Este é um encontro com hora marcada frente a uma mesa farta de marisco. Alberto Mota, nosso anfitrião, aprecia a pontualidade. Há uma razão evidente para tal. Na próxima hora e meia vão passar pelas mãos do marisqueiro, camarões, sapateiras, percebes, lagostas, búzios, amêijoas. Sobre todos eles nos irá falar este homem, há 31 anos a lidar com marisco na cervejaria Ribadouro, casa instalada na Avenida da Liberdade desde 1947. Noventa minutos em contagem decrescente para a abertura das portas desta histórica entre as cervejarias lisboetas.

Alberto Mota terá, então, abertas as portas do estabelecimento de cuidar, com a restante equipa, que as dezenas de quilos de marisco que chegam às mesas, obedeçam às regras de escolha e confeção que, agora, nos vai transmitir.

Enquanto aconchega as travessas sobre a mesa, o marisqueiro lança algumas palavras em jeito simpático de provocação: “Façam perguntas. É mais fácil, fico menos nervoso”. Façamos, então, a primeira pergunta para termos Alberto a falar. Na Ribadouro, o mestre marisqueiro lida com marisco fresco e congelado. Neste caso, espécies capturadas no mar e congeladas ainda na embarcação. Aqui, temos, então, um bom pretexto para a questão inaugural: “Como descortinar se o marisco ainda congelado está em boas condições de consumo?”. Alberto dá-nos a resposta: “No camarão, por exemplo, verifiquem se não está negro no corpo, junto às pernas. Se isso acontecer é porque descongelou e voltou a congelar. Cristais de gelo no marisco também não são um bom sinal, podem indicar uma congelação muito prolongada”, assevera.

Para descongelar marisco, Alberto aponta-nos dois caminhos: “Com tempo, retiramos o marisco do congelador, 48 horas antes de o cozinharmos, e vai para a refrigeração, onde fica até ao momento da preparação. Se, eventualmente, há uma emergência, o marisco pode ser descongelado sob água corrente. Nunca o deixamos de molho”, indica-nos o marisqueiro.

Choques térmicos, exosqueletos e mão certeira. Os segredos do marisco nas palavras de um marisqueiro
Alberto Mota, há 31 anos na cervejaria Ribadouro.

No caso de um restaurante, sujeito a apertadas regras de higiene e segurança alimentar, há que cuidar todas as fases do processo o que, implica, atenção na receção dos bens que chegam à mesa. “Temos de averiguar as condições de transporte, o que inclui a higiene da viatura e do motorista”.

O marisco vivo, sapateiras, lavagantes, lagostas, percebes e búzios, vão diretamente para os dois grandes aquários à entrada do estabelecimento.  “Depois, há que garantir que se mantêm vivos dentro dos aquários até ao momento do consumo. Isto para que não haja contaminação com animais mortos. Fazemos uma inspeção duas vezes por dia. Por exemplo, a lagosta vira-se de pernas para cima quando não está bem”.

O Camarão pede que a cozedura se faça em água temperada de sal. Há uma medida, “entre os 60 e os 90 gramas por litro de água”. Há, também uma forma de saber quando está o nosso camarão cozido: “Quando temos espuma nos rebordos da panela e vemos que os camarões vêm ao de cima e se ´aconchegam` uns aos outros, estão prontos”, explica-nos Alberto. “Tiramo-lo, então, todo [o camarão] ao mesmo da água. Temos umas redes cozer o marisco, o que garante que nenhum camarão fica perdido mais tempo do que os restantes dentro de água. Em casa podem usar, por exemplo, as redes dos sacos de batatas”. Subtraído o camarão à água, há que lhe dar um “choque térmico”. Para isso, mergulha-se o camarão em água com gelo e um punhado de sal. Cinco minutos é quanto basta.

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Uma última pergunta sobre o camarão: “Como saber se está no ponto de cozedura quando nos chega à mesa?”. “Boa pergunta”, sublinha Alberto Mota, ilustrando o método de averiguação da boa cozedura com gestos certeiros e com palavras acompanhando-os: “Se a casca não se desprender facilmente da carne do camarão, é porque este cozeu demais”.

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A senhora que se segue é a Ostra nacional (das rias de Aveiro, Alvor, entre outras proveniências). Espécie de bom tamanho, casca calcificada, encerrada com fortes músculos. “Vamos colocar a ostra sobre a palma da mão e verificamos se a concha se mantém direita. Tem de ter água no interior. Caso contrário, a ostra morre e estará imprópria para consumo”, adverte o marisqueiro, que nunca descura no aviso, “está é uma das espécies mais perigosas para a saúde humana quando imprópria para consumo devido a toxinas”. No caso da ostra a regra é, mesmo, não facilitar.

marisco

Alberto explica-nos um método para aquilatarmos a frescura do marisco que, para ser aberto carece de mão certeira. Alberto, munido de uma faca e de uma luva de malha de aço, aplica pressão com o polegar no punho do instrumento de corte, empurra a lâmina para dentro, no ponto certo, e com um movimento de alavanca abre as duas faces da concha.

“Depois de aberto, façam o teste com algumas gotas de limão”. Ou seja, pingamos o sumo do limão sobre o corpo mole da ostra que, rapidamente, encaracola. Aqui chegados, podemos consumi-la assim mesmo, ao natural, um verdadeiro shot de sabor a mar.

Nas mãos de Alberto já está um molhinho de Percebes. Um ramalhete de unhas e pedúnculos que caracterizam esta espécie de litorais rochosos e que, no momento da aquisição devem apresentar-se “com odor a mar e não podem estar peganhentos ao toque”.

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“Os das Berlengas e da Costa Vicentina são os melhores”, sublinha o nosso formador na arte de bem tratar o marisco. No que toca à cozedura, “vamos levar os percebes a água fervente, com mais 10 a 15 gramas de sal por litro de água, do que o indicado para o camarão. Aos percebes, só lhes vamos dar um escaldão”, confia-nos Alberto. Ou seja, não mais do que 40 a 50 segundos em cozedura. “Com mais tempo ficam emborrachados”, alerta, recordando a história do amigo que lhe ligou indignado porque “tinha comprado uns percebes que estavam a cozer há 30 minutos e não ficavam tenros”.

Para avaliarmos a frescura de uns percebes que nos são apresentados à mesa, “a unha tem de se separar bem do pedúnculo”, explica o marisqueiro.

Dos percebes, Alberto navega para as Amêijoas e adverte, “no supermercado, o saco com as amêijoas deve de estar o mais apertado possível, premindo as conchas. Isto para que estejam juntas, e não abram, com isso perdendo a água”. O marisqueiro explica-nos que a amêijoa depois de apanhada é depurada, “para limpar”. Na Ribadouro é apresentada aberta ao vapor ou confecionada à Bulhão Pato.

Das espécies miúdas para as grandes, Alberto segura numa Sapateira de pernas vivazes. “Devemos querê-la assim, sem as pernas penduradas. Depois, para entrarem na água da cozedura a conversa já é outra. A sapateira tem de ir mortiça para a água fervente, depois de um banho de água doce, tépida. Se vai viva para a panela, larga as pernas”.

Choques térmicos, exosqueletos e mão certeira. Os segredos do marisco nas palavras de um marisqueiro

Posto isto, como saber quanto tempo dura a cozedura? Alberto responde-nos: “Depende do número de sapateiras que vão a cozer. Vamos supor que são duas ou três. Entram na água em ebulição, mas só vamos contar o tempo de cozedura quando esta voltar a ´levantar`. Contamos, assim, 12 minutos depois da água voltar a ferver”. Finda a cozedura, as sapateiras são arrefecidas com um choque térmico. “Não as vamos colocar em água gelada. O que fazemos é encher um recipiente com água e gelo, colocamos o marisco dentro de um outro, mais pequeno, no interior do maior”.

Ao ser adquirida já cozida, como saber se estamos perante uma boa sapateira? “Vamos apertar, com os polegares, as laterais da sapateira na parte inferior do crustáceo. Se chocalhar estará vazio. Também ao pressionar a casca, se esta ceder um pouco, o animal está vazio. A fêmea tem duas `maminhas` [membranas]. Se estiverem salientes está cheia”, acrescenta o marisqueiro.

Choques térmicos, exosqueletos e mão certeira. Os segredos do marisco nas palavras de um marisqueiro

Finalmente, a técnica para abrir a sapateira depois de cozida. “Simples, mas sem um modelo obrigatório”, nas palavras de Alberto. “Com uma faca de gume grande, dá-se um golpe ao meio, porque acho que a carne fica mais direita assim. Retiram-se os pulmões, pois não são comestíveis. Cortam-se as patas, duas a duas”. Dentro da carapaça (o exoesqueleto do animal) é servido um petisco: “junta-se à carne do animal e às miudezas, pickles, um bom vinho da Madeira, maionese e picante”. Este último se for a gosto do comensal.

É hora de trazer para a mesa a Lagosta. Neste caso um exemplar vivo, que não se coíbe de revelar o incómodo de não estar no seu elemento natural, a água. Impõe respeito este crustáceo de lento crescimento, de muito alimento e que pode atingir mais de um quilo de peso. Alberto Mota alerta para as diferentes cores da lagosta, “as mais escuras provêm de águas frias. São as melhores. No que respeita à escolha, podemos avaliá-las pelo peso. Se lhe pegarem e estiver leve, não vale a pena a compra, terá pouco para comermos”.

Para cozer uma lagosta, basta sal, 50 a 60 g por litro de água. Tal como na sapateira só se vai contar o tempo da cozedura depois de a água voltar a ferver após a receber o animal. Uma lagosta com um quilo leva uns 20 a 22 minutos a cozer”.

marisco

Dentro de dez minutos serão 13h00. Tempo para Alberto fechar a sua aula sobre como tratar a preceito o marisco. Fá-lo com outra das estrelas da Ribadouro, o Camarão Tigre de Moçambique. “Este chega-nos congelado. Se o levarmos à grelha, é escalado e leva sal. Primeiro, viramos para a grelha, a face com carne. Depois de dois minutos e meio, viramos o camarão. Não vamos deixar a casca muito tempo em contacto com o calor, pois vai agarrar-se à carne”.