Em 1984, a banda escocesa Lloyd Cole and the Commotions animava os tabelas mundiais de música com a canção "Are You Ready to Be Heartbroken". Tem a música destas coisas, faz viagem desde as nossas memórias remotas para se fazer presente quando por ela não esperamos. No caso presente, não estava programado que Lloyd Cole viajasse dos idos de 1980 para a mesa do restaurante Eleven, em Lisboa. Para mais, vindo o senhor e a sua banda à boleia de uma sobremesa com assinatura do chefe de cozinha Vítor Dias, mentor da mesa do restaurante conimbricense Arcadas, instalado no hotel histórico Quinta das Lágrimas. Mas aconteceu. Mal o prato tocou na mesa com o convite para quebrarmos, à colherada, o voluptuoso coração de maracujá, coco e chocolate branco, deu-se a magia da associação de mais um coração quebrado (há tantos) aos nossos amigos escoceses.
A mesa é isto mesmo; ligações. Não apenas as que o palato nos dá ao dizer-nos é doce (no caso vertente é), salgado, amargo ou picante, mas também a possibilidade de engendrarmos histórias e memórias pessoais a partir do elenco que temos à mesa. Isso mesmo recordou Miguel Júdice, proprietário da Quinta das Lágrimas, à mesa de apresentação, em Lisboa, da carta de inverno do restaurante Arcadas. “Os pratos trazem uma encenação. Há uma dimensão lúdica, uma história que se quer contar”. Nós comprovámos com o enredo tecido nos seis momentos de degustação que o Arcadas, casa premiada, trouxe na bagagem de apresentação a Lisboa. Meia dúzia de sugestões que vertem da novíssima carta de inverno, mas também do sazonal menu para o Dia de São Valentim, ou dos Namorados, preferindo-se a alusão mais pitoresca, assim como uma dupla de pratos do menu especial para o mês de fevereiro, o “Experiências” (um dos três menus de degustação do restaurante).
Independentemente da cartilha de onde vertem as sugestões do chefe Vítor Dias, a sua assinatura está presente em todos os pratos e percebe-se que quer contar histórias. Um exemplo, na ostra e champanhe que tocou na mesa como amuse-bouche e onde não faltou uma pérola que, na realidade, não o é, antes uma “gota” recheada de doce sabor que nos explode na boca à primeira trincadela.
Do elenco do almoço que fez prova da ligação do Arcadas aos produtos da região onde está instalado, um bacalhau, sames, azeite e salsifis, com o “fiel amigo” a recordar-nos que Ílhavo e a sua tradição bacalhoeira está próximo (visite-se aí o Museu do Bacalhau), ou que o leitão também faz as honras na mesa da região. Neste caso, da carta do Arcadas chegou-nos em sorte uma barriga de leitão com pastinaca, frutos vermelhos e molho “baga”.
Uma degustação que não deixou ao abandono uma sopa seca de tamboril e agrião, como entrada, e um lavagante, laranja, espadarte em sopa de salicórnias (um outro recurso local, saído dos ambientes salinos) e gengibre.
Vítor Dias faz prova da sua ligação aos produtos locais e à proximidade de alguns dos ingredientes usados que chegam à cozinha do restaurante depois de uma curta viagem dentro dos 12 hectares de área da Quinta das Lágrimas. No palácio do século XVIII o pomar é generoso e oferece um jardim de cheiros, laranjas limões e abacates. Framboesas e agriões selvagens crescem de forma rebelde na propriedade.
A embaixada lisboeta do Arcadas trouxe, ainda, referências vínicas em harmonização com os pratos. Champanhe Pommery, Soalheiro Alvarinho 2018, Pedro e Inês Branco 2019, Espumante Quinta do Poço Lobo e Porto Rozès White Reserve, a recordarem-nos que a garrafeira do restaurante é bem nutrida no que toca a prazeres báquicos.
Contas feitas, os diferentes menus apresentados no Arcadas contemplam dezenas de propostas. Para pedido à la carte os clientes encontram no cardápio seis entradas, quatro pratos de peixe e quatro de carne, um prato vegetariano e quatro propostas de sobremesa, complementadas pela seleção de queijos. À laia de exemplo, citem-se a salada da Quinta das Lágrimas e gelado de figo, o ovo biológico de galinha a baixa temperatura, queijo do rabaçal dop e creme de castanha, d´o arroz rico de peixes e o carabineiro, a chanfana com os cuscos de Trás-os-Montes ou o pato maturado por 12 dias, emulsão de manga, diospiro e cogumelos.
O comensal vai, ainda, encontrar à mesa do Arcadas os menus temáticos “Pedro & Inês” (85,00 euros), “Arcadas” (120,00 euros) e o sazonal “Experiências” (60,00 euros). Por seu turno, o preço médio da refeição no menu À la Carte ronda os 55,00 euros por pessoa.
Independentemente da escolha ninguém negará que o pós refeição na Quinta das Lágrimas subtrai espaço a quem gostar de digestões acompanhadas de uma caminhada. E, quem sabe, o périplo pêlos jardins não se faça ao ritmo de "Are You Ready to Be Heartbroken".
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