
O universo Costa Boal acaba de ganhar um novo capítulo. A Herdade dos Cardeais é a mais recente “menina de ouro” do grupo, em Estremoz, num Alentejo que surpreende pela frescura. Apresentados por António Boal e pelo enólogo consultor Paulo Nunes, estes vinhos são uma afirmação clara de que terroir e precisão podem fazer toda a diferença.
Isto porque quando se fala em Alentejo, pensa-se em calor intenso e vinhos encorpados. Mas o terroir de Estremoz desafia essa ideia. Aqui, os solos de transição entre xisto e mármore conferem aos vinhos uma outra identidade. "Nós generalizamos e muitas vezes, menosprezamos partes do Alentejo. O que acontece aqui é que prefiro muito mais comunicar Estremoz, que é muito mais específico e tem um ADN que quero transmitir muito mais nestes vinhos", explica Paulo Nunes, acrescentando que os “são vinhas de transição entre xisto e os mármores de Estremoz, o que, de facto, condiciona muito o ciclo das plantas."

A Herdade dos Cardeais foi adquirida em 2020, totalizando 10 hectares – numa distribuição de 8 hectares para castas tintas e 2 para brancas numa vinha com idades entre os 15 e os 30 anos -, e após um período de adaptação da viticultura à filosofia da Costa Boal, os primeiros vinhos com o seu verdadeiro ADN foram agora apresentados. "Nós lançámos, em 2023, os anteriores vinhos”, uma vez que quando a compra foi efetuada “já existiam vinhos em stock. E estes, sim, são vinhos já com a nossa viticultura e enologia presente na empresa", explicou António Boal.
A aposta da Costa Boal é clara: menos quantidade, mais qualidade. Ao contrário da tradição alentejana de grandes produções, a Costa Boal apostou em pequenas quantidades, vinificações precisas e uma viticultura sustentável.

“Já me tinham oferecido várias [propriedades], mas megalómanas, coisas para fazer grandes volumes. E nunca foi esse o objetivo. Para o universo Costa Boal a ideia é fazer pequenas quantidades, mas com valor acrescentado e também com qualidade”, afirma.
A produção foi reduzida drasticamente – de uma média de 12/13 toneladas para uma de 5 a 6 – para focar na excelência, e a rega está a ser gradualmente eliminada, assim como estão a ser feitas outras intervenções em termos de viticultura para obrigar as raízes a aprofundar-se, extraindo o melhor do solo. “No projeto anterior à Costa Boal, a intervenção era muito pensada para produzir para venda de uva ou venda de vinho a granel. Aqui mudamos completamente o mindset”, assume o enólogo que vai mais longe ao definir este como um projeto contranatura no Alentejo. “Estamos a falar de produções de 2 mil garrafas, 3 mil garrafas, 4 mil garrafas” o que faz com que “seja preciso ter muito mais cuidado relativamente aos vinhos que nós produzimos”.

Quatro novas referências vínicas
No universo dos brancos, dois vinhos surgem agora no leque de oferta. O primeiro é um blend onde o Chardonnay assume protagonismo, mas equilibrado com Antão Vaz. “Acho que [no nariz] tem um estilo muito mais borgonhês pelo Chardonnay. E o que me cativa muito francamente, neste vinho, que para mim é uma surpresa em termos de Alentejo, confesso que ignorância minha, é esta boca fresca e esta dimensão fresca que é possível em Estremoz”, explica Paulo Nunes ao apresentar o Monte dos Cardeais Reserva Branco 2023 (PVP: 12€). Este vinho resulta da combinação equilibrada das duas castas brancas. As uvas são colhidas manualmente e passam por uma breve maceração antes de serem prensadas suavemente. O mosto decanta por 48 horas e fermenta inicialmente em cubas de inox, a temperatura controlada, terminando o processo em barricas, onde estagia sobre borras finas durante seis meses.

Já o Quinta dos Cardeais Grande Reserva Branco 2022 (PVP: 35€) “é um vinho que vive muito mais de uma casta que eu acho que é das melhores castas que nós temos em Portugal, ponto final. E que muitas vezes, durante muitos anos, foi esquecida. Que é todo terreno, uma coisa chamada, com todo respeito, Arinto”, assume. Este vinho nasce da combinação equilibrada de três castas – Arinto, Antão Vaz e Roupeiro – “mas a matriz que nós temos aqui, toda esta componente ácida, toda esta componente fresca, é muito dada absolutamente pelo Arinto”.
As uvas são colhidas manualmente e passam por uma breve maceração antes de serem prensadas suavemente. O mosto decanta por 48 horas e inicia a fermentação em cubas de inox a temperatura controlada, concluindo o processo em barricas, num estágio prolongado de 18 meses sobre borras finas.
No campo dos tintos, a casta Alicante Bouschet assume o protagonismo. No Monte dos Cardeais Reserva Tinto 2020 (PVP: 12€), é acompanhada por Syrah. Apesar de Paulo Nunes fazer um paralelismo com a produção de Alicante que a Costa Boal tem em Trás-os-Montes, aqui “temos o nariz um bocadinho mais quente, temos uma boca mais gulosa, um tanino mais pronto, embora a matriz ácida esteja muito presente. O que me cativa muito neste vinho é este final de boca que contrabalança o lado mais quente e mais absoluto e nos surpreende relativamente à entrada de boca. Temos um volume em que sentimos o quente do Alentejo, mas a reta final é de uma frescura incrível”, descreve. As uvas foram colhidas manualmente em pequenas caixas para preservar a qualidade. Após um leve esmagamento e desengace, o mosto passou por uma maceração pré-fermentativa de 48 horas, seguido de fermentação em cubas de inox a temperatura controlada. A maceração pós-fermentativa durou entre 10 a 15 dias e envelheceu durante 16 meses em barricas de carvalho francês de 225 e 400 litros.

O Quinta dos Cardeais Grande Reserva Tinto 2020 (PVP: 35€), destaca-se também pela sua base de Alicante Bouschet, proveniente de um solo que contribui para um pH único em vinhos tintos, que também se reflete na referência anterior. O Cabernet Sauvignon e o Petit Verdot entram como um toque de equilíbrio, funcionando como o “sal e a pimenta” deste blend, como afirma Paulo Nunes. Os taninos estão em evolução, prometendo um ótimo envelhecimento. Durante a vinificação, houve um cuidado especial para manter a estrutura e a elegância dos taninos, garantindo um vinho com grande potencial de guarda sem perder o seu carater. A colheita foi feita de forma manual em caixas de 20 kg, seguida de um desengace com leve esmagamento e uma maceração pré-fermentativa de 48 horas. A fermentação ocorre espontaneamente em cubas de inox, com controlo de temperatura, e a maceração pós-fermentativa dura entre 10 a 15 dias. O envelhecimento acontece em barricas de carvalho francês durante 18 meses.
Pequenas produções, grandes vinhos?

Já percebemos que a Herdade dos Cardeais é um projeto que vai contra a corrente: pequenas produções, atenção à vinha e vinificação pensada ao detalhe, naquela que é a região portuguesa com capacidade de produção em larga escala. Mas o que pode distinguir projetos, num momento em que cada vez se apresentam mais desafios aos produtores? “Numa época de conhecimento global, em que todos os produtores têm a tecnologia disponível, o conhecimento todo disponível, o que acho que vai fazer diferença nos próximos anos é o terroir”, assume Paulo Nunes. “Ao contrário do que acontecia há 40 anos, um produtor com mais conhecimento era capaz de fazer melhores vinhos que um produtor que tinha mais potencial, mas não tinha o conhecimento. Hoje o conhecimento é aberto. E se o conhecimento é aberto, é o sítio que vai fazer a diferença. Ou então a competência ou a incompetência dos produtores”, conclui.
Este foi também um momento de reflexão para António Boal: “Recordo-me perfeitamente, quando o Paulo visitou a região, disse ‘isto é um Alentejo diferente, é um Alentejo mais fresco’. Em 2005, quando fiquei com a gestão do projeto, fiquei com 7 hectares de vinha. Hoje estamos perto dos 80 hectares espalhados pelas três regiões.” De acordo com o responsável, o projeto Herdade dos Cardeais representa já 30% da faturação global da empresa.
Depois da experiência acumulada no Douro e em Trás-os-Montes, atrevemo-nos a dizer que a Costa Boal não veio apenas produzir vinho em Estremoz. Veio redefinir o que o Alentejo também pode ser.
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