O cancro consiste num grupo de doenças que apresentam um crescimento descontrolado de células anómalas com capacidade para invadirem tecidos contíguos ou disseminarem para órgãos distantes. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que é a segunda maior causa de morte a nível mundial, apenas atrás das doenças cardiovasculares.
O cancro da mama é o mais frequente no sexo feminino, tendo sido diagnosticadas, no último ano, cerca de 2 milhões e 200 mil mulheres em todo o mundo. Ao contrário da incidência, temos assistido nas últimas décadas a um declínio sustentado na mortalidade por cancro da mama quer a nível europeu quer a nível nacional. Este aumento da sobrevivência em mulheres com cancro da mama está associado aos avanços nos meios de diagnóstico e no tratamento.
O tratamento para o cancro da mama é composto por várias modalidades terapêuticas, incluindo quimioterapia, cirurgia, radioterapia, hormonoterapia, imunoterapia e terapêuticas alvo. Apesar de eficazes em termos curativos na grande maioria das mulheres com este diagnóstico, estes tratamentos podem provocar diferentes eventos adversos com consequências físicas, emocionais e psicológicas. Estes eventos, graduados e tratados em função do tipo e gravidade , podem comprometer a curto, médio e longo prazo a qualidade de vida e o bem-estar da doente. Acresce que alguns destes eventos observam-se logo no início do tratamento e persistem durante muito tempo, por vezes anos após o tratamento, em muitas das doentes. Por exemplo, estudos demonstraram que um quarto das doentes com cancro da mama sofre de fadiga severa, sobretudo as doentes com estadios mais avançados da doença e submetidas a quimioterapia, para além de cirurgia e radioterapia. Apesar de , na maioria das pessoas, a fadiga severa diminuir consideravelmente nos primeiros 6 meses após o tratamento, nalgumas pessoas persiste e passados 5 anos. A presença de fadiga severa está ainda associada a casos de depressão, dor e distúrbios de sono.
Estas e outras sequelas, como as causadas pela cirurgia, geralmente conduzem a uma diminuição dos níveis de atividade física, assim como da capacidade funcional. Estudos científicos verificaram que durante os tratamentos curativos, uma doente com cancro da mama, sofre alterações na sua aptidão cardiorrespiratória equivalentes a 10 anos de envelhecimento. Resultados similares foram encontrados relativamente à força muscular. A composição corporal também se altera frequentemente durante o tratamento curativo, caracterizando-se na generalidade por um aumento da gordura corporal e pela diminuição da massa muscular. Estas alterações físicas comprometem a qualidade de vida, a autoestima e o bem-estar físico, psicológico e emocional da mulher com cancro da mama, mas podem ainda ter implicações negativas no risco de reincidência e na mortalidade da doença. As limitações na autonomia podem ainda retardar o regresso em pleno à vida social e profissional, pelo que merecem especial atenção pelos profissionais de saúde e pela sociedade, no geral.
Atualmente, existe forte evidência que, após os tratamentos, a promoção da atividade física e a adesão a programas de exercício físico são um meio de minimização das sequelas e do envelhecimento acelerado causado pelos vários tipos de terapêuticas. As várias recomendações internacionais são perentórias a este respeito, estando amplamente demonstrado que o exercício promove melhorias significativas na aptidão física, composição corporal, qualidade de vida e bem-estar bem como nos sintomas de fadiga, ansiedade e depressão. No entanto, ainda existe alguma insegurança por parte dos profissionais de saúde, assim como das doentes, relativamente à participação nestes programas.
No ONCOMOVE®, temos a experiência com o MAMA_MOVE Gaia Comunidade desde novembro de 2017, um programa de exercício físico desenvolvido em parceria com a Solinca, destinado a mulheres sobreviventes de cancro da mama seguidas no Serviço de Oncologia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. Este programa foi desenhado pelos fisiologistas de exercício da equipa, com o acompanhamento da equipa médica multidisciplinar, que inclui médicos oncologistas, fisiatras e cardiologistas, e outros profissionais de saúde, tais como enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos. Estes profissionais têm, também, a função de rever os doentes sempre que existam efeitos adversos e complicações do próprio programa de exercício físico. Até à presente data, cerca de 100 participantes passaram no programa, com bons resultados em saúde e ganhos sociais importantes. Mais ainda, das primeiras 20 participantes incluídas, em 2017, existe um grupo que se mantém ainda hoje.
Durante os tratamentos, também se sabe que a prática de exercício físico, supervisionada e adaptada, é segura e contribui para redução de alguns efeitos adversos, especialmente a fadiga. Um estudo atualmente em curso pela equipa do ONCOMOVE®, o MAMA_MOVE Gaia On Treatment, está a avaliar se a prática de exercício físico tem um efeito positivo reduzindo a toxicidade cardíaca de um tipo específico de quimioterapia utilizada no cancro da mama. Apesar de ainda não termos resultados definitivos, o feedback das participantes e da equipa médica que segue as doentes é muito positivo.
Mais recentemente, os estudos científicos têm-se debruçado sobre os benefícios da prática de exercício físico antes dos tratamentos, uma estratégia conhecida como pré-habilitação. Na fase dos exames de diagnóstico, estadiamento e espera pelo início dos tratamentos, a pré-habilitação implica iniciar um programa de exercício físico orientado para a otimização cardiorrespiratória. O objetivo principal passa por otimizar o estado funcional antes dos tratamentos de forma a minimizar as suas complicações e acelerar a recuperação do doente. Estudos em mulheres com cancro da mama têm demonstrado resultados promissores da pré-habilitação na melhoria da função cardiorrespiratória, da capacidade funcional e na recuperação pós-cirúrgica. Evidência noutros tipos de cancro sugerem que o exercício pode ainda ter benefícios na redução de complicações e tempo de internamento pós-operatório.
Podemos concluir então que a introdução do exercício físico o mais cedo possível desde o diagnóstico de cancro da mama e a sua manutenção durante e após os tratamentos é uma estratégia essencial para otimização do estado de saúde, qualidade de vida e bem-estar da mulher em todo o seu percurso terapêutico.
Um artigo de Alberto Alves, Fisiologista do exercício, professor associado do Instituto Universitário da Maia, membro integrado do CIDESD e coordenador do ONCOMOVE®.
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