Foi aos 17 anos que Afonso Vilela entrou no mundo da moda. Desde então, não mais saiu e ainda hoje, aos 47 anos, continua a pisar as passerelles.
Nestes 30 anos de carreira protagonizou ainda diversas interpretações enquanto ator e alguns trabalhos como apresentador. Recentemente, revelou também os seus dotes culinários, tendo-se sagrado vencedor do programa da TVI 'MasterChef Celebridades'.
Apesar de não se sentir o homem dos 'sete ofícios', certo é que Afonso Vilela é versátil e dá o seu melhor para desempenhar da melhor maneira aqueles que exerce.
Em entrevista ao Vozes ao Minuto, o modelo, ator e apresentador não se inibiu de falar de todo o seu percurso.
Em junho passado, fez 30 anos que começou a pisar as passerelles. Como é que foi o começo?
Tinha um desfile à acontecer perto da minha área de residência e a produtora do desfile andava no mesmo ginásio que eu – um ginásio de família meu – e penso que precisou de mais um homem para o desfile e resolveu fazer essa captação no ginásio. Escolheu duas pessoas, eu e um amigo meu, e acabei por ser eu. Tive sorte que quando conhecei a trabalhar foi ao lado de casa. Foi uma experiência bastante divertida, porque na altura o mercado de moda era muito exigente, mais do que hoje em dia. A mim apanhou-me muito verde e colocou-me logo a desfilar com uma formação muito rápida.
Quase tinha vergonha de dizer que era modelo porque não tinha o valor que tem hoje
Então nunca foi um objetivo seu construir carreira no mundo da moda?
Foi um mero acaso. Uma coincidência da vida. Mas nesta altura, nos anos 80, a profissão de modelo – assim como a de ator – não era tão bem cotada como é hoje em dia. [Agora] são profissões, atividades da moda porque hoje em dia o mediatismo tem uma importância extrema. Durante muitos anos nunca disse a ninguém que trabalhava como modelo. Quase tinha vergonha de dizer porque não tinha o valor que tem hoje. Na altura também não havia agências de modelos. Havia agências que eram um pouco de tudo, não eram agências de modelos especializadas. Comecei a minha carreira um pouco como sendo um part time em relação aos estudos. Comecei logo também a fazer trabalho de ator. Lembro-me de que o segundo, terceiro trabalho que fiz foi uma série para a RTP sobre os contos de Eça de Queirós, uma série muda. Foi muito engraçado. Para mim a [carreira de ator e modelo] começou ao mesmo tempo.
Então nem a representação estava nos seus planos...
Nada disto estava nos meus planos. Sempre achei que ia ser arquiteto, professor de ginásio, bombeiro, qualquer coisa. Acho que continuo a ser um bocadinho de tudo e por isso é que sou uma pessoa muito versátil, polivalente.
Agora é mais, ou menos difícil entrar no mundo da moda?
O mundo da moda mudou muito em termos de carreiras. Está cada vez mais volátil. Hoje em dia a duração das carreiras dos modelos é curta. Nós, que somos desta geração, costumamos dizer na brincadeira que não existiu nenhuma geração com a de 80, na moda. É a geração onde sairam também todas as super top models que nós conhecemos, como a Naomi [Campbell]. Eram tempos em que precisávamos de ter bastante formação para entrar no mercado de trabalho. Mesmo em Portugal, que era um mercado pequeno, demorávamos três anos (em média) para nos conhecer, adquirirmos experiência… Hoje em dia esses três amos são o tempo médio de carreira de quem trabalha na moda.
O mundo está diferente, não vou dizer que está mais profissional porque acho que não está, as pessoas têm muito pouca formação nos dias de hoje. Antigamente, inclusive, tínhamos uma grande diferenciação entre um modelo e um manequim. Hoje em dia as pessoas não sabem qual é a diferença. Manequim era um modelo de passerelle e modelos eram as pessoas que faziam mais trabalho de publicidade. Mas eu continuo a trabalhar e não me queixo. Estes anos todos de carreira têm servido para cimentar uma parte de formação e que é muito engraçada. Ainda continuam a chamar-me muito para fazer desfiles de noivos… Às vezes, para fazer estes desfiles, chamam-me, dão-me um fatinho e já está. Pedem-me para orientar a malta mais nova porque estes tipos de trabalho ainda têm algumas regras, protocolos, e muitas vezes a malta mais nova não tem muito bem a perceção do que está a fazer. Obviamente, não têm qualquer tipo de culpa nisto, mas há coisas que só se ganham com a experiência.
As pessoas martelam sistematicamente na nossa Sara Sampaio. Continuo a insistir que Portugal é um país de modelos homens
Desta nova geração, quais são para si os nomes que mais se destacam no mundo da moda?
As pessoas martelam sistematicamente na nossa Sara Sampaio – de quem eu também gosto muito e com quem já tive a oportunidade de trabalhar num papel diferente, no de a contratar – percebo perfeitamente que ela esteja no patamar que está, acima de tudo porque é uma mulher de trabalho. É uma pessoa que trabalha muita afincadamente e sabe muitíssimo bem o que faz. Tem formação de dança, sabe posar lindamente e não acredito que chegue ao fim de 12, 16 horas de trabalho e que dê sinais de cansaço. Isso é muito importante nesta profissão.
Mas, continuo a insistir que Portugal é um país de modelos homens. A nossa grande exportação em termos de modelos para o mercado internacional costuma ser de homens, apesar de poucos terem a cotação de uma Sara Sampaio. Temos agora um miúdo que está a fazer tudo o que são campanhas internacionais, temos o Luís Borges e o Gonçalo Teixeira... Muitos deles têm tido carreiras relativamente curtas, mas não deixamos de ser um mercado de homens. Não é que as nossas mulheres são sejam bonitas. Acho as mulheres portuguesas lindíssimas, mas em termos de mercado internacional os homens estão a ganhar.
O que acontece é que já não interessa assim tanto ser um bom profissional, interessa é ser visto
Temos, de facto, muitas caras portuguesas a brilhar nas passerelles lá fora, como a Sara Sampaio. Acha que o papel dela é importante para abrir o caminho para futuros modelos portugueses?
Em termos de mercado nacional e internacional, nos últimos anos, temos assistido a um fenómeno que eu considero muito pouco positivo e, acima de tudo, pouco profissional. Constantemente, o mediatismo sobrepõe-se à parte profissional. O que acontece é que já não interessa assim tanto ser um bom profissional, interessa é ser visto. Muita das pessoas têm a sua gestão de carreira feita através de redes sociais e coisas do género. Isto não abona muito a favor destes artistas, destes profissionais. A Sara tem aberto caminho, inclusive, a miúdas que têm a estatura mais baixa como ela – dos defiles em que a Sara participa, deve ser constantemente a manequim mais baixa de todas – e acho que isto para a maioria das miúdas é um bom incentivo. Mas ela usou muitos caminhos que já estavam abertos por manequins antes dela. Por isso, não sei se é realmente a pessoa que vai dar o maior empurrão ao nosso mercado, mas tem sido uma belíssima embaixadora.
Ninguém quer manequins com ar de quem não come há 20 dias ou com cara de quem está a morrer
Um dos pontos associados aos modelos e que é muitas vezes comentado é o peso...
A parte do peso é uma coisa que está muito mais ligada ao nosso mercado de moda de passerelle. É uma coisa que as pessoas não têm muita noção, mas nós como modelos, manequins, temos umas medidas que serão quase universais. Temos, ou deviríamos, por questões profissionais, vestir os números de mostruário das marcas. Aqui, por exemplo, nesta nossa zona da Europa, os homens têm variações de dois números de casaco, andámos entre um 48 e 50/52. Se passarmos para um mercado norte-americano, alemão, nórdico, já aumenta dois números. Se formos para um mercado asiático, isto baixa.
A questão do peso, não é tanto o peso, é a magreza insistente. Isto é um má interpretação das pessoas que padecem deste mal porque o que dá beleza aos nossos corpos é esta pequena camada de gordura que temos sob a pele, sob o músculo. Uma pessoa que não tenha o mínimo de gordura na pele é horrível para se fotografar. Esta parte das modelos serem excessivamente magras não é uma exigência do mercado, é uma má interpretação de quem quer trabalhar neste mercado. Um estilista ou uma marca de roupa escolhem as pessoas primeiro por encaixarem na roupa, e depois pelo perfil que mais agrada. Ninguém quer manequins com ar de quem não come há 20 dias ou com cara de quem está a morrer. Houve uma tendência de uma ou duas marcas que apostaram um bocadinho nisto, mas foi coisa que durou uma estação e acabou.
Outro aspeto que é muitas vezes associado aos modelos é o estilo de vida de consumo de drogas e muitas festas. Isto é só um estigma ou sabe de casos de pessoas que se perderam neste meio?
Acima de tudo há um estigma. Obviamente, hei-de ter exemplos, tanto deste como de qualquer meio. Até no meio desportivo temos inúmeros exemplos destes. Mas isto é mais do que um estigma, é algo que se associa a este tipo de profissões, exatamente como se associa à profissão de ator. É mais uma vez uma péssima interpretação. Alguém que anda sempre em festas e não tenha uma vida saudável, com certeza que não vai ter muito bom ar para estar a tirar fotografias e a desfilar. Este modelos, tanto eles como elas, que aparecem com os corpos fantásticos nas passerelles, com muito bom ar, caras lindíssimas e pele bem cuidada, não podem estar a fazer vidas pouco saudáveis, se não, não durava uma semana. Acho que acima de tudo um estigma e algumas marcas também promovem este lifestyle. Como exemplo vejo o Cristiano Ronaldo. É o tipo que mais treina em todas as equipas, é um animal de treino, pouco ou nada sai, se ele sair à noite uma vez de três em três meses é muito... mas cada vez que sai, os meios de comunicação caiem-lhe em cima e descrevem-no como se andasse sempre em festas. É muito culpa também dos media que dão muito ênfase a estas coisas.
Em Portugal, temos dois estilistas que são uma referência. Não são convidados para um Portugal Fashion ou Moda Lisboa porque hoje estes eventos não são de moda, são eventos sociais
Trabalhou com vários estilistas. Qual foi o que mais se destacou?
Não posso dizer um nome especifico. Um grande número dos estilistas com quem tenho trabalhado, principalmente dos portugueses, deixou de ter coleções próprias e tem-se dedicado quase a 100% à parte da indústria. Considero ser uma ótima opção para o mercado como o nosso. Tenho muita pena porque já trabalhei com pessoas com um talento criativo gigantesco e que o simples facto de estarem focados em Portugal para trabalhar não lhes permitiu largar os seus mercados de trabalho, e nós somos um mercado muito pequeno.
Temos 10 milhões de habitantes que praticamente pouco ou nada seguem as tendências de moda. Na maioria dos casos vestimos o que se faz lá fora e não o que se faz aqui. Só agora, fruto um bocadinho da crise destes anos passados, as pessoas finalmente começaram a focar-se no que é português. Continuamos como um dos maiores polos de produção europeus e a produzir para todas as grandes marcas do mundo a nível europeu. Obviamente, não competimos com os grandes mercados de produção como a China, mas para a dimensão que temos somos excecionalmente bons. Tenho pena que hoje em dia os alunos que saem das escolas de moda queiram ser designers, estilistas, mas, na realidade, muito poucos sabem dar uns bons pontos de mão, sabem trabalhar na indústria como deve ser. Isto é uma trajetória indispensável para quem quer ser estilista.
Em Portugal, temos dois estilistas que são uma referência. Não são propriamente estilistas que sejam convidados para um Portugal Fashion ou Moda Lisboa porque hoje estes eventos não são de moda, são eventos sociais. Temos o Tony Virata. Não há ninguém em Portugal ao nível do Tony em termos de confeção, corte e matérias primas. É uma pessoa que batalha constantemente para ter o seu nome reconhecido no mercado português. Acredito que seja o único português que já foi chefe de costura de uma grande casa de Paris, mas o nosso mercado parece ignorar isso por completo. Temos outra estilista que é a Diana Matias, que também veio das grandes casas de Paris. É uma mulher que percebe do mercado internacional mais de qualquer pessoa, mas vê-se aflita para vingar com o seu nome e coleção num país como o nosso.
Sinto-me às vezes um pouco estigmatizado nos papéis que me passam. Mas acho que é um mal geral
O Afonso também conta com uma grande 'lista' de interpretações na ficção nacional. O que retira destes anos enquanto ator?
Gostava de fazer mais projetos internacionais. A televisão, também um bocadinho como a moda, tem um circuito relativamente fechado. Graças a Deus, temos muito bons atores em Portugal e nestes últimos anos alguns têm sido reconhecidos internacionalmente, apesar de não terem tanto reconhecimento pelo grande público em Portugal.
O trabalho de ator a nível pessoal tem sido extremamente útil. É um complemento fantástico para a moda, do mesmo modo que a moda tem sido um complemento fantástico para o trabalho de ator. Sinto-me às vezes um pouco estigmatizado nos papéis que me passam. Mas acho que é um mal geral. Lá fora também vemos isso com grandes atores de cinema, que quando começam a fazer de maus, são maus até ao fim da vida... Mas temos tido exemplos fantásticos. O Pêpê Rapazote que tem esta participação fantástica no ‘Narcos’. [Ele] andou a batalhar sozinho talvez oito ou dez anos. Agora vê-lo neste patamar internacional é uma coisa fantástica. Merece estar ali. Fico orgulhoso.
Gostava de fazer uma carreira internacional?
Gostava muito. Já apareceram algumas oportunidades. Não são as melhores do mundo, mas tudo o que tem aparecido tenho conseguido fazer. Portugal começa agora a não ser só palco de produções publicitárias, mas também televisivas e cinematográficas para outros países. Fruto também das nossas equipas maravilhosas e do maravilhoso clima que temos.
É mais fácil desfilar ou representar?
Desfilar é algo que já faço de olhos fechados. Mas nos últimos anos acho o trabalho de ator bastante mais interessante e é também nesta vertente da minha carreira que tenho feito um maior investimento a nível de formação, dedicação...
Fez uma pequena participação na nova temporada da série ‘Inspector Max’ e também participou nas temporadas anteriores... como foi este regresso?
Fiquei super contente quando me chamaram. Teria ficado triste se fizessem uma terceira série e não me arranjassem um papel. Foi quase da praxe.
Como sente que o público tem recebido o regresso da série?
Acho que tem recebido muito bem. Fico muito contente por ver que o Max é líder de audiências. Atualmente, os nossos consumos de televisão têm baixado muito. Acho muito positivo termos as nossas séries em primeiro lugar porque há uns anos produções nacionais nunca estavam em primeiro lugar. E conseguirem fazer isto com uma série como o ‘Max’ é obra. Só tenho de lhes dar os parabéns. Sei que investiram muito nesta série e têm um elenco fantástico, e espero que o continuem a fazer. E se fizerem uma quarta série espero que me chamem outra vez, nem que seja para ir lá dizer: ‘Olá’.
Também faz alguns trabalhos como apresentador.
Isso continuo a fazer. É uma coisa de que gosto. Modéstia à parte, acho que me assenta como uma luva. Apesar do meu dia a dia ser feito de ginásio e t-shirts, quando visto um fato e gravata e subo para um palco para fazer apresentação é um papel em que me sinto bem, confortável.
Temos de ser versáteis. Em nenhuma destas profissões escolhemos os nossos clientes. São eles que nos escolhem
Sente-se o homem dos sete ofícios?
Não... Acho que tanto na parte de modelo, como de ator e até mesmo como apresentador, a principal característica que temos de ter é ser versáteis. Em nenhuma destas profissões escolhemos os nossos clientes. São eles que nos escolhem. Temos de estar preparados para este tipo de trabalhos. Quando me perguntam de que é que eu gosto mais, para mim, isto funciona como um todo. São áreas que se complementam.
Acha então que é uma mais valia desempenhar bem as três áreas?
Sim. Faz-me um pouco de confusão como é que alguns atores são fantásticos em palco, fazem um trabalho a nível de teatro fabuloso e por vezes pedem-lhes para ir a uma passerelle, ou fazer uma apresentação, e ficam quase que intimidados. Não percebo. Isso não se passa comigo porque vejo isto tudo como uma só profissão.
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