O QUE É UMA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA?
A avaliação neuropsicológica é considerada pelo Sistema Nacional de Saúde um exame auxiliar de diagnóstico. Tal como uma TAC (Tomografia Axial Computorizada) ou umas análises de sangue, a avaliação neuropsicológica serve para (1) testar sintomas e (2) auxiliar no diagnóstico clínico.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Desde o século XIX, que uma série de neurologistas e outros investigadores com interesse no cérebro, descreviam casos de doentes, que tinham tido alguma lesão cerebral e por isso passavam a ter alterações nas então denominadas funções nervosas superiores (ou FNS, isto é, linguagem, memória, atenção, entre outras).
A partir das correlações entre esses defeitos cognitivos e as respetivas localizações cerebrais, foi sendo possível saber por exemplo que a linguagem está maioritariamente no hemisfério cerebral esquerdo; que o hipocampo arquiva as memórias de curto prazo em memórias de longo prazo; que o reconhecimento visual se inicia no lobo occipital e o auditivo inicia-se no lobo temporal. Foi assim que começou o mapeamento funcional do cérebro.
A avaliação neuropsicológica surgiu, então, quando ainda não havia exames de neuro-imagiologia, como a TAC ou a Ressonância Magnética Nuclear (RMN). Nesta altura, estudava-se sobretudo a lesão cerebral adquirida, como o Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou o Traumatismo Crânio-Encefálico (TCE) ou os tumores cerebrais.
Os doentes eram pessoas que tinham história de vida “normal” e que em algum momento da vida adulta, tinham sido vítimas de uma doença/acontecimento, que lhes tinha lesionado o cérebro; daí o nome de lesão cerebral adquirida. Os clínicos testavam os doentes à exaustão e descreviam o que eles eram e não eram capazes de fazer.
Depois, sempre que possível, num exame postmortem, verificavam onde eram as suas lesões e fazia-se a correspondência, entre aquela função cognitiva comprometida e a localização cerebral identificada. A avaliação neuropsicológica surge assim sob a forma de uma bateria de tarefas cognitivas, que à semelhança de um exame neurológico, permitem verificar a integridade de cada função e assim de localizar a lesão cerebral respetiva.
Na segunda metade do século XX, a TAC e a RMN tornaram-se acessíveis para os hospitais e, nos anos 90, começaram em força os estudos de neuro-imagiologia funcional, como a PET e a fRMN (respetivamente, Tomografia por Emissão de Positrões e Ressonância Magnética funcional).
A TAC-CE e a RMN-CE suplantaram a avaliação neuropsicológica na precisão com que localizam a lesão cerebral. Tudo se tornou finalmente visível in vivo e com um grau de precisão surpreendente. No entanto, a avaliação neuropsicológica não se eclipsou.
Nesta altura, ao tornar-se possível ver a localização de uma doença no cérebro antes da sua morte, tornou-se cada vez mais frequente o estudo neuropsicológico de cérebros, com e sem lesão. Começaram primeiro os estudos com a PET e mais tarde com a fRMN.
Nestes estudos, não só se tornou possível ver a estrutura do cérebro, como localizar que áreas cerebrais estão a funcionar, quando pedimos a alguém para fazer alguma tarefa. Foi assim o advento da Neurociência Cognitiva. O ponto de viragem para a avaliação neuropsicológica.
Enquanto não haviam métodos de neuroimagem, o grande objetivo da avaliação neuropsicológica era ajudar na localização da lesão, através das previsões feitas a partir de uma boa descrição dos defeitos cognitivos existentes. Hoje, estas previsões são menos necessárias, mas a identificação dos defeitos cognitivos continua a ser de grande relevância.
Deste modo, a avaliação neuropsicológica, serve agora (1) para identificar qual a etapa do processamento cognitivo em que aquela pessoa tem uma alteração, (2) enquanto descreve/confirma quadros de defeitos cognitivos, cujo diagnóstico clínico pode já ser conhecido, como são os casos de: uma amnésica alcoólica, uma prosopagnosia, uma disfunção executiva ou uma demência. Poderíamos chamar a (1) de neuropsicologia cognitiva e a (2) de neuropsicologia clínica.
QUANDO É QUE SE JUSTIFICA FAZER UMA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA?
Tradicionalmente, a avaliação neuropsicológica fazia-se na lesão cerebral adquirida, logo em doentes com doenças neurológicas como AVC, TCE, tumores cerebrais, epilepsia, encefalites, doenças auto-imunes (e.g. esclerose múltipla), intoxicações ou doenças neurodegenerativas (e.g., Doença de Alzheimer e/ou Parkinson).
Hoje em dia, justifica-se também fazer uma avaliação neuropsicológica a doentes psiquiátricos com depressões ou esquizofrenias; bem como a crianças, adolescentes, adultos e idosos com doenças do neurodesenvolvimento, como a Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA), a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) ou Dificuldades de Aprendizagem Especifica (DAE, vulgo dislexia, disortografia e/ou discalculia). A lista acima não esgota as possibilidades.
Desde que a avaliação seja feita com os objetivos da neuropsicologia cognitiva, de identificar modos de funcionamento cognitivo ou falhas nas diferentes etapas deste processamento, poderão/deverão fazer uma avaliação neuropsicológica, todos aqueles que tenham queixas nas seguintes funções cognitivas: atenção, perceção, memória e aprendizagem, linguagem oral e escrita, capacidades construtivas, raciocínio, abstração, cálculo, orientação espácio-temporal e funções executivas (i.e., tomada de decisão, flexibilidade mental, mecanismos de supervisão e de inibição, busca mental, entre tantas outras).
A título ilustrativo, a avaliação neuropsicológica procurará fazer o diagnóstico diferencial, se aqueles esquecimentos de que se queixa são fruto de desatenção, faltas do nome (linguagem), falhas na aprendizagem (memória) ou falhas na busca mental (funções executivas).
EM QUE CONSISTE UMA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA?
A maior parte do tempo, a avaliação neuropsicológica são testes de papel e lápis, em que o(a) neuropsicólogo(a) faz perguntas ou pede tarefas. A pessoa avaliada terá de se lembrar de histórias que lhe serão contadas, descrever imagens, fazer contas no papel ou de cabeça, terá de responder a perguntas, fazer desenhos, fazer gestos, repetir palavras ou frases, decorar listas de palavras, dizer nomes de objetos, reconhecer caras em fotografias, cumprir ordens simples e complexas, encontrar letras numa sopa de letras ou outras tarefas idênticas.
A avaliação neuropsicológica, antigamente chamada de exame das funções nervosas superiores, assemelha-se por vezes a um teste da escola primária, tem algumas tarefas muito simples e outras mais difíceis, mas todas elas tarefas cognitivas.
Uma avaliação neuropsicológica não é um teste de personalidade nem um teste de inteligência; embora possa ser necessário acrescentar algum destes na avaliação global. Seja qual for o cenário da avaliação neuropsicológica, o seu objetivo é duplo, (1) verificar a integridade de cada função cognitiva e (2) descrever um quadro de funcionamento cognitivo e assim verificar que existe alguma suspeita de diagnóstico.
QUEM PODE FAZER UMA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA?
Qualquer pessoa com formação em avaliação psicológica e/ou interesse na neuropsicologia cognitiva estará apta a aplicar testes neuropsicológicos. No entanto, os testes são muito mais fáceis de aplicar do que de interpretar. Daí que eu aconselhe que se está a pensar fazer uma avaliação destas, procure um psicólogo com formação especializada em Neuropsicologia, de preferência com formação académica na área ou a especialidade avançada reconhecida pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP).
Em caso de dúvida, consulte o diretório da OPP em Directório de psicólogos/as Ordem dos Psicólogos (ordemdospsicologos.pt) para verificar a(s) especialidade(s) do(a) psicólogo(a) e estude o seu CV, para saber que cursos de Neuropsicologia tem.
Texto: Marta A. Gonçalves-Montera (Neuropsicóloga, Membro efetivo OPP nº 7420)
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