“Desde 2000 que diversos organismos têm vindo a recomendar que o Ministério da Educação assuma a monitorização da oferta e da qualidade da educação e cuidados prestados, assim como a qualidade das experiências conducentes ao desenvolvimento das crianças entre os 0 e os 3 anos”, alertam Maria Assunção Folque, da Universidade de Évora, e Teresa Vasconcelos, da Escola Superior de Educação de Lisboa, citando também outros autores.
Segundo as investigadoras, “o facto de esta valência nunca ter feito parte do sistema educativo português, permanecendo sob tutela do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, tem sido referido como uma preocupação por diversos peritos nacionais e internacionais”.
No texto publicado no relatório anual do Conselho Nacional de Educação, que faz um retrato do universo da educação no país, as autoras apontam ainda a falta de reconhecimento do trabalho docente e de uma formação específica de base dos educadores de infância para trabalhar com esta faixa etária como fatores que “podem contribuir para a dificuldade em generalizar a qualidade da oferta nestas idades”.
“Em Portugal, estudos sobre a qualidade dos serviços de educação e cuidados para as crianças dos 0 aos 3 anos apontam para níveis mínimos ou inadequados de qualidade na generalidade das instituições”, referem ainda, recomendando que a educação nestas idades passe a ter uma “tutela pedagógica única”, assumida pelo Ministério da Educação.
Recordando programas eleitorais para as últimas legislativas que apontavam a educação dos 0 aos 3 anos como uma “necessidade urgente”, as autoras defendem que sem “superior qualidade educativa” os jardins de infância e creches “em nada contribuirão para o desenvolvimento das crianças, principalmente as mais desfavorecidas”, referindo ainda a necessidade de alterar o padrão de vertente assistencialista às famílias, que consideram uma “perspetiva limitada face aos desafios da sociedade atual”.
As autoras apontam ainda questões de igualdade e equidade no acesso em instituições sem fins lucrativos, nomeadamente nos grandes centros urbanos, como as creches em Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), que face ao financiamento fixo por criança de cerca de 260 euros pago pela Segurança Social, “leva a que as instituições sociais sem fins lucrativos aceitem um maior número de crianças por sala (por vezes acima do estipulado por lei) ou procurem atender famílias com maior disponibilidade económica que pagarão comparticipações mais altas”.
“Na lógica dos pais de classe média, à medida que uma IPSS tem maior qualidade, eles pressionam as direções para inscreverem os seus filhos, ‘empurrando’ as crianças mais carenciadas (e que precisam de um atendimento de qualidade para suprir desvantagens socioeconómicas) para creches de menor qualidade: este é o efeito perverso de uma certa liberalização e modelo de comparticipação por cada criança”, alertam as autoras.
Assim, prosseguem, “estas medidas de gestão financeira das instituições têm levado a uma crescente desigualdade social, deixando famílias em situação de maior vulnerabilidade económica sem respostas ou com respostas de menor qualidade”.
Sobre as questões financeiras, as investigadoras propõem que seja repensado o sistema de financiamento das creches e jardins de infância “no sentido de diferenciar o apoio do Estado às famílias que tenham menores recursos”.
“Este sistema promoverá o acesso de todos e a sustentabilidade económica das IPSS, evitando a recusa de vagas para crianças de famílias com menores recursos financeiros”, defendem.
Do ponto de vista da qualidade do serviço prestado, na perspetiva pedagógica, apontam a falta de preparação das amas da Segurança Social, que ao trabalharem sem qualquer acompanhamento ou monitorização especializada levantam “especial preocupação” relativamente às “condições efetivas para prestarem um serviço de qualidade”.
Por outro lado, os profissionais especializados – os educadores de infância – colocam preocupações pela frequência com que mudam de posto de trabalho, em busca de estabilidade, reconhecimento profissional e melhores condições salariais e um tratamento em igualdade de circunstâncias com os educadores do pré-escolar (dos 3 aos 6 anos).
“Há salas de creche por onde passam ao longo do ano pelo menos três educadoras diferentes. Este facto é extremamente problemático em relação à vinculação e estabilidade de que necessitam as crianças dos 0 aos 3 anos de idade”, apontam as autoras.
No sentido de propor uma agenda para a educação dos 0 aos 3 anos, para além da tutela pedagógica única e a inclusão desta faixa etária no sistema educativo, propõem ainda a criação de “creches públicas municipais que permitam a disseminação de centros de qualidade que possam inspirar e complementar outras iniciativas” de cariz social, estatal ou privado e recomendam uma “progressiva municipalização da educação dos 0 aos 6”.
O objetivo é “garantir a resposta às necessidades locais quer das crianças quer das famílias, podendo essa responsabilidade ser assumida, nos grandes centros urbanos, ao nível da junta de freguesia, a quem cumprirá garantir que haja uma universalização do atendimento”.
A garantia de uma maior e mais homogénea qualidade no ensino nestas idades tem de passar por uma “revisão cirúrgica” da Lei de Bases de Educação de 1986, que passe a estipular o início do percurso educativo à nascença, e não apenas a partir dos 3 anos.
Melhor legislação e regulação para estabelecimentos e habilitações profissionais e uma avaliação da qualidade da educação nas creches e jardins de infância a cargo da Inspeção-Geral de Educação são outras propostas das duas investigadoras.
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