Sendo a Matemática uma ciência habitualmente associada a dificuldades e desmotivações por parte dos alunos, pode esconder casos de crianças que apresentem dificuldades específicas de origem neuropsicológica.

A importância de compreender os sinais da Discalculia, assim como os respetivos sistemas neurológicos implicados na aprendizagem do cálculo são aspetos imprescindíveis para intervir junto de crianças e jovens com lacunas específicas de aprendizagem na matemática.

O insucesso na matemática é complexo e para ele contribuem diversos fatores sociais e culturais, que com maior ou menor visibilidade têm despertado a preocupação de pais, professores, políticos, cientistas e da comunidade em geral.

Contudo, há um outro conjunto de dificuldades da matemática que, pelo seu reconhecimento mais recente, sobressaem ainda de forma silenciosa.

Começa a ser frequente designar as dificuldades específicas de aprendizagem da matemática por Discalculia, um termo introduzido por Ladislav Kosc em 1974. Uma descrição mais recente, realizada pelo Departamento de Educação do Reino Unido, aponta para a caracterização da Discalculia como uma condição que afeta a aptidão para desenvolver competências aritméticas.

Os indivíduos com Discalculia podem ter dificuldades na compreensão de conceitos simples de número, na apreensão intuitiva dos números e na aprendizagem de factos numéricos e procedimentos de cálculo. Ou seja, é como se as crianças com Discalculia nascessem sem o “sentido do número”, sem a intuição numérica. A sua prevalência está estimada para um intervalo de 3% a 6% e é equiparável às dificuldades de aprendizagem da leitura (dislexia).

O que caracteriza a Discalculia?

A Discalculia é uma perturbação específica do neurodesenvolvimento derivada dos défices relacionados com a particularidade das competências numéricas. Crianças com Discalculia têm desempenhos significativamente inferiores aos seus pares em diversas tarefas numéricas: dificuldades na evocação de factos numéricos, pobre recurso a procedimentos aritméticos e uso de estratégias imaturas para a resolução de problemas matemáticos (e.g., constante recurso à contagem pelos dedos).

Numeracia

A numeracia refere-se à capacidade de compreender os números e usá-los de forma eficaz em situações quotidianas. A base da numeracia é o sentido de número, ou seja, a noção da representação numérica e como os próprios números podem ser usados para resolver exercícios ou problemas.

O sentido de número desenvolve-se assim que as crianças interagem com o meio ambiente e começam a entender que o número é uma entidade presente nas suas atividades diárias. Crianças com pobres competências de numeracia estão em desvantagem quer em situações académicas como em situações quotidianas.

O sentido de número diz respeito a várias competências matemáticas elementares (como serão abaixo descritas), sendo a subitização e a contagem as mais básicas e imprescindíveis para um bom desenvolvimento do raciocínio numérico.

Subitização e contagem

A subitização é uma tarefa onde os participantes têm que decidir rapidamente a quantidade de objetos (ex.: pontos) presentes num determinado estímulo. A resposta deve ser imediata, eficiente e confiante quando se tratam de números pequenos (até quatro) e mais longa e menos eficiente para quantidades maiores do que quatro.

A contagem deve obedecer a cinco princípios fundamentais: 1) correspondência uma-para-um (exclusivamente, uma etiqueta verbal para cada objecto contado); 2) ordem estável (a ordem das etiquetas verbais é invariável ao longo da contagem); 3) cardinalidade (o valor da última etiqueta verbal representa a quantidade de objetos contados; 4) abstração (qualquer objecto pode ser categorizado e contado); e 5) ordem irrelevante (os objetos podem ser contados numa sequência aleatória desde que respeitem a estabilidade da ordem).

Comparação de Magnitudes numéricas e o efeito da distância

A comparação de magnitudes trata-se de decidir que algarismo, entre dois ou mais, é maior. Sabe-se que o desempenho nesta tarefa é influenciado pela distância entre os algarismos a comparar. Ou seja, é mais exigente decidir se 9 é maior que 7 do que se o 9 é maior que 3. Este efeito da distância levou vários investigadores a interpretar que as pessoas convertem números escritos ou ditados em magnitudes ou linhas numéricas.

Processamento numérico automático

A compreensão do sistema numérico simbólico é a base essencial para o domínio da aritmética. Os algarismos são símbolos que representam quantidades, distâncias, magnitudes, etc. O tamanho associado aos algarismos afeta a comparação numérica e, da perspetiva da cognição matemática, o seu valor dependendo da posição que ocupa (unidade, dezena, centena, etc.).

Equações a resolver

Ao contrário de outras perturbações do neurodesenvolvimento, a Discalculia ainda não é globalmente reconhecida em muitos meios educativos, técnicos e sociais, sendo muitas vezes confundida com uma simples rejeição da matemática ou desmotivação para estudar.

Apenas com um reconhecimento aprofundado e divulgado das características e formas de intervenção na Discalculia, será possível conceber formas eficazes de apoiar crianças com esta dificuldade de aprendizagem.

Texto: Mário Tribuzi, Psicólogo Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e em Necessidades Educativas Especiais