Quando colocamos um produto na superfície da pele, este depara-se com numerosos obstáculos que impedem ou dificultam a sua entrada, mas os avanços das investigações a este nível permitem que os ativos dos produtos cheguem onde são necessários.

A nossa pele é o órgão de fronteira com o meio exterior. Entre outras funções, ela tem a importante tarefa de nos proteger das invasões dos agentes patológicos. Ela não sabe se um determinado produto que colocámos na sua superfície é benéfico ou se, por exemplo, é a invasão de um fungo, mantendo assim as suas defesas no máximo.

O seu primeiro mecanismo de defesa é a barreira hidrolipídica, formada por uma emulsão rica em sebo cutâneo (contém 20% de colesterol, diversos glicerídeos e ácidos gordos livres), elementos ácidos da queratina e ainda ácido láctico e ácidos dicarboxílicos provenientes das glândulas sudoríparas. Este filme apresenta- se como se fosse uma parede de tijolos em que as células queratinizadas se sobrepõem de modo desencontrado, bem aderidas umas às outras por ligações feitas com pequenas fibrilas, e consolidadas pelo cimento intracelular.

Se esta dificuldade também for transposta, o produto ainda tem a camada germinativa da epiderme para passar. Logo que estas barreiras sejam vencidas, a substância atinge os tecidos subjacentes. As melhor absorvidas são lipossolúveis e um pouco hidrossolúveis, sendo estas duas as condições mais importantes para a penetração cutânea.

Efetivamente, qualquer substância que chegue a vencer o obstáculo constituído pelo sebo existente no folículo terá fortes probabilidades de atingir a derme, manter-se aí ou, por via retrógrada, passar para a epiderme. Quando são utilizados meios físicos ou químicos que auxiliem o processo, também é a nível do aparelho pilo-sebáceo que se verifica uma maior penetração.

Permeabilidade cutânea

Existem dois fatores que são preponderantes na absorção cutânea: o estado da pele e a idade do indivíduo. Se existe uma alteração devido a alguma patologia (por ex. dermatose), as propriedades da camada córnea são alteradas e a penetração das substâncias pode ser aumentada ou diminuída.

A permeabilidade cutânea vai diminuindo com o avançar da idade. Nos recém-nascidos de 40 semanas, a epiderme e os anexos cutâneos apresentam desenvolvimento completo, não havendo diferença significativa na absorção cutânea da criança ou do adulto. Já os recém-nascidos prematuros, principalmente os que nasceram antes das 32 semanas, possuem uma pele imatura incapaz de exercer o seu papel de barreira, resultando num aumento das perdas de água e calor absorvendo quase tudo o que entre em contacto com a sua superfície, comprometendo a sua sobrevivência.

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Todos estes fatores são ponderados quando os cosméticos e os medicamentos de absorção percutânea são formulados. Identifica-se a população alvo (criança, adulto, saudável ou com necessidade da medicação) e decide-se a forma de aplicação mais adequada em relação ao objetivo pretendido.

Facilitar a absorção

A absorção cutânea pressupõe assim a penetração duma substância do meio exterior, através da pele, para o interior do organismo. Mas esta absorção depende não só da natureza das substâncias que pretendemos introduzir no organismo, como também do suporte em que vão dissolvidas.

Substâncias que normalmente não são absorvidas pela pele, podem ser "obrigadas" a penetrá-la por processos especiais. Para ultrapassar o primeiro obstáculo, a barreira hidrolipídica, o mais fácil é retirá-la. E como? Utilizando previamente um desengordurante como os desmaquilhantes ou o gel de limpeza. Na composição do produto pode também existir um solvente.

De um modo geral, os excipientes de óleos com origem animal são dotados de maior poder de penetração cutânea do que os de natureza vegetal e estes, por sua vez, mais do que os minerais. No entanto, o ácido oleico e os hidrocarbonetos em elevada concentração formam bolsas no manto hidrolipídico em que as fases se separam, criando "poros" pelos quais as moléculas polares têm um acesso fácil à epiderme. Ao usarmos a ionização do produto vamos conseguir desorganizar esta barreira e alterar o seu pH. Com o aumento da transpiração, o equilíbrio do filme hidrolipídico deixa de existir, permitindo uma maior absorção.

Em relação ao estrato córneo, são necessárias técnicas mais elaboradas para o conseguirmos ultrapassar. As células queratinizadas encontram-se rígidas, pois o seu conteúdo hídrico é relativamente pequeno, representando 7 a 20% da quantidade total da água da pele, sendo por isso muito difíceis de contornar. Se aumentarmos a hidratação da zona conseguimos que as células fiquem mais maleáveis e menos aderidas umas às outras, promovendo um maior espaçamento intercelular e permitindo que os compostos passem.

Isto consegue-se com pensos e filmes oclusivos, aplicação de vapor e adição ao produto da enzima hialuronidase responsável pela formação do ácido hialurónico, que aumenta a retenção de água (nas pomadas antiinflamatórias existem inibidores da hialuronidase). Os ultrassons e a passagem de corrente contínua também vão afastar as células queratinizadas.

As formas de aplicação do cosmético têm influência nos resultados, poderá ser apenas espalhar ou massajar, deixar em pose ou ainda com oclusão. Ao massajar um produto sobre a superfície da pele estamos a libertar os poros de algum sebo, o que auxilia um pouco a penetração das substâncias. A oclusão do produto sobre a pele aumenta a sua absorção, provoca o aumento de temperatura e consequente perspiração.

A hidratação das células córneas aumenta permitindo uma melhor deslocação dos princípios, evitando que os mesmos evaporem para a atmosfera. Para o conseguir podem ser utilizados meios diferentes do produto como: pensos, película plástica e máscaras oclusivas, ou que a substância tenha na sua composição um filme molecular de monocamada, formando uma película oclusiva sobre a pele.

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Nos medicamentos tópicos é comum usar-se derivados da vaselina obtendo-se um efeito idêntico. Se o fabricante específica a utilização de corrente galvânica pressupõe-se que o produto está otimizado para isso. O resultado da ionização consiste em provocar um fluxo contínuo de eletrões, que vão arrastar as moléculas para o interior da pele. Este método é muito eficaz, tendo sido demonstrado cientificamente que a capacidade de passagem poderia ser aumentada até 10 vezes.

Composição do produto

Pelo que vimos até aqui podemos deduzir que um cosmético é composto por uma substância ativa e um suporte que é o excipiente. Nesta combinação reside o sucesso do produto. O conjunto deve ter uma carga elétrica oposta à da nossa pele, para não se repelirem, ser lipófilo e um pouco hidrófilo para se poder homogeneizar com a película hidrolipídica da superfície, aumentando a possibilidade de ser absorvido mais facilmente (é o caso de alguns estrogénios e dos inseticidas organofosforados) e a manutenção ou reposição do pH, para que a pele mantenha as suas defesas.

A afinidade entre o excipiente e a substância ativa deve ser baixa, para permitir a libertação fácil do ativo, porque se for elevada o suporte irá manter o ativo no seu interior não o libertando, podendo por si só impedir que a substância chegue a penetrar. Em geral, quanto maior for a concentração do elemento específico mais elevada será a absorção.

De preferência, deverá ter um baixo ponto de fusão e baixa massa molecular. Apesar de serem tomadas todas estas medidas, continuam a existir substâncias que não penetram na pele, e a utilização de meios físicos (ex: correntes elétricas) só pode ser feita por profissionais.

Os investigadores ao depararem-se com a grande dificuldade de introduzir um produto, devido às suas características, idealizaram um veículo que o transportasse. Esta substância devia envolver o produto, ser compatível com as barreiras da pele para as poder atravessar, e libertar o ativo depois.

Surgem então os lipossomas. A partir daí, vários outros veículos surgiram, seguindo a mesma orientação de encapsular o ativo e entregá-lo no local desejado. Existem lipossomas com estrutura concêntrica que se encontram carregados positivamente, aderindo naturalmente à queratina que é negativa.

Há micro-cápsulas de gel que seguem a mesma orientação, mas como são maleáveis conseguem deslizar por entre as células córneas. As macro-cápsulas são estruturas gelatinosas que ao serem aplicadas rebentam e espalham-nas. Os polímeros funcionam como uma espécie de esponja com vários orifícios, caracterizados por absorver a oleosidade e pelas suas aberturas que podem libertar ativos.

Na elaboração de cosméticos todos os fatores são tidos em conta, para garantir que a função de absorção se realize.

Agradecimentos:
Ana Luísa Gonçalves, massagista de reabilitação, esteticista formadora; Prof. Doutor João José de Sousa, Faculdade de Farmácia de Coimbra