A vantagem competitiva pode estar associada à capacidade de compreender e interpretar os pontos de vista dos outros, que a maioria das crianças ganham por volta dos 4 anos de idade – mas a idade não é tão importante quanto o desenvolvimento da nova habilidade interpretativa, afirma uma nova investigação.

 

Beate Priewasser e Josef Perner , psicólogos da Universidade de Salzburgo, na Áustria, e Johannes Roessler, filósofo da Universidade de Warwick, no Reino Unido, levaram a cabo uma série de experiências para estudar o desenvolvimento da vontade de vencer nas crianças . Os cientistas recrutaram 71 crianças com idades compreendidas entre os três e os cinco anos. As crianças foram distribuídas por duas experiências diferentes – uma para testar a compreensão das crianças e outra para testar como as crianças compreendiam os objetivos de outras crianças.

 

O teste da falsa crença é um clássico da psicologia. Na versão utilizada pelos investigadores, as crianças ouviram uma história sobre um protagonista que brinca com um brinquedo. A personagem, em seguida, coloca-o numa caixa de arrumação e saiu da sala para comer ou beber qualquer coisa na cozinha. Enquanto isso, um irmão da personagem transfere o brinquedo para uma nova caixa de arrumação. Neste momento, às crianças foram feitas algumas perguntas de compreensão, tais como «Onde está agora o brinquedo?», «Quem o pôs lá?» e «Em que sítio guardou o protagonista da história o brinquedo?»

 

Às crianças também foi feita uma pergunta final – e vital: «Onde é que o protagonista vai primeiro à procura do brinquedo?». Esta pergunta, afirma Johannes Roessler, é que revela se as crianças compreendem ou não como as perspetivas influenciam as ações intencionais: o protagonista da história quer recuperar o objeto. «É a esta pergunta que as crianças mais novas costumam errar e que as crianças por volta dos quatro anos costumam acertar», declarou. «Os mais novos respondem que o protagonista da história vai diretamente à nova caixa de arrumação.»

 

A segunda experiência pedia que as crianças jogassem um jogo com dados em tinham de colher o maior número possível de contas. Os jogadores poderiam optar por tirar as contas de um cesto comunitário ou roubá-las a outro jogador.

 

Quando as duas experiências foram avaliadas em conjunto, os investigadores descobriram uma mudança de comportamento por volta dos quatro anos de idade, quando a capacidade de perscrutar a mente de outra pessoa e compreender o que essa pessoa está a pensar está altamente correlacionada com o comportamento competitivo. Além disso, as crianças que não passaram no teste da falsa crença não roubaram quaisquer contas de outros jogadores, mesmo quando os seus próprios ganhos foram arrebanhados por outros jogadores. Esta falta de retaliação é notável, diz Johannes Roessler. As meninas apresentaram uma probabilidade de roubar contas de outros jogadores muito semelhante à dos rapazes.

 

Apesar de os quatro anos de idade ser um ponto de referência, parece haver um pouco de variação individual, diz Johannes Roessler . «As crianças de três anos e meio que têm irmãos mais velhos desenvolverão o aspeto competitivo mais cedo». A investigação foi publicada na revista Journal of Experimental Child Psychology.

 

Então, o que acontece exatamente que marca a mudanla para uma abordagem centrada na vitória? O filósofo diz que continua a ser um mistério. «Há uma mudança geral na compreensão da perspetiva por parte das crianças ao longo de toda uma gama de domínios. Mas por que é que tendem a agrupar-se em torno dos quatro anos de idade? Nós, realmente, não sabemos.» O especialista acredita que tem alguma coisa que ver com o desenvolvimento da linguagem complexa, que os miúdos usam para perceberem problemas intrincados.

 

Johannes Roessler aponta que há um grupo de pessoas que há muito reconheceu que as crianças com menos de quatro anos não estão realmente interessadas em jogos competitivos: os fabricantes de jogos de tabuleiro. «Se pensarmos nisso, não há realmente jogos de base competitiva comercializados para crianças com idades inferiores a quatro anos. As empresas de jogos testam os seus produtos- sem surpresas, acho – e descobriram que as crianças mais pequenas não gostam muito de jogos competitivos».

 

Os investigadores estão agora a trabalhar numa experiência para testar a compreensão de outro sentimento humano por parte dos mais pequenos: a sabotagem. Johannes Roessler acredita que o desenvolvimento da vontade de vencer está relacionado com o crescimento moral das crianças. «Se estivermos certos sobre a compreensão de objetivos contraditórios é natural que se espera que estejam relacionados com os desenvolvimentos na compreensão de conflitos morais por parte das crianças», conclui o especialista.

 

Maria João Pratt

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