Bertalan Mesko, médico húngaro, doutorado em genómica, ramo da bioquímica que estuda o genoma humano, esteve em Lisboa, no decurso da Conferência Portugal Saudável, e partilhou com os portugueses aquela que é a sua visão do futuro da alimentação. Um advir suportado em tecnologia, mas onde não vai faltar o elemento humano. “Vejo uma imagem do futuro com uma cozinha repleta de tecnologia, mas com a família presente, a interagir”. Aos presentes no encontro na capital, Mesko ilustrou estas palavras com uma imagem de um futuro não muito distante. Nela vemos uma cozinha que não andará muito longe daquelas que associamos a uma nave espacial.
Este homem que gere um blogue, The Medical Futurist, com mais de três milhões de seguidores, olha para os próximos passos da alimentação baseando-se numa fonte de informação disponível há muito, a criatividade humana expressa na ficção científica, nomeadamente naquilo que a literatura e o cinema nos dão.
“A minha inspiração para pensar no futuro passa pela ficção científica. Esta pode ajudar-nos, pois indica-nos tendências. Aquilo que vemos nos filmes e lemos nos livros acaba, em parte, por se tornar realidade. Temos, no entanto que colocar invariavelmente a mesma pergunta: Como é que a tecnologia nos pode ajudar, mantendo-nos humanos?”, sublinha o investigador.
“Não nos vejo no futuro como ciborgues mas como humanos. Isto não obstante irmos usar, por exemplo, robots e a inteligência artificial”
Para Bertalan Mesko, há que conciliar a dimensão humana com uma realidade que até agora não se afigurava. Viver como um astronauta em nossas casas. Isto é, viver com tecnologia da era espacial, com leitores de alimentos portáteis (scaners) com capacidade para avaliar as características nutricionais do que estamos a comer no momento (não é futuro é já um facto), compostos alimentares em pó para substituir refeições, apps para telemóveis onde carregamos a nossa informação genética e que farão a gestão dos alimentos que podemos, ou não, ingerir, robots de conversação que nos aconselham o que e quando comer.
A lista parece ser interminável e inclui mesmo um talher inteligente que vibra sempre que estamos a velocidade de deglutição é superior ao desejável.
Uma realidade arrepiante, podemos pensar. Bertalan Mesko não o considera assim porque “nada em nutrição e na saúde deve ser pensado sem pensar na humanidade”. Para este médico isso é uma vantagem. O composto alimentar em pó pode ser utilizado para mitigar a fome em determinadas regiões do planeta. O estudo do genoma e as apps que gerem a nossa alimentação, poderão evitar o caminho para a doença.
À plateia que o escutou Mesko trouxe o exemplo extraído de um dos filmes mais emblemáticos de ficção científica, “2001 Odisseia no Espaço”. “Nesta película do realizador Stanley kubrick, obra com 51 anos, perspetiva-se um futuro que é o nosso. Na nave, a comida ingerida pela tripulação é insípida, mas ninguém se importa”. Esse é um futuro que não se concretizou, a nossa comida continua a ter sabor.
O que já é uma realidade é a alimentação artificial. Bertalan Mesko deixa-nos um exemplo: “a partir de uma célula de carne de vaca, podemos fazer um milhão de hambúrgueres”.
Ao auditório o médico futurista deixou alguns conselhos para este mundo em mudança: “Mantenham-se curiosos. Durmam. Exercitem-se meia hora todos os dias. Controlem o stresse, meditem e façam um teste de ADN”. Conselhos bastante humanos.
Fazer más escolhas quando há tanta disponibilidade alimentar
Nick Barnard, inglês, fundou há 14 anos a empresa sediada em Londres, a Rude Health, assente num lema inspirador: “Come acertadamente, mantém-te brilhante”. “O que comemos faz-nos. O que vos trago aqui, hoje, é a responsabilidade e o controlo que todos nós devemos ter sobre o sermos mais ou menos saudáveis, decorrendo do que comemos”, salientou.
Barnard nem sempre geriu uma empresa com preocupações no regresso a uma alimentação impoluta. “Quando fui pai tomei a decisão de ser saudável. E com essa nova responsabilidade veio uma nova atenção sobre aquilo que comia. Por exemplo, quando olhamos para um rótulo, inscrito numa embalagem, não estamos a ler a linguagem dos alimentos”.
“Qual é o nosso problema? Fazemos más escolhas quando há tanta disponibilidade alimentar”, enfatizou o britânico que acrescentou, “vivemos num mundo onde há 16 novas doenças a tornarem-se epidemias globais, incluindo a diabetes 2, diabetes 3 e a obesidade.
E continuou: “nos Estados Unidos há 40 doenças e pragas nas plantas que ameaçam a sustentabilidade da agricultura praticada. Estudos recentes indicam que temos menos de 70 anos de colheitas disponíveis nos solos do Reino Unido. Estão exaustos”.
“50% da dieta tradicional no Reino Unido está morta, derrotada por alimentos ultra processados
Para Nick Barnard a responsabilidade é de todos: “há desconhecimento de onde nos chega a comida. Não conhecemos a origem do que nos chega à mesa, alterámos muitas culturas e métodos agrícolas ancestrais neste último século. Destruímos a virilidade e a vida do nosso microbioma, o património genético dos micro-organismos que vivem no ser humano, assim como extraímos a biologia de nossos solos”.
Uma das consequências deste cenário é a “falta de diversidade e alimentos vivos nas nossas dietas”, conclui Nick.
O especialista em alimentação apresenta-nos números relativos ao seu país de origem: “50% da dieta tradicional no Reino Unido está morta, derrotada por alimentos ultra processados, principalmente bens de conveniência com muito pouca variedade de ingredientes. Na Grã-Bretanha há pessoas que não usam as cozinhas. Há, inclusivamente, apartamentos que estão a ser construídos sem bancadas na cozinha”.
No dizer do fundador da Rude Health, falta em toda esta equação a relação com o mundo natural. “Hoje preocupamo-nos se a comida está limpa, bem apresentada. Já os nossos avós preocupavam-se com a diversidade”.
“Atualmente descobrimos um novo cancro, o estar sentado. Também de pouco adianta ir a um ginásio e depois encher a cozinha de junk food. Não é isso que nos torna saudáveis.
Em suma, Nick Barnard quis deixar, tal como Bertalan Mesko uma mensagem em forma de caminho futuro: “Procurem qualidade, diversidade, a sazonalidade. Não se esqueçam, menos é mais, há que saber partilhar e agradecer, o que inclui quem produz com honestidade e respeito pelo ambiente”.
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