António Marrare, napolitano de berço, embora haja quem o tenha galego, aportava a Lisboa em finais do século XVIII. Dono de vários estabelecimentos, havia de ser no “Marrare das Sete Portas”, na Baixa da capital, que criaria o bife que lhe daria a posteridade. Uma homenagem do transalpino à simplicidade, provando que partindo de meia dúzia de ingredientes podemos fazer história.

Um prato que ganhou lugar cativo no elenco gastronómico da nossa capital e que encontra aconchego, em jeito de recriação, na carta de estreia da nova casa de comeres instalada no Terreiro do Paço, lugar de vista privilegiada sobre a velha Lisboa encostada ao castelo e aquela outra, que Sebastião de Carvalho e Melo havia de engendrar nos idos setecentistas. Casa Lisboa é a nova morada do chefe Luís Gaspar que, não abandonando um seu outro lar uns quantos quarteirões a poente, a Sala de Corte (por hora, prestes a reabrir), se lança num projeto de boa amplitude culinária.

Casa Lisboa
Casa Lisboa Bacalhau à Brás com gema confitada.

Desengane-se quem vê nos termos Casa Lisboa um compromisso vinculado apenas aos comeres da urbe à beira Tejo. Gaspar, o nosso Chefe Cozinheiro do Ano em 2017, olha para a capital e vê-lhe o destino de ser pouso das gentes de todos os quadrantes lusos.

Um périplo do olhar pelas perto de 20 sugestões, entre entradas, saladas, vegetarianos, carnes e peixes, desta Casa Lisboa, faz-nos prova disso mesmo, de um país de comeres e bom produto aqui sentado à mesa. Veja-se, então, num relance, esta voltinha nacional: nas entradas, uma Tábua de Presunto de Porco Bísaro (transmontano) e Copita Ibérica; umas Amêijoas (da algarvia Ria Formosa) à Bulhão Pato. Nos principais, um Leitão assado, à moda da Bairrada; um Hambúrguer de carne de raça minhota. Nas saladas, um Atum braseado, a recordar-nos a frescura do mar dos Açores.

casa lisboa
casa lisboa Amêijoas à Bulhão Pato

É o próprio Luís Gaspar, nascido em Leiria há 27 anos, que explica à reportagem do SAPO Lifestyle, o que lhe traz como inspiração a carta que agora degustamos: “Só trago para as cartas aquilo que gosto de comer. Ao desenvolver o conceito para esta Casa Lisboa ocorreram-me de imediato alguns pratos, como o Leitão e o Arroz de pato e o bacalhau”. Alguns inevitáveis nas memórias lusas que, de acordo com o Gaspar, são um elemento [as memórias] incontornável na sua veia culinária. “Gosto de uma cozinha que mergulha no nosso imaginário coletivo, nos bons produtos que temos e nos pratos que, fazendo parte da nossa tradição gastronómica, têm cabimento numa casa como esta”.

Lisboa: Chefe Luís Gaspar tem novo restaurante e presta homenagem à cozinha portuguesa
Lisboa: Chefe Luís Gaspar tem novo restaurante e presta homenagem à cozinha portuguesa Chefe Luís Gaspar.

Sem desprimor para a tradição, respeitando-a na confeção, Luís Gaspar, sempre que possível engendra-lhes uma nova cara, com a aplicação de novas técnicas ao elenco clássico. O que não invalida que mantenham estas propostas aquela feição petisqueira transversal aos gostos de diferentes gerações.

Como recusar um Pica-pau de carne de novilho, com um picadinho de pickles caseiros e mostarda em grão (18,00 euros)? Obriga-nos à irreprimível ação de lhe intrometer uns nacos de pão ainda fumegando, para absorver todas aquelas delicias que são mistura de carne, de vegetais avinagrados e de molho espesso. Uns pãezinhos que nos chegam à mesa ainda quentes, num saquinho de papel.

casa lisboa
casa lisboa Leitão assado com puré de batata doce e coração de alface na brasa.

E como recusar um uns Peixinhos da Horta (8,00 euros)? Polme de um estaladiço viciante, seco e solto, com um muito eficaz travo a fumado que depois se envolve com o feijão verde tenro. Isto para finalmente mergulhar no molho tártaro.

Praça do Comércio 9 – 12, Ala Poente, Lisboa
Horário: Todos os dias, das 12h00 às 24h00
Contactos: Tel.: 213 470 871; E-mail: casalisboa@restaurantecasalisboa.pt

Ou umas Amêijoas à Bulhão Pato (18,00 euros)? das muito bem nutridas, carnudas, nada de secura, com um molho de travo a limão e coentro, mas que não deixa morrer o bivalve no tachinho.

Um rol que nesta nossa visita à Casa Lisboa, sob as arcadas do Terreiro do Paço, inclui um elenco de Leitão assado com puré de batata doce e coração de alface assado na brasa (16,00 euros) e um Bacalhau à Brás com gema confitada (16,00 euros). No caso do bácoro, de pele estaladiça, bem barrada de condimentos, soltando-se da carne macia, desfiando-se sem emborrachar. No que respeita ao fiel companheiro do Atlântico Norte, um Brás que ganha com a maciez do ovo e que contorna os empastelamentos de mastigação de alguns congéneres por aí servidos.

Luís Gaspar , o Chefe Cozinheiro do Ano 2017 tem agora a Casa Lisboa
Luís Gaspar , o Chefe Cozinheiro do Ano 2017 tem agora a Casa Lisboa

Ainda sob as vagas atlânticas, um Polvo na brasa com batata a murro e broa crocante (16,00 euros), a recordar-nos que ainda há esperança no que toca a bem tratar este molusco marinho, que exige tenrura à mesa, ao invés do tratamento emborrachado que lhe cai muitas vezes em destino.

casa lisboa
casa lisboa

Havendo disposição, faça-se a rematar a contenda à mesa, uma viagem à carta de sobremesas. Dois destaques, o Ananás dos Açores na brasa, depois de maturar na doçura do vinho Moscatel (6,00 euros) e o Pudim do Abade de Priscos com gelado de limão e tomilho-limão (6,00 euros). Ambas as propostas com sugestão de casamento com sabores vínicos. No caso do ananás com um Madeira Barbeito, 10 anos Sercial (12,00 euros). No que respeita ao Pudim, um Moscatel Roxo José Maria da Fonseca (8,00 euros).

Já que se aponta aos vinhos, de sublinhar que não sendo, neste âmbito, a carta de banda larga, traz-nos interessantes propostas de diferentes regiões vínicas e uma bem nutrida ementa de cocktails de autor com e sem álcool, assim como clássicos.

casa lisboa
casa lisboa Ananás dos Açores na brasa.

Uma casa que, na feição, não foge ao contexto e à história do lugar. No restaurante, com intervenção do arquiteto Tiago Silva Dias, são usados materiais de estilo Pombalino, como o lambril em azulejo, a pedra lioz, o ferro pintado em verde-escuro, predominando o uso de madeiras, cobres e mesas de tampos em pedra.

Uma casa portuguesa com certeza mas com muito pouco de acanhado. Contas feitas, esta Casa Lisboa soma mais de 230 lugares na esplanada e perto de 50 dentro de portas, em dois andares.