A alimentação é mais do que o ato de ingerirmos nutrientes essenciais à vida. Estar à mesa é, também, convivialidade e prazer. Mais, “a forma como comemos tem impacto nas questões da sustentabilidade”. Com esta frase, a nutricionista e docente Cláudia Viegas dá o mote para uma questão premente nos nossos dias: As escolhas alimentares das famílias e a sustentabilidade do planeta e do ser humano.

“Há muito que a revista The Lancet, apontou os três fenómenos cruciais com um impacto brutal sobre o futuro do planeta e das pessoas”. De acordo com a docente, um trio que se prende com a “malnutrição, sob duas formas, a desnutrição e a obesidade, a que se acrescem as alterações climáticas”.

“A malnutrição é, neste momento, a maior causa de perda de saúde em todo o mundo, seja por via da falta de alimentos, seja por via do consumo excessivo de alimentos de baixo valor nutricional”, sustenta a nutricionista.

Para Cláudia Viegas, “as alterações climáticas vão levar à produção de alimentos com menor conteúdo nutricional, diminuição da produção de alimentos o que vai encarecer o preço dos produtos”. Um caminho que “reforçará, quer a insegurança alimentar, quer a desnutrição, assim como o desvio para o consumo de alimentos processados, de elevada densidade energética”. Deste último caso podemos concluir, de acordo com a nutricionista, que “vai sair reforçado o fenómeno da obesidade”.

“Na alimentação, há uma tempestade perfeita a formar-se. Chama-se sindemia, uma sinergia de epidemias, pois os três fenómenos que elenquei ocorrem em simultâneo no tempo e no espaço”, adianta Cláudia Viegas

É uma arma para o nosso planeta todo o processo industrial por detrás da produção

“É uma arma para o nosso planeta todo o processo industrial que está por detrás da produção. A agricultura representa 15 a 23% da emissão de gases com efeito de estufa. Contudo, nesta, 12 a 19% prende-se com a produção animal”, refere a docente.

“A nossa alimentação assenta, hoje, no consumo exagerado de carne. Muito além daquilo que é admissível, com 180 a 200 gramas por refeição. Um requisito por parte do público que entende que uma grande dose de carne é uma refeição bem servida. Por exemplo, o que preocupa as famílias é que à refeição a criança coma a cara até ao fim. Não temos a mesma perceção em relação aos hortícolas”.

No que respeita à restauração Cláudia Viegas deixa uma sugestão: “As ementas ao invés de destacarem a carne ou o peixe, os refira como acompanhamentos. Aliás, chamemos-lhes isso mesmo, acompanhamentos, porque não são o componente principal, o mais importante”.

A obesidade, um grande problema

No que respeita à obesidade, “um grande problema mundial”, as recomendações da Organização Mundial da Saúde “chegam-nos desde há mais de 30 anos. Todos os países aderem. Mas, na realidade, não há mudanças que sejam consideráveis e significativas”, sustenta Cláudia, para quem “há vários motivos para que isso aconteça e, algo com um peso muito forte, a oposição por parte daqueles que são os interesses comerciais e económicos”.

Somos um público pouco exigente ou pouco consciente do impacto que a alimentação tem nas nossas vidas.

“Todos nos lembramos da polémica em torno da lei que procurava regular o conteúdo do sal dos alimentos e que acabou chumbada pela pressão dos grupos económicos. São muito poucas, mas muito poderosas as empresas que gerem grande parte daquilo que temos disponível no mercado”.

Para a docente na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, “somos um público pouco exigente ou pouco consciente do impacto que a alimentação tem nas nossas vidas. Adultos e crianças têm cada vez menos literacia sobre aquilo que comemos, estando a perder-se a ligação entre o que nos aparece no prato e a origem do alimento”.

Neste âmbito, a nutricionista não poupa a indústria alimentar: “Passa-nos a ideia de que uma fruta e a congénere sob a forma bebível, em pacote, são a mesma coisa. Não o são, nem do ponto de vista nutricional, nem do ponto de vista do impacto sobre o planeta, ou mesmo naquilo que se entende sobre o que é um alimento”.