Vivemos hoje uma espécie de insatisfação
crónica instalada, que ultrapassa as
críticas que fazemos à sociedade em geral
e que sentimos também por nós mesmos
colocando à nossa vida fasquias cada vez
mais ambiciosas e, por vezes, pouco realistas. Neste processo, acabamos por incluir
aqueles com quem nos relacionamos,
tantas vezes culpando-os por não termos
conseguido alcançar o que desejamos.


Esquecemo-nos, amiúde, que nós
próprios somos parte do binómio eu-outros. Como tal, as causas da insatisfação
que sentimos em relação a eles devem
ser procuradas, em primeiro lugar,
em nós próprios. Numa metáfora consumista,
trata-se do «mercado da personalidade», como o definiu Erich Fromm
(1900–1980).

Em grande medida, sempre
que deixamos de gostar de um produto
ou de um serviço, no origem do
(des)gosto estão geralmente, não as características
do produto ou do serviço em
si, mas as nossas ideias, necessidades e desejos,
que mudaram entretanto. Uma vez que temos sempre um objectivo
a cumprir, transportamos esse modelo
para os nossos relacionamentos (de
amizade, familiares e amorosos).

Assim
sendo, casar, ter uma relação sólida, encontrar
a alma-gémea, apaixonar-se,
são objectivos que consideramos essenciais
para o nosso bem-estar. Esta necessidade é
vital: desde o nascimento, a experiência da
separação produz uma ansiedade geradora
de fragilidade existencial.

Em posse do
outro, o homem quebra o seu isolamento,
a sua separação, e, com isso, o mundo
exterior torna-se um lugar seguro para si.
No entanto, esta é uma forma não muito
correcta de tratarmos a procura do nosso
equilíbrio emocional no que respeita a
relacionamentos. Desde logo, porque consideramos,
a priori, que o nosso equilíbrio
provém de alguém ou de algo externo a
nós. Como tal, se o outro muda, se deixa
de ou se passa a, perdemos o pé.

Estamos a dizer «Sozinho não sou nada. Sem ti, não consigo». Quando deveríamos
estar a dizer «Sou inteiro, feliz e
equilibrado, comigo mesmo». Quando colocamos no outro a responsabilidade
de suprimir algo em nós, estamos
apenas a criar mais insatisfação para todos.
Como referiu Martin Heidegger (1889–1976), a resolução da maior parte dos problemas
do eu passa por conseguirmos reflectir
internamente sobre «aquilo que
respeita a cada um de nós, aqui e agora».

Ao contrário, consideramos que tudo
aquilo de que necessitamos nos pode ser
dado por eles, como se tivessem sido desenhados
à nossa medida. Tomar consciência
de que não é assim é um primeiro
grande passo para não sentirmos injustiça,
incompreensão e ausência de amor por
parte dos outros.

O segundo grande passo é deixar de
crer que podemos e até devemos mudar o
outro. Desde logo, porque nós não mudamos
ninguém e ninguém nos muda.
Respeitamos ou não as diferenças do outro. E o outro respeita ou não as nossas diferenças. Este respeito é bem diferente
de sentir medo pelo «outro». Trata-se de
ter respicere, isto é, de conseguir olhar e
sentir o outr» com a sua individualidade.

«O respeito implica a preocupação de
que a outra pessoa cresça e se desenvolva
tal como é. Implica a ausência de exploração»
(Erich Fromm), a ausência de condicionamento.
Brinque mais, ria mais, cuide mais,
perdoe mais, respeite mais, ame mais! Mas
lembre-se de começar por si.

Texto: Teresa Marta (mestre em Relação de Ajuda e consultora de Bem-estar)