Ficamos adultos na ideia de que ser forte é resistir às tempestades, sem sequer ficarmos doentes. Ensinamos que chorar tem um tempo e que “a vida é mesmo assim”. Uns vivem dentro de um fado maior e outros, sabe-se lá porquê, descobrem uma sorte mais fácil.

Mas a verdade é maior que isso: maior do que nos ensinam os adultos com boas intenções. Os mesmo adultos que sofrem disfarçadamente e que encontram estratégias, bem complexas!, para continuar além das dores e das perdas.
Talvez seja esse mesmo o problema: continuar além. Ninguém nos diz que o truque (a haver!) pode ser continuar por dentro da dor e do que aconteceu. Descobri-la de todas as maneiras: olhá-la, falar dela como parte de nós, descobrir o mais fundo do nosso sentir, descobrir o que a vida nos ensinou a pensar e que afinal guia o nosso comportamento mesmo quando já não é útil, descobrir que também dói o que ficou por viver e por dizer.

Quando vivemos algo impactante, difícil de digerir, isso guarda-se na nossa história. Para sempre. E a nossa história tem um corpo, o nosso, um guião de ideias e emoções que podem ficar muito mal arrumadas e trazer a poeira de novo. Mesmo quando pensamos já ter tudo arrumado dentro das nossas gavetas (e nós somos bons a ter gavetas e baús!).

A quantidade de pequenas e grandes perdas que vivemos é imensa: separações, mudanças de escola e trabalho, perda de amigos, desilusões, perda de expectativas, acidentes, ameaças ao nosso bem-estar e integridade, divórcios, doenças, mortes. Pode ajudar pensar numa corda, onde todos os acontecimentos vão ficando registados. Essa corda vai ficando com nós: a cada acontecimento doloroso (seja qual for) a corda altera-se. Parece difícil desfazer todos os nós e a corda, por muito que queira, já vai sentindo que é difícil cumprir a sua função. Todos esses nós começam a trazer custos.

A experiência de perda é, sem dúvida, omnipresente e a sua dor divide-se em manifestações várias: somáticas, emocionais, cognitivas e comportamentais…. A dor tem três casas onde mora: dentro de nós (intrapessoal), no que fica na relação com os outros que estão longe ou perto (interpessoal) e no que passamos a ler do mundo e do seu sentido (existencial). A dor é difícil de arrumar, teima em aparecer de repente e empurramo-la escondendo a sua existência. Mas quanto mais a escondemos, mais ela se pode intrometer no nosso dia-a-dia. A dor ramifica-se pela nossa vida: um ano depois, dez ou vinte. Quando voltamos a perder alguém, quando sofremos um assalto, quando recebemos más notícias… tudo parece incontrolável e nos enfrenta na desarrumação do passado. Parece tão difícil e cansativo desfazer os nós e tão fácil e rápido reactivá-los.

Não, não somos nós que estamos a fazer alguma coisa mal. Só que o que fazemos (sozinhos) pode não ser suficiente. Não gostamos de nenhuma das palavras que se dizem: recuperar, curar, superar, aceitar, seguir, esquecer… Nada serve. E nós sabemos. Podemos recuperar casas, curar algumas dores no corpo (e bem medicadas!), superar desafios profissionais. Seguir, pois, seja lá isso o que for. Aceitar? Com o pensamento talvez. Dar significados (frases feitas!) e achar que isso basta. Integrar… isso sim. Desejamos integrar tudo: os nós, as dores, as memórias, o que aconteceu e não controlámos, o que ficou por acontecer. Integrar é passar por dentro do que vivemos. Passar por isso num espaço seguro, com alguém especializado, que nos vai ensinar sobre isso e ensinar também os que nos amam.

Integrar é recordar e dar voz, falar do que se viveu incluindo-se na história, sem ser só descrever. Integrar é conseguir olhar lá atrás sem que o corpo fique lá preso e nos dê sinais de falso alarme como se tudo acontecesse de novo. Integrar é apresentar os que morreram aos que estão vivos, sem que isso seja desfazer-se. Integrar é amar de novo e construir nova família sem que a anterior tenha de desaparecer. Integrar é cuidar de todas as partes de nós (as que se culpam, as que temem, as que se alegram, as que se entristecem) sem culpa. Integrar é parar para chorar, para pedir ajuda ou só para ficar em silêncio sem que isso seja desesperante. Integrar não é evitar, para ser suportável, nem é sofrer todos os dias como se a identidade fosse só a dor.

Nós podemos operar alguém, deixar a soro, engessar um braço partido ou transplantar órgãos. Mas não conseguimos fazer nada disso na dor psicológica. Nós só podemos ser corajosos o suficiente para nos conhecermos melhor. Quando precisamos de ajuda para o nosso filho na escola procuramos quem saiba de dificuldades de aprendizagem. A Consulta do Luto prima pela especialização dos seus técnicos, é dirigida a todas as faixas etárias e pretende dar voz à dor dos acontecimentos de vida, conhecendo o seu impacto e ajudando a trilhar um caminho de reintegração destes eventos.

Consulta do Luto do PIN
Ana Santos/Responsável pela consulta do luto: intervenção no processo de luto, na doença crónica e em situações de divórcio ana.santos@pin.com.pt

Sara Albuquerque/Colaboradora na Consulta do Luto sara.albuquerque@pin.com.pt

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