Há todo um admirável mundo novo na produção vinícola. Um fenómeno ao qual não é estranho o perfil de consumidor que mostra preocupação por um estilo de vida mais saudável e, paralelamente, atenção ao bem-estar dos ecossistemas. Uma procura que encontra do lado da oferta produtores atentos aos territórios onde desenvolvem os seus vinhos e os métodos mais equilibrados para, pondo em prática o conhecimento e a tecnologia deste século XXI, reencontrarem uma certa pureza ancestral na forma como se relacionam com o meio. Uns e outros, consumidores e produtores, encontram estes interesses convergentes nos lineares das superfícies comerciais, nas garrafeiras e nas cartas de restaurantes sob a forma de vinhos naturais e biológicos. Uns e outros não são a mesma coisa, como nos explica o Alexandre Lalas, crítico, editor de vinhos da revista brasileira “Gula”, colaborador da publicação portuguesa “Revista de Vinhos”, formador e apresentador de televisão.

No nosso país, o especialista brasileiro esteve a convite da “Revista de Vinhos”, como orador na Conferência realizada no final de Outubro em Lisboa. Evento onde Jancis Robinson, Master of Wine britânica, revelou os 10 vinhos portugueses que mais a marcaram na última década.

Pode um vinho biológico não ser natural? Pode, e com substanciais diferenças
Pode um vinho biológico não ser natural? Pode, e com substanciais diferenças Alexandre Lalas no decorrer da apresentação sobre "O Vinho Natural" em Lisboa. créditos: Revista de Vinhos

De acordo com Alexandre Lalas, os vinhos naturais “são uma filosofia, uma forma de arte”. Uma abordagem imaterial que, contudo, não desmerece pragmatismo. O crítico sublinhou que “vários produtores de vinhos naturais já se organizam em associações, nomeadamente em França e Itália. Dado os vinhos naturais ainda não estarem ao abrigo de legislação, estas associações ditam as suas regras aos associados, ou seja especificam, na prática, do que falamos quando falamos destes vinhos”, sublinhou Lalas.

Ou seja, para termos um vinho natural, as uvas terão de provir de vinha orgânica, a que não contém pesticidas e herbicidas, ou de agricultura biodinâmica, que tal como a anterior não é tratada com pesticidas, antes em respeito pelo ecossistema e aplicação de preparações que incluem, por exemplo, estrume, chifre de boi, húmus, valeriana, entre outros “ingredientes”.

Acresce que estas vinhas têm de ser certificadas por entidades autorizadas.  A vindima tem de ser manual, as leveduras indígenas (ou nativas, existindo naturalmente nas uvas). Um processo que não termina no campo e que se estende à adega e a todas as fases da enologia até ao produto final, o vinho. Na adega, às uvas e ao vinho não são aplicadas técnicas enológicas (ex. filtrações), não há adição de sulfitos (agente utilizado como antioxidante e antimicrobiano nos vinhos) e, havendo a sua aplicação, sempre com teores reduzidos.

Pode um vinho biológico não ser natural? Pode, e com substanciais diferenças
Pode um vinho biológico não ser natural? Pode, e com substanciais diferenças Nas vinhas da Casa de Mouraz, na região Dão, no Centro do país. Uma história a dois com António Ribeiro e Sara Dionísio. créditos: Casa de Mouraz

Contudo esta última premissa é controversa, pois muitas associações proíbem mesmo o uso de sulfitos. A este propósito Alexandre Lalas recorda as palavras do francês Nicolas Jordy, produtor do vinho La Coulée de Serrant, “para alcançar zero tecnologia na adega, o viticultor precisa de ser um artista na vinha”. Uma forma que o conferencista brasileiro encontra para expressar como é difícil produzir e manter as características de um bom vinho natural. Isto considerando, também, a aposta do sector da restauração e a necessidade de apresentar um produto final estável e que garanta algum tempo de guarda.

De acordo com o editor brasileiro, “um vinho até pode ser bom uns meses após a vinificação, mas muitas vezes a dificuldade surge em conseguir manter as características que o classificam como bom vinho, pois começam a surgir defeitos como o aumento da acidez volátil, que lhe confere um gosto avinagrado”. Estas dificuldades impossibilitam muitas vezes a exportação destes vinhos, pois durante o transporte o produto fica ainda mais frágil. Mas nem tudo é mau, existem alguns vitivinicultores que são casos de sucesso a nível de exportação.

Em Portugal, não obstante estarmos perante um segmento em crescimento, ainda se estranha a introdução de cartas de vinhos naturais na restauração, uma realidade que, de acordo com Lalas, “é comum em países mais um passo mais à frente neste segmento”, caso da Dinamarca e dos Estados Unidos da América.

Pode um vinho biológico não ser natural? Pode, e com substanciais diferenças
Pode um vinho biológico não ser natural? Pode, e com substanciais diferenças “Para alcançar zero tecnologia na adega, o viticultor precisa de ser um artista na vinha”, uma frase de um produtor francês que Alexandre Lalas trouxe para a Conferência em Lisboa.

Em terras lusas refira-se como bons exemplos deste método de produção natural, biológica e biodinâmica, os néctares da Casa de Mouraz (Dão), Quinta da Serradinha (Bairrada) e Aphros (Vinhos Verdes), Niepoort Bioma (Douro), Vale da Capucha (Lisboa).

No que difere, então, um vinho natural de um outro biológico? Este último provém de vinhas com produção biológica, mas na adega já pode ser alvo de práticas enológicas legalmente autorizadas, ou seja não segue os princípios naturais acima enunciados. Desta forma um vinho biológico pode não ser natural.

Recorde-se que no nosso país o primeiro vinho biológico surgiu em 1991, o Quinta da Comenda da extinta região Dão-Lafões. Contudo as primeiras experiências de vinhos biológicos, que decorreram durante essa década revelaram-se grandes deceções,  os vinhos apresentavam características indesejáveis e vários defeitos organolépticos.

Em 1994 surgem as primeiras entidades certificadoras e começa um controlo sobre a produção da matéria-prima. Por exemplo, as uvas, de acordo com a legislação, não podem ser tratadas com pesticidas de síntese (industriais), mas sim resultar de agricultura biológica ou biodinâmica. Recomenda-se também que a vindima seja manual, para minimizar os estragos provocados nas uvas, que a fermentação seja realizada pelas leveduras nativas e que decorra a baixas temperaturas. Efetivamente os vinhos que daí resultam podem no entanto conter alguns produtos enológicos autorizados na produção de vinhos não biológicos e derivados de matérias-primas biológicas se possível.