O início da carreira entre França e Itália

Valentino Clemente Ludovico Garavani nasceu a 11 de maio de 1932 na cidade de Voghera, na região da Lombardia. Estudou Ilustração de Moda em Milão e aos 17 anos mudou-se para Paris onde estudou na École des Beaux-Arts e na Chambre Syndicale de la Couture Parisienne.

Jean Dessès, que o contratou como seu assistente, foi um dos primeiros estilistas com quem teve a oportunidade de trabalhar. Durante esse período da sua carreira Valentino conheceu Guy Laroche, com quem veio a trabalhar durante dois anos até voltar para Itália, em 1959, para concretizar o seu grande sonho: abrir a sua maison de alta costura.

Com o investimento financeiro da família, o estilista montou o seu atelier e a sua primeira loja na Via Condotti, em Roma, mas a verdade é que nem tudo correu como esperado para o jovem designer apaixonado pela arte de bem vestir e do glamour das estrelas de cinema. À beira da falência, foi com ajuda de Giancarlo Giammetti – que viria a tornar-se no seu braço direito, amante e amigo – que Valentino começou do zero.

Giancarlo Giammetti, uma figura fulcral na história da maison Valentino

Os caminhos de Giammetti, na altura com 18 anos, e de Valentino, com 24, cruzaram-se numa noite de verão num café na Via Veneto em Roma. “Tinha a minha mesa sempre lá e estava à espera que o clube noturno, chamado Il Pipistrello, abrisse. O café estava com tanta gente que três rapazes perguntaram-me: ‘Podemos partilhar a mesa contigo?’ E um deles era o enfant prodige do mundo da moda, chamado Valentino”, recordou Giammetti sobre o momento em que conheceu o jovem estilista e desistiu da arquitetura para se aventurar num universo sobre o qual não sabia nada, o mundo moda.

Foi em 1960 que os dois sócios decidiram relançar a maison onde cada um tinha funções bastantes distintas: Valentino iria dedicar-se ao design das coleções e Giammetti iria focar-se na gestão empresarial. “Eu era um desastre nos negócios. […] Durante a minha vida só fui capaz de desenhar, fazer provas, escolher materiais e cuidar da vertente da moda. Ele começou como o meu braço direito […] focado na vertente dos negócios, da publicidade, das campanhas”, explicou Valentino sobre esta relação profissional – que durante alguns anos evoluiu para uma relação amorosa – em entrevista ao programa Charlie Rose, em 2009. “O Giancarlo deixou-me fazer tudo o que eu quis.”

Apesar dos desafios que sentiu enquanto jovem empresário – derivado ao facto de a moda estar a transformar-se num negócio –, Giammetti conseguiu contribuir de forma inovadora para o sucesso da maison. “Também fui capaz de criar novos aspetos de moda: não havia publicidade. Nunca havia um anúncio com uma história, com manequins importantes, feito por um fotógrafo. E acho que fui o primeiro a fazê-lo. Mesmo os desfiles não eram como atualmente. Havia raparigas na passerelle com placas com números e nós mudamos tudo. Conhecemos um coreógrafo que punha música durante o desfile e isso tornou o design mais interessante. Essa é a diferença entre mim e o management que é feito atualmente”, referiu o co-fundador da marca.

O lançamento da famosa White Collection e a febre da logomania

A década de 1960 foi extremamente importante para a carreira de Valentino. Em 1962, realizou o seu primeiro desfile de Alta Costura no Palácio Pitti, em Florença, na icónica Sala Bianca. De acordo com o site oficial do Valentino Garavani Museum, a sua coleção conquistou os compradores estrangeiros, sendo que “a grande cobertura dos seus desfiles fez com que o seu nome fosse posto ao mesmo nível das figuras da alta-costura.”

Alguns anos mais tarde, em 1968, lançou aquela que, nas suas palavras, foi uma coleção que, apesar de arriscada, foi muito importante na sua trajetória enquanto designer: a White Collection. Composta por looks monocromáticos em diversos tons de branco, foi nesta coleção que apresentou pela primeira vez o seu logótipo, o icónico V, sendo um dos pioneiros da febre da logomania.

“Ele sempre trabalhou o ‘V’ gráfico de Valentino nas suas roupas, criando um padrão monogramado tonal ou adicionando uma pequena ferragem em forma de ‘V’ num casaco. Nunca foi de estampar o seu nome numa t-shirt apenas porque sim. Quando aparecia um ‘V’, era como uma piscadela – uma costura em forma de ‘V’ cosida num casaco do fato vermelho que Jackie Kennedy usou conjugado com uma mala crocodilo Valentino com uma subtil ferragem em forma de ‘V’”, refere o site.

Jaqueline Kennedy – que era uma grande fã da marca – foi responsável por levar o nome Valentino além-fronteiras. Após a morte de John F. Kennedy, a ex-primeira-dama tornou-se cliente do estilista, usando muitas das suas criações no dia a dia e em ocasiões especiais. Para o seu casamento com Aristotle Onassis, que teve lugar em outubro de 1968, elegeu um dos vestidos da White Collection. “Ela tinha-me encomendado o seu guarda-roupa em março desse ano, e eu sabia que o casamento estava perto, mas não lhe perguntei quando se ia casar – era uma pergunta demasiado íntima – e não sabia aquilo que ia usar”, revelou em entrevista ao site Women’s Wear Daily em 2012 sobre o enlace e amizade com Jackie O.

O fascínio pelo vermelho e a criação do prêt-à-porter

Para Valentino, que sempre gostou de trabalhar com materiais suaves e nunca deu ouvido às críticas, o grande trunfo de qualquer designer deve ser a sua originalidade. Ao longo da sua carreira ficou conhecido pelo vermelho, cor que fez sempre questão de integrar nos seus desfiles. O fascínio por este tom – batizado de ‘Vermelho Valentino’ e que até deu origem a uma das suas linhas de roupa – começou durante a adolescência após assistir a um espetáculo de ópera em Barcelona. “Os espanhóis adoram vermelho e naquele momento disse para mim mesmo: o dia em que começar a trabalhar – sendo que o meu sonho era tornar-me designer e ser conhecido – o vermelho vai ser a minha cor da sorte. Acho que é uma cor que combina com toda a gente. Acredite ou não, quando está numa festa e vê todas aquelas mulheres – agora cerca 40% das mulheres vestem-se de preto – e vê duas mulheres vestidas de vermelho a entrar sente-se uma grande alegria no coração porque estão sensacionais. É uma cor feliz”, disse em 2009.

Foi durante a década de 1970 que Valentino abriu a sua primeira loja em Nova Iorque e se começou a verificar uma mudança na indústria da moda, com as peças de alta-costura a serem preteridas em favor do prêt-à-porter. “Nós inventámos o prêt-à-porter. Em 1974 não havia prêt-à-porter ou segunda linha de roupa. Era tudo alta-costura ou feito por costureiras. Nós começámos a fazer algumas roupas e lembro-me que tínhamos um casaco e as pessoas [buyers] dos Estados Unidos perguntavam ‘Podem fabricar 100 unidades?’ […] Este também foi o início do ready-to-wear e sentimos que a alta-costura e as três mudas de roupa ao dia não iam sobreviver e começamos a fazer ready-to-wear”, disse Giancarlo Giammetti sobre Valentino que, em 1975, foi dos primeiros nomes a apresentar as suas coleções prêt-à-porter durante a Semana da Moda de Paris.

Em 1998, a marca decidiu vendar a empresa, que até à altura sempre foi um negócio familiar, a um conglomerado de moda italiano por cerca de 300 milhões de doláres, tendo assumido a sua direção até 2008, ano em que Valentino anunciou que se ia retirar do mundo da moda.

A despedida da moda e a vida após a reforma

O seu desfile de despedida teve lugar a 27 de janeiro de 2008, no Museu Rodin, em Paris, onde apresentou a sua última coleção de alta-costura. Foi perante uma passerelle cheia de musas e uma plateia repleta de amigos e admiradores que Valentino se despediu do mundo da moda terminando o seu desfile com a sua cor de eleição: o vermelho.

“Eu parei porque, a certa altura, queria viver uma vida diferente. Queria tomar conta de outras coisas. […] Hoje posso dizer-lhe que estou feliz por ter parado no momento certo, isto porque passado seis meses começou a recessão”, disse em entrevista ao programa Charlie Rose, em março de 2009, a propósito do lançamento do seu filme ‘Valentino: The Last Emperor”. O documentário, produzido pelo correspondente da Vanity Fair, Matt Tyrnauer, ao longo de dois anos, explora a fascinante vida, carreira e relação entre Valentino e de Giancarlo Giammetti.

Idealizado por Giancarlo Giammetti, em 2011, é lançado o Valentino Garavani Virtual Museum, um museu virtual onde os utilizadores podem explorar a história da marca e ainda ter acesso a vestidos, esboços, campanhas e editoriais.

Como forma de celebrar a sua trajetória no mundo da moda, a Sommerset House, em Londres, dedicou uma exposição a Valentino que reuniu algumas das criações mais importantes da sua carreira. “Para mim foi muito importante conseguir transmitir a essência de feminilidade, de glamour e de haute couture, de perfeição. O vestido é como uma escultura que é feita no corpo da mulher”, disse durante a inauguração de "Valentino: Master of Couture" em 2012. “Chama-se couture porque nada é feito com recurso a máquinas. Para um desginer que cria couture ele tem de, automaticamente, usar os materiais mais bonitos e pensar muito nas mulheres porque os vestidos vão ser muito caros portanto têm de ser tratados como joias.”

Apesar de se ter reformado, Valentino aproveitou os últimos anos para viajar, passar tempo com os seus cinco cães – todos da raça pug – e cumprir alguns dos projetos de sonho. Um deles concretizou-se em 2016, ao criar os figurinos para a ópera ‘La Traviata’, de Verdi. Juntamente com Giancarlo Giammetti, os sócios financiaram a produção deste espetáculo, dirigido por Sofia Coppola, e que esteve em cena no Teatre dell’Opera di Roma. Recorde-se que esta não foi a primeira vez que Valentino esteve envolvido na criação do guarda-roupa deste tipo de espetáculos: em 2009, desenhou os figurinos para o Paris Opera Ballet e, em 2012, para o The New York City Ballet.

Ao longo da sua carreira recebeu diversas distinções, destacando-se o Neiman Marcus Awards (1967), considerado um dos mais prestigiados galardões da moda, a Legion d'Honneur (2006), entregue pelo então presidente francês Jacques Chirac e mais recentemente o Golden Plate Award (2017).

Mas o que diz Valentino sobre o reconhecimento mundial que obteve ao longo da sua carreira enquanto designer? "Sempre aceitei com alegria todos os nomes e títulos que me foram atribuídos: o Rei, o Imperador, o Ícone. Eu sou o Valentino. Vivo no meu mundo. A minha vida não mudou, sempre foi a mesma. Sou o mesmo que era há muitos anos, a mesma pessoa. Adoro criar roupas, adoro coisas bonitas, adoro casas bonitas, adoro entreter. Se me querem chamar de ícone, tudo bem, então sou um ícone", confidenciou em entrevista ao site The Talks, em 2011.