A neurocirurgia com o doente acordado é uma operação ao cérebro em que este está consciente, permitindo avaliar, em tempo real, as suas reações e especificidades. Em casos de remoção de tumores cerebrais, este é um aspeto importante para prevenir defeitos neurológicos decorrentes do procedimento e minimizar os riscos da cirurgia.
Ao realizar uma operação deste tipo, a nossa principal preocupação é perceber: que parte do cérebro do meu doente posso remover, sem destruir o que define a sua identidade? Qual a “janela” que se deve abrir para chegar ao tumor, sem alterar o movimento, a fala, a memória, as emoções e, mais profundamente, a consciência?
Cada função cerebral é composta por várias regiões, conectadas por estradas de feixes cerebrais, que estão sincronizadas. As regiões estão localizadas à superfície, no córtex cerebral, e os feixes na profundidade, na substância branca subcortical. Uma função fica comprometida quando há lesão ou desconexão entre a superfície e a profundidade.
Estas regiões cerebrais não têm sempre a mesma localização no cérebro de todas as pessoas – e há fatores que podem fazer que se alterem, como o crescimento dos tumores cerebrais. Quando os tumores aumentam de tamanho, obrigam a uma reorganização do cérebro, existindo regiões que se desligam e outras que assumem novas funções – a chamada “plasticidade cerebral”. Já os feixes, ao serem cortados, não se conseguem reconstruir, pelo que não possuem a mesma capacidade de reorganização cerebral.
Para exemplificar com um caso real, recordo o caso de Mónica, uma estudante do ensino secundário que, em 2014, com apenas 17 anos, teve uma crise epiléptica que provocou a incapacidade de falar por alguns minutos. Na sequência deste episódio, foi diagnosticado um tumor com alguns centímetros, na região nobre da linguagem – o córtex frontal inferior esquerdo. A doente teve indicação para cirurgia.
Antes de uma cirurgia de remoção de um tumor cerebral, todos os membros da equipa médica devem estar nas suas posições, no bloco operatório. Cada detalhe conta, desde o conforto da posição da doente à verificação de todos os equipamentos a utilizar.
Em primeiro lugar, o anestesista adormece a doente, para que se proceda à abertura do crânio. Depois, quando o cérebro está exposto, volta a acordá-la, para que inicie o diálogo com a neuropsicóloga que se encontra à sua frente.
Antes de iniciar a remoção do tumor, as várias áreas ou regiões do cérebro são estimuladas com uma sonda elétrica, ao mesmo tempo em que a pessoa é testada, realizando diversas tarefas que avaliam o movimento, a construção e a compreensão da linguagem. As áreas em que, perante este estímulo, a doente deixa de cumprir uma determinada função, vão sendo marcadas como zonas proibidas de atravessar, e, no final, ficamos com o mapa completo das funções do cérebro.
Na fase seguinte, Mónica continua a falar com a neuropsicóloga e a realizar tarefas que surgem num ecrã de computador, enquanto o tumor é removido, da superfície para a profundidade. Quando se atinge o resultado esperado – a remoção total do tumor – confirma-se que nenhuma das funções cerebrais se alterou e a doente volta a adormecer.
Dez anos depois, Mónica está prestes a terminar o curso de Arquitetura, tirou a carta de condução, trabalha e faz uma vida normal.
Histórias felizes como as desta doente são mais prováveis quanto mais precocemente for detetado o tumor. Para isso, é fundamental estar atento aos sinais de alerta: os tumores cerebrais, à medida que crescem, vão comprimindo as estruturas do crânio, podendo causar dores de cabeça, náuseas, vómitos, convulsões, alterações da visão, audição ou fala, desequilíbrio ao andar, paralisia dos membros e alterações do comportamento. Perante algum destes sintomas, não hesite em procurar ajuda médica.
Um artigo de Catarina Viegas, médica neurocirurgiã nos hospitais CUF Tejo e CUF Cascais e na Clínica CUF Almada.
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