
Nada melhor para (re)descobrir uma cidade do que uma boa exploração, a pé, por ruas, travessas, subterrâneos e largos, entrando e saindo de edifícios que habitualmente não visitamos. Com estórias à volta da comida e da bebida, o passeio inaugural da Travel & Taste, em parceria com o INP, começou no Largo de Camões e terminou nas Portas de Santo Antão. O circuito “Lisboa Subterrânea - da água, dos mistérios e dos sabores” foi desenhado por Marco António Noivo, guia-intérprete e professor no INP. Marco já tem outros passeios em mente, todos eles com uma componente gastronómica: a Lisboa romana, descobrindo os vestígios mais antigos da cidade, por baixo de terra, e terminando na degustação do “garum” moderno, ou mais prosaicamente, as conservas do Terreiro do Paço; e a Lisboa do ouro, da palha e do azul, uma viagem que inclui tesouros escondidos da Sé, São Roque, azulejaria e as melhores iscas da cidade. Os programas, datas e preços serão divulgados em breve.
No primeiro passeio, depois de uns alongamentos sob o olhar atento de Camões, viramos para o Bairro Alto, antiga Vila Nova dos Andrades e depois Bairro Alto de São Roque, conhecido local de animação noturna onde restaurantes e bares abundam. Mas nem sempre foi assim: o bairro que acaba de completar 500 anos foi antes um olival, onde a rica família Andrade teve autorização do rei para fazer os primeiros arruamentos e depois as travessas transversais. Foram surgindo os palácios, conventos, igrejas e outros edifícios, que sobreviveram quase todos aos terríveis terramotos de 1531 e 1755. No séc. XX, a forte presença jornalística no local batizou ruas que ainda hoje mantêm o nome; mas o bairro também atraiu artífices como marceneiros, ourives e encadernadores.
Chegamos ao Príncipe Real, uma das zonas mais apetecidas da capital. O antigo Alto da Cotovia abriga, bem no centro do seu jardim, a entrada para o Reservatório da Patriarcal, onde a historiadora Bárbara Bruno nos acolhe. Entre política e avanços técnicos, a especialista conta como a obra de engenho humano conseguiu reunir a água de mais de 60 nascentes para abastecer a cidade, apesar de manifestamente insuficiente até à solução proporcionada pela barragem de Castelo de Bode, já no séc. XX. Avançamos 410 metros por um subterrâneo húmido e pouco iluminado, onde o nosso passeio se revela verdadeiramente emocionante. Após tanta grandiosidade, uma pequena porta verde devolve-nos a luz de Lisboa. Estamos no jardim de São Pedro de Alcântara, uma das melhores vistas sobre a cidade e de onde descemos até aos Restauradores, lado a lado com o elevador da Glória.
No Palácio Foz, Ricardo Máximo guia o
grupo pelas salas ricamente decoradas do edifício construído no séc. XVIII, hoje em dia usadas para conferências, concertos de música clássica ou encontros diplomáticos. Mas é nas catacumbas que nos espera a maior surpresa do Palácio. O estilo neo-gótico, neo-barroco e totalmente fantasioso deste espaço de reduzida escala foi ponto de encontro do Clube dos Macavencos, que por vezes convidavam Macavencas, para faustosos banquetes e ceias. Marco António Noivo retoma a palavra para desfiar alguns episódios do clube de inspiração maçónica, do qual faziam parte nomes importantes para a época como Grandella e Bulhão Pato, e que tinha duas importantes regras: à boa mesa todos se sentam e não se pode falar de política nem de religião. O principal assunto de conversa seria, provavelmente, a gastronomia e outros prazeres da vida, tendo daí resultado a obra de Francisco Grandella intitulada “Memórias e Livro de Receitas dos Macavencos”.
Depois de quatro horas a andar e de tantas histórias ouvidas, retemperamos forças com uma ginjinha num dos estabelecimentos mais autênticos de Lisboa, ponto de referência obrigatório em qualquer guia turístico: a Ginjinha Sem Rival. Uma bebida doce que atravessa dias amargos, sob a ameaça de ter de fechar portas. O edifício onde está instalada a Ginjinha foi adquirido recentemente por um grupo hoteleiro russo, que denunciou recentemente o contrato de arrendamento.
Próximo "Lisboa Subterrânea": 29 de março (próximo sábado) - 17,50€ (preço de lançamento). Inscrições aqui: passeios@travelandtaste.pt.
Texto e fotos: Ana César Costa
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