uma sociedade verdadeiramente igualitária.
Um artigo dos psicólogos clínicos Mariana Moniz e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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