Segundo dados do Eurostat para 2017 relativos à frequência de creches, Portugal encontra-se em 8º lugar na União Europeia com 47,5% das suas crianças abaixo dos 3 anos de idade neste tipo de instituições.
Sabemos que as crianças, no seu primeiro ano de frequência da creche, podem ter 12 a 16 infeções ligeiras a moderadas. Também sabemos que, durante os primeiros 2 anos de frequência da creche, têm um risco 18 vezes maior de infeção, quando comparadas com as crianças que permanecem em casa. E, por fim, é do conhecimento geral que quando uma criança adoece, alguém da família precisa de tomar conta dela e é provável que se verifiquem contágios secundários.
No entanto, aquilo que estudos robustos, de grandes dimensões, como o estudo prospectivo WHISTLER publicado em 2014, nos vieram fazer compreender, é que, apesar de este incremento evidente do risco infeccioso logo nos primeiros 2 anos de frequência da creche, o número total de infeções que as crianças sofrem nos primeiros 6 anos de vida é mais ou menos comparável entre o grupo que frequenta a creche antes do primeiro ano de vida com o grupo com entrada mais tardia. O que parece não ser igual é a gestão destas crianças doentes: o grupo de crianças que integra a creche antes do primeiro ano de idade tem maior número de consultas médicas, consumo de recursos de saúde e referenciações secundárias.
Ou seja, que os miúdos adoecem quando entram para a creche, parece ser uma verdade universal. Mas se entram mais cedo, porque são mais pequeninos, geram maior ansiedade com a sua doença e consomem mais recursos de saúde. Mas será que o custo da integração precoce na creche fica por aqui?
Uma criança doente implica custos médicos diretos e custos indiretos, secundários ao absentismo laboral, com impacto no orçamento familiar e das empresas. Quando dizemos que sai mais barato as licenças parentais serem curtas e as integrações na creche serem precoces, provavelmente não estaremos a colocar todos os custos na balança.
Em média, por ano, cada família americana fica 1 a 4 semanas em casa para apoio familiar. A nossa baixa de assistência à família contempla 2 semanas por ano. Seremos menos doentes do que os americanos? Duvido! Até porque temos uma elevada taxa de integração no pré-escolar (nos EUA, a taxa de integração na creche aos 3-4 anos é de 34%).
Se os nossos miúdos adoecem pelo menos da mesma forma e temos menos tempo de assistência à família, como é que isto se comporta? Ou levamos os miúdos ainda doentes de volta para a creche (e quem nunca deu um paracetamol de manhã para tentar prevenir a subida térmica que atire a primeira pedra) ou temos ajudas externas (avós, amas, babysitters…). No entanto, aqui fica a reflexão sobre quanto custa, de facto, ter os pais rapidamente no mercado de trabalho, se vamos ter um aumento dos gastos na saúde e com outro tipo de prestações sociais? E os custos reais para as famílias? (Nota-se muito que sou da opinião que a licença de maternidade/ paternidade remunerada deveria ser possível para todos no primeiro ano de vida?)
Agora, quando se aproxima o primeiro inverno de um grupo de crianças que viveu os seus primeiros meses de vida num contexto de isolamento social, então antecipam-se salas de espera de serviços de urgência pediátrica repletas a partir das 18:00, mais de 40 crianças em espera, 80% das quais com uma triagem de baixa gravidade (e como tal, com a expectativa de esperarem entre 2 a 4 horas), com pais cansados e com a sensação que têm os filhos sempre doentes. Esta é a realidade.
Claro que seria demasiado fácil apontar os dedos aos pais e dizer que a culpa é deles, ao colocarem os filhos ainda doentes na creche e com isto contagiarem as outras crianças. Mas que alternativas é que têm? E por muito acusatórios que quisermos ser, a verdade é que a maioria das infecções são transmissíveis numa fase em que as crianças não têm rigorosamente nenhum sintoma! Assim sendo, de quem é a culpa das crianças adoecerem?
Fica a bola do lado das creches, claro! Mas convenhamos, a partir do momento em que as crianças se conseguem deslocar, a interação é impossível de travar (tal como o contágio). E o que é que os funcionários da creche conseguem fazer para impedir isto? Rigorosamente nada! E por fim, inúmeros vírus têm uma vida longa nas superfícies inertes, pelo que o contágio cruzado com a partilha de brinquedos é inevitável. Mas aqui, sim, as creches podem melhorar e muito o controlo dos contágios, com a desinfeção regular de superfícies e brinquedos.
Como é que esta realidade pode mudar?
Acredito que seja possível lutar por outras condições de apoio à parentalidade (isto se quisermos combater o envelhecimento da população).
Falarmos de isenção ou benefícios fiscais para as famílias com crianças na creche é só o começo e não resolve rigorosamente nada.
Temos de falar do alargamento das licenças de parentalidade para os primeiros 12 meses de vida, de flexibilidade de horários sem prejuízo dos rendimentos, de trabalho remoto, de apoios diferenciados e sobretudo no alargamento do apoio social em caso de assistência à família.
Temos também de aumentar a acessibilidade aos cuidados de saúde e a literacia em saúde em Portugal: é importante que as famílias saibam o que esperar quando as crianças integram a creche e tenham algum profissional de saúde disponível para esclarecer as suas dúvidas.
Mas na verdade, nada disto existe! Uma franja considerável da população nem sequer dispõe de médico de família, quanto mais um profissional que possa ir tirando dúvidas e respondendo às suas ansiedades.
O que resta às famílias? O que têm feito até agora: deslocarem-se massivamente às urgências pediátricas, sem motivo, sem orientação, sem necessidade, com o risco de contágio cruzado na sala de espera.
Um artigo da médica pediatra Joana Martins.
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