Quando procurava uma informação no website de uma junta de freguesia no Norte de Portugal, informação essa que não encontrei, deparei-me com outra informação. A junta de freguesia organizou para o ano letivo de 2022/2023 prolongamentos de horários para as crianças do jardim de infância e do primeiro ciclo. Estas crianças, entre os 3 e os 10 anos, podem entrar na escola a partir das 7h30 e permanecer até às 19h30.

Sem duvidar das boas intenções da autarquia, que fez aqui o que a maioria das autarquias no país fizeram, tais iniciativas podem não ter em conta as necessidades fundamentais das crianças e dos jovens, para além de não contribuírem para a necessária abertura da escola aos pais, nem para o indispensável desenvolvimento local. 

Desenvolvimento emocional e socialização

A qualidade do desenvolvimento emocional, cognitivo e social de uma criança ou de um adolescente depende da qualidade da atenção e do carinho que os pais lhe dão, do tempo e da paciência que lhe dedicam, do que lhe ensinam e como o fazem. A criança também necessita de brincar com outras crianças e o jovem, de contactar com outros jovens.

É isto que estimula, na criança, um desenvolvimento emocional saudável e, no jovem adolescente, um processo de socialização equilibrado.

Quando, como pais, não nos esforçamos para nos dedicarmos aos nossos filhos e não reservamos tempo, todos os dias, para olhar para eles e os observar, não os tratamos com cuidado e com carinho, não lhes sorrimos nem damos festas, não brincamos com eles, nem fazemos pequenas conversas ou criamos momentos de sossego, em que eles descansam, nos observam e aprendem com o que nos vêm fazer, é muito possível que não estejamos a fazer o nosso melhor. Mas, como é possível fazer tudo isto e ajudar as crianças a se levantarem, a se lavarem, a se vestirem e a tomarem as suas refeições quando têm de estar prontos, para ir para a escola, por volta das 8 horas e chegam a casa por volta das 19 horas?

Pais não são só cuidadores

É absolutamente indispensável que, no dia-a-dia, a criança e o adolescente se sintam amados, desejados e protegidos pelos seus pais. Colocá-los 6, 8, 10 ou mais horas, por dia, numa instituição, não é o que as crianças precisam. Sem a convivência, intensa, com os seus pais, caracterizada pelo afeto entre criança ou adolescente e pais, o risco é enorme que a criança, em qualquer altura da sua vida, se sinta insegura, angustiada e mesmo revoltada e que o adolescente ignore, cada vez mais, os seus pais e escolha fazer o que vê os companheiros fazerem. Este não é um desenvolvimento desejável e muito menos, saudável.

A criança é sujeita a 10 horas, ou mais, por dia, dias seguidos, ao stress de uma instituição onde adultos, que nada lhe são, lhe dão instruções, a ela e a mais algumas crianças com quem partilha o espaço, que não é o seu. Isto porque os seus pais não podem ou não querem cuidar dela, dar-lhe a atenção, o carinho e o sossego de que necessita para viver uma meninice, em família, e ter um desenvolvimento saudável.

A transparência das instituições de ensino 

Os pais das crianças mal sabem o que se passa nestas instituições cheias de segredos. Não podem entrar na escola, ver onde os seus filhos passam todos os dias de semana, falar informalmente com o professor ou professora, ver a sala de aula, os trabalhos e os cadernos do seu filho ou filha. Os pais estão impedidos de interferirem no funcionamento da instituição que é a escola. As crianças são entregues à porta, no passeio da rua. O resto, são formalidades.

É expectável que muitos pais achem tudo isto muito pouco satisfatório e que muitas crianças se sintam pouco à vontade, inseguras e abandonadas o que pode vir a ter um impacto terrível na sua vida.

Libertar os pais

A criança e o adolescente precisam que os seus pais estejam com eles. Libertar os pais, do prazer de ser pais, e privá-los de fazer aquilo que só eles podem fazer, para poderem trabalhar mais longe ou mais horas, em empregos precários, mal pagos, sem qualidade nem futuro, parece incompreensível. São estes os empregos, duros e maus, que existem em muitas freguesias, por todo o país, o que leva os jovens cidadãos, geração após geração, a abandoná-las. Nos últimos 20 anos, o número de nascimentos no Norte do País decresceu mais de 35%, o decréscimo mais acentuado, a seguir à região da Madeira, uma das mais pobres da Europa.

Desenvolvimento local, integrado e concertado

As pessoas não se vão embora, não emigram, e não voltam, porque não têm onde deixar as suas crianças, mas porque não há desenvolvimento de qualidade na região.

É no desenvolvimento social, cultural, profissional e empresarial, de qualidade, que é preciso investir e ser criativo. Este desenvolvimento, integrado e concertado, necessita de todos os cidadãos, necessita de uma Sociedade Civil motivada, ativa e inspirada, necessita de autarquias competentes. De outra forma, as crianças que hoje privamos da atenção, do carinho e da proteção dos seus pais, irão também emigrar e ficarão onde se sentirem melhor.

Brincar em segurança, nos espaços públicos

Á absolutamente necessário, e urgente, flexibilizar a organização do trabalho (o número de horas e de dias que cada um quer trabalhar), multiplicar e agilizar os transportes públicos, generalizar o uso da bicicleta. Ao mesmo tempo, precisamos de dar alegria e vida aos bairros e às áreas residenciais criando locais de lazer, de desporto e cultura e chamar a Sociedade Civil para os gerir e lhes dar qualidade. A quase ausência de associações desportivas, ativas, para crianças e jovens, é imperdoável. Não menos importante é a reinserção, imediata, na família e na Sociedade Civil das pessoas que hoje afastamos: as crianças e os jovens (particularmente aqueles que estão sozinhos ou cujas famílias atravessam fases difíceis), os adultos mais velhos e reformados, os cidadãos com problemas de saúde crónicos, as famílias monoparentais, as pessoas que estão sozinhas e que gostariam de o não estar, as pessoas institucionalizadas. É necessário humanizar as relações entre pais e crianças, e jovens, em vez de acentuar a separação.

Um artigo de Manuel Fernando Menezes e Cunha Psicólogo da Saúde e Economista do Desenvolvimento.