Para o psicoterapeuta David Richo, a maioria das pessoas pensa que o amor é um sentimento, mas o amor não é tanto um sentimento, mas uma forma de estar presente. Como Ser um Adulto nas Relações (edição Nascente) oferece-nos uma nova perspetiva acerca do amor e dos relacionamentos, a tornarmo-nos pessoas mais realistas e amorosas, em vez de nos ajudar a encontrar o parceiro ideal.

De acordo com o autor, que parte do conceito de mindfulness, o amor adulto assenta num compromisso mútuo composto por cinco elementos que se iniciam com a letra “A”: Atenção ao momento presente; Aceitação de nós próprios e dos outros; Apreço por todas as nossas dádivas; Afeto demonstrado através da confiança e contacto respeitoso; Autorização para que a vida e o amor sejam tal como são.

“O amor é a possibilidade de possibilidades. O seu alcance mais distante está além de nós, independentemente de há quanto tempo ou de quanto amamos. Há algo de animado e corajoso em nós que nos permite entrar no labirinto do amor, por mais arriscado que seja. No entanto, todo o amor do mundo não nos vai trazer felicidade ou permitir que um relacionamento funcione. Tal requer perícia, e essa perícia é alcançável. A prática pode tornar-nos suficientemente ágeis para dançarmos juntos com graça, por mais tímidos ou desajeitados que possamos ser inicialmente”, lemos do autor na apresentação que faz ao livro. Da obra, publicamos o excerto abaixo.

Infidelidade

O paradigma convencional tem sido “se seguirmos as regras, então, merecemos um cônjuge fiel e um relacionamento estável”. Uma promessa destas gera uma prerrogativa. Alguém que sempre foi fiel terá muita dificuldade em lidar com o abandono ou a infidelidade. O seu ego sente‑se afrontado, desenvolvendo como possível consequência uma longa e frustrante amargura contra o parceiro ofensor: “Julguei que seria acarinhada para sempre, não abandonada por outra pessoa”. A dor mais profunda da infidelidade poderá atingir‑nos quando reconhecemos que “ele tem os cinco ‘A’ (atenção, aceitação, apreço, afeto e autorização) para dar, mas está a dá‑los a outra pessoa. Recebi‑os inicialmente e depois vi‑os desaparecer. Esperei que aqueles ‘A’ reaparecessem nele e, quando isso aconteceu, ele estava nos braços de outra pessoa”.

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A infidelidade é uma espécie de resumo do estado da união, que nos força a enfrentar a verdade sobre o nosso relacionamento. Os triângulos formam‑se na psique quando uma díade está com problemas, quando não queremos deixar o parceiro original, mas apenas tornar habitável o inviável. O terceiro ângulo pode assumir a forma de um amante adulto, uma crise, um vício, e assim por diante. Poderemos enfrentar a questão diádica sem criar outro ângulo?

A infidelidade é sempre uma questão mútua, não individual. Nem um dos parceiros é a vítima nem o outro é o carrasco. O caso não é a perturbação, mas um sintoma de perturbação. O “outro homem” ou a “outra mulher” não causa distância, mas está a ser usado para distanciar. A infidelidade parece apontar para o que falta ao nosso parceiro ofensor, mas, na verdade, pode revelar o que temos medo de mostrar — por exemplo, vulnerabilidade, ternura, jovialidade, generosidade, livre abandono no sexo. Um parceiro frustrado encontra outra pessoa para colonizar o espaço vazio, em vez de o resolver ou lamentá‑lo diretamente.

Arranjar um novo amante poderá ser a única forma de deixar um relacionamento para alguém que sente que não tem forças para sair por conta própria. Ou então pode ser uma forma de procurar satisfação em áreas de necessidade que parecem ser impossíveis de satisfazer no relacionamento principal. Posso satisfazer a minha necessidade de um ambiente íntimo com a minha mulher e a minha necessidade de excitação numa aventura. Posso satisfazer as minhas necessidades de dependência no casamento e as minhas necessidades de dominação numa aventura. Posso encontrar o espelhamento de um sentimento ou potencial num novo parceiro, que o meu parceiro atual não oferece. O novo parceiro também pode evocar o meu lado sombrio positivo: um potencial positivo oculto que, antes, pode ter permanecido inativo e por reconhecer.

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Embora a infidelidade possa ser uma medida extrema e ousada para tornar o relacionamento tolerável, quando aparentemente este se tornou insuportável e a intimidade se tornou impossível, aqueles que evitam a intimidade com o parceiro original provavelmente continuarão a evitá‑la com um novo parceiro. Além disso, o secretismo e as restrições de tempo que uma aventura impõe também tornam a intimidade impossível nesse relacionamento. Assim, em última análise, dois amantes são menos que um. Ninguém está a oferecer todo o seu ser em nenhum lado do triângulo. A infidelidade também traz à tona terrores de abandono no parceiro traído. Isto explica a sensação de impotência e dor que pode ser tão insuportável para quem fica para trás. A impotência, neste caso, significa a incapacidade de conseguirmos que alguém nos dê os cinco “A”, e é a nossa pista para questões da infância não resolvidas. É útil, nessa altura, desenvolver um trabalho terapêutico sobre a dor e os problemas que nos perseguiram durante toda a vida e que apresentam agora a sua fatura. Sentimos a infidelidade como uma metáfora do que aconteceu há muito tempo ou continua a acontecer — a perda ou ausência dos cinco “A”. Assim que percebemos que a nossa angústia não se deve literalmente ao nosso parceiro e à sua escolha de nos abandonar, estamos no rasto das nossas questões psicológicas de longa data que aguardam a nossa atenção e reclamam trabalho sobre nós próprios. Assim, a traição de um parceiro pode tornar‑se o trampolim para um verdadeiro crescimento.

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Numa crise de infidelidade ou separação, quando um parceiro faz algo significativo, como ir embora com outra pessoa, o outro poderá reagir de modo igualmente significativo, como envolver‑se também com um novo parceiro. É mais saudável quando algo importante leva a que olhemos de modo considerável para nós próprios e não a uma reação ou represália significativa. A retaliação é boa para o nosso ego, mas o reflexo de retaliar é um sinal de que a verdadeira dor está a ser varrida para debaixo do tapete. Além disso, um novo relacionamento não pode começar bem quando o utilizamos para nos distrairmos da nossa necessidade de fazer o luto. Uma pessoa verdadeiramente saudável não começará um relacionamento connosco se perceber que isso acontece nesse contexto.

Seguindo um estilo de carência, vou do meu primeiro parceiro para um segundo, com o primeiro como reserva; depois, para um terceiro parceiro, com o primeiro e o segundo como reservas.

Seguindo o estilo de um adulto saudável, vou de um a nada e, enquanto estou sozinho, faço um trabalho terapêutico abordando, processando e resolvendo questões em mim, com um plano para fazer mudanças. É um momento extremamente rico de conhecimento pessoal e cura. Términos que conduzem à autoanálise e reflexão são dolorosos, mas proveitosos para quem está comprometido com a evolução pessoal. E, o mais maravilhoso de tudo, o coração partido leva ao coração disponível. Conseguirei mantê‑lo assim, depois de curado?

Muitas vezes, quando o nosso parceiro é infiel, perguntamo‑nos: “Como pode ele juntar‑se a alguém novo tão rapidamente? Está comigo há anos, e agora não sou nada e a mulher de há dois meses é tudo!” Porém, não é assim tão difícil de perceber: os sentimentos românticos dele por si poderão ter sido apenas uma projeção em si do desejo de ele ter uma parceira ideal. Limitou‑se, agora, a projetá‑lo noutra pessoa. O novo apego não é sobre si ou sobre ela. Ele está simplesmente a deslocar algo que é dele, a sua própria projeção, da mesma forma que uma lâmpada pode ser levada de um candeeiro da cozinha para ser usada num candeeiro do quarto. E aquilo que a nova parceira consegue oferecer poderá não corresponder à promessa inflada da projeção dele. Infelizmente, isto é algo que talvez ele não descubra até abdicar de muitas outras coisas valiosas — como você, a vossa vida em conjunto e os vossos filhos.

Também é típico o parceiro traído ouvir: “Já não estou apaixonado por ti, estou apaixonado por esta nova pessoa”. Será que estar apaixonado, neste contexto, significa simplesmente um apego que sabe bem, que tem uma ressonância corporal de excitação e desejo sexual, que proporciona uma sensação de certeza de que finalmente se encontrou o complemento perfeito para si próprio?

“Já não estou apaixonado por ti” poderá querer dizer “ainda estou apegado a ti, mas já não é bom”.

Pela sua parte, o parceiro que fica para trás pode afirmar que “devia ser capaz de aceitar que tem outro parceiro”, embora o seu corpo diga “não posso aceitar”. Esta é a instrução da era dos anos sessenta. A parte do “amor livre” dos anos sessenta não era do nosso melhor interesse enquanto adultos que se cuidam. Siga a informação do seu corpo, lembrando‑se de que um relacionamento é sobre honestidade e felicidade, não sobre suportar sofrimento.

Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.