Celso de Lemos. O nome pode até ser desconhecido para a maior das pessoas, mas tal como num novelo, em que vamos puxando um fio, é ele o fio condutor desta história que se multiplica por várias vertentes: dos tecidos, aos vinhos, do azeite à alta gastronomia.

Se o nome Celso de Lemos não lhe diz nada, certamente para aqueles que tenham gosto requintado para lençóis, tapetes ou atoalhados reconheça as marcas Abyss Habidecor e Celso de Lemos, com o seu portefólio de algodão egípcio. Ou para os apreciadores de vinho do Dão, já terão provado os vinhos ou azeites da Quinta de Lemos. Para os fãs de fine dining, como não conhecer a Mesa de Lemos, nas mãos do Chef Diogo Rocha, que além de deter uma estrela Michelin, ganhou ainda uma Estrela Verde na mais recente edição do guia gastronómico reconhecido a nível mundial.

Tudo começa com Celso de Lemos, o criador e mentor deste império, com sede em Passos de Silgueiros, Viseu, cuja família já trabalhava com tecidos – a mãe era costureira – o que o levou aos 17 anos a estudar na melhor escola da área, na Bélgica.

De regresso a Portugal começou o império que hoje conhecemos cujo novelo foi crescendo. Mas um crescimento orgânico: o negócio que começou com têxteis de luxo - que tem clientes como Cristiano Ronaldo, Barack Obama ou Justin Bieber - deu lugar à aquisição da hoje conhecida como Quinta de Lemos, com a produção de vinho (cuja ideia era ser também um mimo para os clientes do têxtil) e onde se encontra o restaurante.

No Mesa de Lemos a estrela é uma refeição com tradições portuguesas
No Mesa de Lemos a estrela é uma refeição com tradições portuguesas O Mesa de Lemos encontra-se na Quinta de Lemos, onde se faz essencialmente a produção de vinho, azeite e vinagre. créditos: fabricedemoulin.com

Ao leme da Mesa de Lemos (um trocadilho fácil) está Diogo Rocha, de 39 anos, que tem no seu curriculum – só na Mesa de Lemos - a conquista da estrela Michelin, em 2019, e a sua manutenção, é presença no Guia Boa Cama Boa Mesa, já foi considerado “Restaurante do Ano” pela Revista de Vinhos, fora da cozinha, lançou vários livros, e conquistou em novembro de 2022 a Estrela Verde do guia internacional, que lhe confere selo de qualidade no que à sustentabilidade diz respeito.

“Foi uma surpresa?”, questionamos. “Acho que é uma consequência”, responde sem hesitações. Mas o que é isso de ser sustentável? “É algo que fazemos desde sempre. As coisas mais óbvias são o vinho, o azeite e o vinagre. Produzimos tudo aqui, vem dali de baixo para aqui, não há consumo de caixas, transporte, nada disso. Temos algumas peças da nossa Olaria (Geraldine de Lemos, filha de Celso, é a pessoa que faz as peças, que muitas vezes são desenhadas em conjunto com o chef), temos preocupação com o uso da luz do dia, a própria água, fazemos captação. São tudo coisas importantes”, afirma evidenciando o facto de que “associa-se muitas vezes ao produto direto, ao comprar local e há uma coisa que se esquece que é das pessoas que trabalham connosco. Também é importante a sua sustentabilidade”, além da sustentabilidade financeira do projeto, que o chef também aponta.

O lado humano, a importância da família e o respeito para com o tempo dos funcionários são valores comuns na empresa. Exemplo disso é o facto de a Mesa de Lemos fechar em períodos-chave do ano como a Páscoa, duas semanas em agosto e no período do Natal e Passagem de Ano. Inimaginável, dirão alguns. Um sonho, dirão outros. Uma necessidade, ditou Celso de Lemos: “É ele que nos passa esta mensagem: as crianças estão de férias nessa altura (agosto) e é aí que os pais precisam de estar com elas”, explica o chef resumindo assim uma das características da empresa.

E há mais: o Mesa de Lemos pode ser um restaurante com estrela Michelin, mas é também aquele que está de portas abertas para os mais pequenos, explica-nos Diogo Rocha, enquanto falamos sobre a falta de tempo que, hoje em dia, as pessoas têm para cozinhar, o que pode comprometer toda uma educação alimentar – dos adultos e das crianças.

No Mesa de Lemos a estrela é uma refeição com tradições portuguesas
No Mesa de Lemos a estrela é uma refeição com tradições portuguesas Chef Diogo Rocha créditos: Divulgação

“Somos um restaurante que gosta de crianças, o que não é muito normal, mas tem a ver com aquilo que é a nossa filosofia interna, uma empresa familiar – com o Celso e a família - e é assim que somos, (um espaço) de pessoas. Não faz sentido vir-se a um restaurante destes e perguntar-se ‘e a minha criança? A criança não pode vir’. Aqueles que não permitem, eu respeito e está tudo ok. Mas o que dizemos aqui é que são bem-vindas”, aponta o chef que nota que as crianças de hoje, são os clientes de amanhã. O Mesa de Lemos, tem um menu infantil (40€), e seguindo a lógica de dar a provar às crianças alimentos confecionados de maneira diferente do que têm em casa, os pratos de entrada são os mesmos dos restantes menus, exceto se os pais não o quiserem.

E assim chegamos ao menu de degustação.

Degustação a vários momentos

Quando temos a oportunidade de reservar uma refeição num fine dining, deparamo-nos com menus de degustação divididos em momentos. Encare isto como uma experiência e não como uma necessidade primária de nos alimentarmos. Vamos embarcar numa viagem gastronómica, na Mesa de Lemos, na sua versão de inverno.

Os vinhos e os azeites

O vinho é mais uma das produções da quinta, adquirida por Celso de Lemos em 1997. Touriga Nacional, Tinta Roriz, Jaen, e Alfrocheiro, para tintos, e Encruzado (um hectare) e Malvasia Fina (meio hectare), para os brancos, são as castas dos atuais 25 hectares, que começaram por ser 10 e cujo enologia está a cargo de Hugo Chaves. As vinhas situam-se entre os 350 e os 400 metros de altitude, em proteção integrada, sem recurso a herbicidas.

“Tirámos todas as vinhas que estavam aqui antes e fizemos tudo à medida para ter 60% de Touriga Nacional, 20% de Tinta Roriz, 10% de Jaen e 10% de Alfrocheiro”, explica-nos Manuel Lemos, neto do fundador, numa rápida visita à adega. A escolha do Touriga Nacional deveu-se sobretudo ao facto de ser uma casta mais polivalente, para produção de tintos, rosés e espumantes. A vindima começa no final de agosto, ao contrário do normal na região, de forma a antecipar a possibilidade de chuva em setembro.

Com cerca de seis mil plantas por hectare, 30% da colheita é reservada para os vinhos mais exclusivos, cujos nomes são homenagens à família. E com exceção do Três Armandos e dos monocastas, os restantes são uma ode às mulheres da família, como o Dona Georgina, o primeiro vinho lançado, em 2005, depois da reorganização das vinhas.

Sendo uma adega recente, funciona por gravidade numa produção de cerca de 200 mil garrafas anuais, entre todos os rótulos

A par do vinho, começaram a produzir azeite, em 2015, com variedades como Cobrançosa, Galega ou Arbequina.

O restaurante tem dois menus à disposição: Menu do Chef com oito momentos (135€ e suplemento de vinhos a 50€), ou Menu de Lemos com seis momentos (105€ com suplemento de vinhos de 30€). Ambos são acompanhados com o portefólio de vinhos da própria quinta. Vamos pelo segundo. O que vamos descobrir depois, é que além dos seis momentos, há três entradas extra. Portanto, apesar das doses pouco generosas pelas quais estes restaurantes são conhecidos, mas impecavelmente empratadas, fome é coisa que não vai passar. Muito pelo contrário.

Chegados ao Edifício de Lemos, desenhado pelo arquiteto Carvalho Araújo e que se enquadra na paisagem granítica, não nos falta lugares onde perder a vista, tanto fora, como dentro graças às grandes vidraças onde vislumbramos a vinha, e ao projeto de design de Nini Andrade Silva, complementado com as peças de cerâmica de Geraldine.

A música ambiente – um piano que se repete - enche a grande sala de linhas retas com vista para a cozinha (literalmente) aberta que nos acompanha numa refeição com um nível de detalhe muito diferente do que estamos habituados.

Começamos precisamente com uma infusão quente de rosmaninho para lavar as mãos numa toalha que repousa no acrílico que colocam à nossa frente, que recria a região vinhateira onde nos encontramos, o Dão.

Os empregados começam por nos servir, numa dança sincronizada de pratos que começam a chegar à mesa. Silêncio, que se vai explicar o primeiro momento. “Este primeiro momento é de couve-flor, um produto da nossa quinta”, dizem-nos. Trata-se de nove variações de couve-flor que tanto está em tártaro, salada, sopa, gelado ou tartelete. Sem ordem específica, é desfrutar à nossa vontade. Assim fazemos.

O segundo momento tem como protagonista o espadarte, numa peça que se divide em três níveis, com três formas diferentes de confeção e apresentação deste peixe. Num terceiro momento chega-nos uma tartelete com um peixe do rio. Neste ponto convidam-nos a adivinhar que peixe é. Ninguém acerta em enguia por se distanciar bastante daquilo que percecionamos ser um prato com este alimento. Depois deste momento temos a oportunidade de provar broa de milho e pão de fermentação natural, feitos no restaurante, com manteiga da ilha do Pico, flor de sal da Figueira da Foz e azeite Quinta de Lemos.

Se pensa que vamos a meio da refeição, engana-se. Agora é que vai começar. O menu de degustação arranca com raia de Aveiro, servida numa cama de espinafres. Diogo Rocha deixa por momentos a cozinha para nos apresentar o prato que se segue: cachaço de bacalhau da Islândia, com nove meses de cura, uma seleção especial feita propositadamente para o Mesa de Lemos a pedido do chef.

Segue-se o peixe galo acompanhado de uma açorda de míscaros e couve de Bruxelas cultivada na quinta. O único momento dedicado à carne é cabrito da Serra do Caramulo acompanhado de cenoura, também da quinta, e salada de alface.

Acabados os pratos principais, começamos a caminhar para o fim a refeição com uma pré-sobremesa de gelado de requeijão da Serra da Estrela, com ananás dos Açores e kiwi. Fechamos com um doce à base de banana da Madeira, servido numa cerâmica que faz jus ao nome.

Restaurante Mesa de Lemos

Quinta de Lemos

Passos de Silgueiros, Viseu

Contactos: tel. 961 158 503; e-mail reservas@mesadelemos.com

Entre pratos, o chef Diogo Rocha abeira-se das mesas, para perceber se está tudo conforme. No final da refeição, volta a fazer a mesma ronda, demorando-se na conversa. Talvez seja esta uma das grandes vantagens de haver um restaurante deste gabarito fora da loucura da cidade: há tempo para se fazer, para se estar, para deixar acontecer.

Diogo Rocha senta-se connosco à mesa, a conversa flui. Falamos do restaurante, da filosofia da empresa, de alimentação e de produtos. “Há uma coisa que fazemos: não discutimos preço”, afirma. “Se é difícil ir buscar percebes às Berlengas, eles não têm de ser baratos. As pessoas arriscam mesmo a vida”, evidencia. A noite vai longa, é hora de dar por terminada a refeição. E que refeição.

O SAPO Lifestyle esteve no Mesa de Lemos a convite do restaurante.