Em que situações faz sentido preservar a fertilidade?

A preservação da fertilidade, ou melhor do potencial reprodutivo, deve ser equacionada sempre que existe uma ameaça à fertilidade. A indicação mais frequente são as doenças oncológicas que implicam tratamentos agressivos que reduzem este potencial reprodutivo, temporariamente ou de forma irreversível.

No entanto, há também outras doenças, que por si mesmas ou pelos tratamentos que requerem, podem aumentar o risco de infertilidade. Como exemplo refiro a endometriose ovárica ou outras patologias do ovário que necessitam de abordagem cirúrgica.

Só é possível preservar a fertilidade feminina?

Hoje é possível preservar células reprodutivas da mulher - os óvulos - e assim permitir uma reserva de óvulos que não sofrem o efeito lesivo dos tratamentos ou até do avanço da idade da mulher. Mas é igualmente possível, e até mais simples, criopreservar espermatozoides e consequentemente a fertilidade masculina.

médica Teresa Almeida Santos, coordenadora do Centro de Preservação da Fertilidade do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Teresa Almeida Santos, médica e coordenadora do Centro de Preservação da Fertilidade do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Qual é o panorama da preservação da fertilidade em Portugal?

A preservação da fertilidade dos doentes oncológicos é hoje uma realidade em Portugal, já que os médicos oncologistas conhecem esta possibilidade e valorizam o risco de infertilidade como efeito secundário associado ao tratamento do cancro. Nem sempre assim foi, mas atualmente todas as sociedades científicas recomendam que seja abordada esta possibilidade com todos os doentes oncológicos em idade reprodutiva.

Por outro lado, existe também sensibilidade e disponibilidade dos centros de Procriação Medicamente Assistida para atender estes doentes em tempo útil, assegurando assim a possibilidade de criopreservar óvulos ou espermatozoides para eventual utilização no futuro, em caso de necessidade.

Campanha de preservação do doente oncológico

A Associação Portuguesa de Fertilidade (APFertilidade) desenvolveu a campanha “Preservação da Fertilidade em Doença Oncológica” com o objetivo de informar a população para a possibilidade de preservar a fertilidade em caso de doença oncológica, ou outro diagnóstico que comprometa a saúde reprodutiva da mulher e do homem. Além dos pacientes, pretendemos sensibilizar os profissionais de saúde para a necessidade de alertar estas pessoas que, a par da importância do seu tratamento contra a doença, existem opções que podem permitir a concretização de um projeto de parentalidade no futuro, se assim o pretenderem.

Para esta iniciativa, a APFertilidade contou com a Direção-Geral de Saúde como parceira institucional e com a Sociedade Portuguesa de Oncologia, a Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução e o Centro de Preservação da Fertilidade do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), como parceiros científicos. Era essencial que a informação a distribuir pelas unidades de saúde, e por outras instituições disponíveis para partilhar a campanha, fosse sucinta e acessível a todos os níveis de literacia da população. O apoio destas quatro entidades foi muito importante para o conseguirmos.

Quais são os métodos de preservação de fertilidade? Estão todos disponíveis em Portugal?

Atualmente existem metodologias laboratoriais eficazes para criopreservar óvulos e espermatozoides que assim são “poupados” ao efeito da quimio ou da radioterapia. Deve salientar-se que o facto de se conseguir criopreservar células reprodutivas não garante uma gravidez no futuro, mas permite a estes doentes jovens ter um plano B caso o tratamento (ou a própria doença) venham a causar infertilidade.

Na mulher o tratamento implica a estimulação dos ovários para que em 2 semanas produzam um número adequado de óvulos (normalmente em cada ciclo menstrual produz-se um óvulo maduro). É, pois, muito importante que as doentes sejam referenciadas para o especialista em Medicina da reprodução logo que se coloca a indicação de tratamento com quimio ou radioterapia que poderá causar infertilidade. Se assim for, as mulheres terão tempo para realizar o procedimento sem necessidade de adiar a terapêutica oncológica que é, naturalmente, a prioridade.

No homem, a técnica consiste na realização de colheita de sémen que pode ser criopreservado de imediato, desde que tenha qualidade suficiente. Se não existe um número suficiente de espermatozoides na amostra do ejaculado pode recorrer-se à congelação de um fragmento de testículo do qual mais tarde se obterão espermatozoides.

No caso das crianças existem alternativas que podem ser equacionadas, mas que apenas são realizadas nalguns centros.

Qual o impacto da infertilidade nos doentes oncológicos? Como podemos melhorar esse impacto?

O impacto da infertilidade nos doentes oncológicos tem sido estudado ao longo dos anos e é descrito como sendo tão doloroso como foi o diagnóstico da doença oncológica. A única forma de evitar esta situação é dar a todos os doentes oncológicos em idade reprodutiva a possibilidade de decidirem se querem ou não criopreservar as suas células reprodutivas, assegurando assim um plano B caso venham a ficar inférteis.