O estado de desenvolvimento psicológico e social dos pais condiciona o processo evolutivo de educação dos filhos.

 

Este está, muitas vezes, na origem das principais lacunas que os progenitores evidenciam. «Manter a capacidade de nos deslumbrarmos com o que está à nossa volta, como fazem as crianças, é a chave para sermos mais felizes».

 

Quem o diz é Isabel Empis, psicóloga e psicoterapeuta, uma apaixonada pela vida que transmitiu isso mesmo no seu livro «Eu quero amar, amar perdidamente».

Um livro de crónicas sobre crescer e amar cujo título recorda o poema homónimo de Florbela Espanca porque demonstra que «até nesta poetisa, que nos transmite uma vida de desespero, havia esperança», assegura a autora.

«A nossa felicidade vem da nossa relação com as coisas e não destas. Vem da nossa capacidade de nos transformarmos e de amarmos perdidamente como só as crianças o fazem», realça. Percorra connosco esta viagem interior.

Como é que os pais devem lidar com os desafios que se colocam na relação com os filhos?

Deixar os filhos serem eles próprios. Os pais devem dar atenção aos filhos e curtir o tempo que estão com eles.

O que é essencial que os pais façam para garantirem aos filhos uma infância feliz?

Estar presente e deixá-los ser criativos.

E que erros deteta na relação entre pais e filhos?

Falta de atenção e de diálogo. Os pais bombardeiam as crianças e jovens com atividades secundárias e ainda não perceberam que eles próprios podem ser o melhor programa para os filhos.

Muitas mulheres sentem uma enorme culpa por não poderem passar o tempo que desejavam com os filhos. Que conselhos lhes pode dar?

Aproveitarem o tempo que estão juntos, não falar dos filhos mas com eles e não estarem preocupadas com o trabalho e com a ideia de sucesso.

No seu último livro aborda diversos temas relacionados com pais e filhos. Pode destacar alguns?

Destaco «Nas férias é que vai ser bom!» e «Natal grande festa, Natal ganda seca!».

 

O primeiro alerta para o facto dos pais pensarem que as férias compensam todo o tempo que não passaram com os filhos durante o ano.

Destaco a outra crónica porque, apesar do Natal ser uma época de partilha, muitas vezes esquecemo-nos disso por estarmos tão atarefadas e transformamos os dias de união em desilusão.

O que é que os pais podem fazer para as crianças viverem de forma salutar mas alerta para os perigos que as rodeiam?

Fazer com que as crianças desenvolvam dentro delas a consciência dos perigos e a responsabilidade, em vez de lhes incutirem o medo.

No seu livro aborda também o conceito da criança interior. Pode explicar-nos de que se trata?

Despertarmos a criança que há em nós ajuda-nos a ser felizes e a revitalizar as nossas capacidades. Este conceito está relacionado com o que nós fomos enquanto crianças e com o potencial humano que recebemos durante a infância. Por vezes, afastamo-nos dessas referências devido às vivências que vamos tendo.

Por exemplo, já todos reparámos na facilidade com que uma criança transforma uma carica numa bola de futebol e que é ao brincarmos que começamos a aprender e a estabelecer relações com as coisas.

O que podemos fazer para que essa criança dentro de nós se revele?

Termos atenção a nós próprios, ao que sentimos, e perceber que o nosso ser não está no nosso ter e que não é através do parecer e do ter que se chega a ser. É importante dar tempo ao tempo, viver o presente e não o passado e o futuro e pensar que a alegria, que tem sido muito confundida com excitação e agitação, advém da tranquilidade.

Qual o peso da nossa infância para uma vida adulta feliz ou infeliz?

Não é a nossa infância em si, mas sim o peso da nossa relação com ela e a nossa capacidade de transformar e de viver. Eu e o meu irmão podemos ter vivido um mesmo traumatismo, mas podemos interiorizá-lo de forma diferente. Temos de perceber que o importante é saber transformar as dificuldades em oportunidades de aprendizagem.

O papel da simplicidade na felicidade é um dos conceitos que defende. Porquê?

A vida não tem de ser uma coisa complicada, temos de perceber a sua simplicidade ou, pelo menos, ter consciência de que, muitas vezes, complicamos o que é simples. O mundo de hoje é igual ao que sempre foi, somos nós que pensamos que na complicação reside o estatuto de adulto. No entanto, simples não quer dizer estéril nem estúpido e, por outro lado, importante não significa complicado.

No seu primeiro livro, «Bem-aventurados... Os que ousam» abordou a capacidade que todos temos de transformar as perdas em ganhos. Mas a imagem que se tem de Portugal é de que é um país de pessimistas...

Não acho que sejamos um país pessimista, temos é o vício da queixa e do vai-se andando... Nos centros de saúde, as pessoas competem pelas doenças e isto acontece porque a queixa, culturalmente falando, tem sido valorizada e a alegria é conectada com estupidez, leveza ou superficialidade.

Como podemos transformar essas queixas em algo de positivo?

Primeiro temos de ter consciência de que nos queixamos, depois aprender a viver, isto é, mudar a nossa relação com as coisas, ver, ouvir e ser criativo em tudo.

Os seus dois livros têm em comum um certo sentido do humor. Este é um dos caminhos para sermos mais felizes?

É um instrumento poderoso. Rir de nós e das nossas fragilidades e oferecermos isso aos outros em forma de humor faz-nos lidar melhor com as nossas fraquezas. Negar as nossas falhas e escondê-las só nos torna mais fracos.

Ninguém é obrigado a ter humor, mas como diz António Coimbra de Matos (psicanalista e autor do prefácio de «Bem-aventurados... Os que ousam»), ter sentido de humor é ter saúde mental.

Texto: Rita Caetano