Nuno Gama, designer de moda

O mais importante é a tomada de consciência que a indústria da moda tem feito e o esforço que tem sido feito na sustentabilidade, que era uma coisa que já se tinha falado há alguns anos. Desde os anos 1980 que se começou a falar de ecologia, de salvar o planeta e do mal que estávamos a fazer e houve uma evolução técnica e tecnológica gigante: os pigmentos mudaram, os tingimentos e as descargas para os rios mudaram. Tudo mudou, tudo evoluiu e espero que continue a evoluir nessa direção, com fibras completamente inesperadas, de todos os géneros e feitios, reciclagens… Tudo isso é um mundo novo que está em plena evolução e é o futuro de alguma forma. Depois, eu acho que é a conquista pela liberdade, pelo sentido da opção e do respeito de cada um. As pessoas são como são e com isso construirmos um mundo melhor e mais tolerante a todos os níveis sem que haja danos naturais, psicológicos e físicos para ninguém.

A minha primeira coleção era uma coleção completamente ecológica. Falava de ecologia, de salvar o planeta, os animais e estamos a falar de 1991. Sempre incluí todo o tipo de pessoas, idades, géneros, feitios, crenças religiosas, políticas [nos meus desfiles]. Isso faz parte de mim. Os meus amigos são uma panóplia de todos os géneros políticos e crenças religiosas, mas isso não impede a nossa amizade exatamente porque temos consciência de uma coisa extremamente importante, que se chama respeito pela individualidade do outro. Depois isso evolui para a forma como nos expressamos através da roupa: das misturas que são feitas, o tipo de materiais, as formas e silhuetas. Tudo isto tem influência umas coisas nas outras, mas é a reação natural dessa evolução que é mesmo essa: a sustentabilidade e a forma como nos aceitamos uns aos outros.

Elsa Gervásio, ex-modelo e CEO da L’Agence

A perceção que eu tenho é que de há dez anos a esta parte muita coisa mudou, nomeadamente em termos de comunicação. Com a entrada do Facebook, do Instagram e do digital, foi muito rápida a forma como se comunica hoje em dia. Há dez anos, as coisas eram muito mais calmas, muito mais tranquilas e a comunicação não chegava tão rapidamente a toda a gente. Esta avalanche de comunicação que recebemos diariamente nos nossos telefones veio mudar completamente o paradigma, tanto em moda, como nas outras áreas. Eu acho que isso acelerou e democratizou um bocadinho o acesso das pessoas aos desfiles e à moda propriamente dita, como é o segmento das Fashion Weeks que acontecem em Nova Iorque, em Londres, em Milão e, depois, em Paris. Esse circuito de moda de luxo era um nicho mais fechado e atualmente não é por pressão das redes.

Houve aqui, de alguma forma, alguma pressão em abrir essa área da moda a outro tipo de pessoas porque as marcas também têm interesse em mostrar que a moda que fazem também pode ser usada por pessoas com corpos e com estruturas completamente diferentes das modelos que estão em cima da passerelle. Acho que isso é bom, é positivo, mas para nós, enquanto profissionais desta área, continuamos sempre à procura de modelos com as características e o estereótipo de um modelo que possa trabalhar tanto nacional como internacionalmente. Portanto, eu acho que houve de facto uma abertura e uma democratização nas pessoas que põem a desfilar, mas não deixam de ser coisas pontuais, porque a pessoa faz eventualmente um ou outro desfile, mas depois não tem uma carreira como modelo.

Aquelas supermodelos dos anos 1990, que eram as top-models, passados 30 anos voltam a desfilar e é engraçado porque estão realmente muito mais velhas, mas as marcas continuam a colocá-las nos desfiles e acabam por ser, na mesma, pessoas que tiveram muita expressão na altura em que trabalharam como modelos profissionais e as marcas voltam a ir buscá-las. Por algum motivo será. E nem sempre são as que têm maior número de seguidores e as que trabalham de uma forma mais ativa as redes sociais. Mas acabam, na mesma, por impactar por terem interesse para as marcas.

Eu acho esta questão das redes também tem a ver com o aparecimento desta nova profissão que são os influenciadores. No fundo é uma profissão que apareceu, que ninguém sabia que podia existir e que tem tido algum impacto também em termos comerciais. Atualmente, mesmo em termos de publicidade, os clientes quando pediam uma campanha pensava-se sempre na publicidade de uma forma mais tradicional: televisão, imprensa, outdoors, múpis. Os meios de veiculação dessas campanhas para as marcas eram estes praticamente, e atualmente, as marcas querem fazer publicidade, pedem alguns destes meios, mas sempre com uma componente digital associada. Ou seja, querem um, dois, três ou quatro influenciadores que ajudem a comunicar a marca. Portanto, isto mostra aqui uma grande mudança na forma como as marcas também comunicam para fora.

Na L ’Agence temos passado por tudo o que tem acontecido ao longo destes quase 35 anos em que estamos no mercado e fomos apanhando as várias fases. Nós não tínhamos uma área de digital, e há quatro, cinco anos, resolvemos precisamente abrir uma agência de digital, integrada no departamento de talents, precisamente porque o mercado mudou completamente. Existe essa necessidade, tanto da parte dos clientes, como da parte dos agenciados que também têm as suas redes pessoais ativas, que neste momento são redes pessoais/profissionais e é uma ferramenta de trabalho muito importante que não podemos de todo desprezar.

Luís Onofre, designer de sapatos

Ao longo do tempo, a moda tem vindo a seguir um caminho muito complexo, uma disparidade de conceitos tem existido e não há nada absolutamente definido hoje como moda. Ou seja, agora até há uma vertente que apareceu anti-moda ou anti-fashion, podemos chamar-lhe assim, que vai de encontro aquilo que hoje em dia se faz na moda.  Isto tudo entra num contexto complicado para quem produz e para quem esteve sempre ligado a isto a vida toda. Eu vejo as coleções cada vez mais a ficarem pequenas em relação ao mundo inteiro e os hábitos de consumo mudaram radicalmente desde a pandemia. A pandemia foi quase, digamos assim, um virar de página, não para o sentido positivo. Praticamente todas as marcas sofreram imenso com esta paragem mundial e, ainda hoje, estamos a sofrer as consequências disso. Consecutivamente, as próprias marcas acabaram por diminuir drasticamente também os seus investimentos. Posso dizer que há marcas que têm estado comigo, porque eu também trabalho com private label. Todas elas, sem exceção, tiveram quebras abruptas durante este último ano principalmente: são as taxas de juros, a própria guerra, que também não augura nada de bom, e tudo isto teve influência pela primeira vez na moda e principalmente no setor de luxo e que, em muito, influencia toda a dinâmica da moda.

Falando da própria moda em si vejo, por exemplo, a partir do momento em que o Yves Saint Laurent deixa a moda porque já não se identificava com aquilo que estava a ser feito, eu ainda sou um bocadinho dessa escola. Concordo com aquilo que ele disse porque, de facto, a moda está muito subjetiva. A moda é mesmo assim, é irreverente e tem de ser irreverente até o fim, mas nem oito nem oitenta. Há um limite que eu tracei, pelo menos na minha forma de ver, que é o meu estilo, aquilo que eu gosto, aquilo com que me identifico e aquilo que acho é bonito para uma mulher e o que não é. Até eu próprio tenho de seguir determinadas tendências que não me apetece muito, portanto, isso tira-me, de certa forma, alguma vontade em algumas coisas que faço, mas infelizmente a vida é assim. A moda é cíclica e eu espero que isso também possa mudar um dia para melhor. Acho que vai acontecer. Eu sou sempre positivo e penso positivo.

Catarina Vassalo, joalheira e fundadora da marca Cata Vassalo

Eu não sou muito de seguir de seguir a evolução da moda porque o meu setor em Portugal é muito nicho. Nós vamo-nos desviando um bocadinho mais para a direita, um bocadinho mais para a esquerdaz, para ver qual é a aceitação [do púbico] porque como não havia ninguém a fazer o que eu faço era muito difícil saber exatamente qual o caminho a seguir. Atualmente, já sei o que é que o meu cliente procura e essa é a minha evolução. No princípio andava um bocadinho a agradar a todos e agora já tenho o meu estilo.

O ano de 2024 foi caracterizado um bocadinho pelas peças unissexo. Como já tínhamos marcado o ano passado, que uma coroa não tem propriamente de ser uma peça para levar na cabeça - pode ser um top, pode ser  anel - este ano decidimos que também não precisa de ser uma coroa só para as mulheres. Desenhámos uma coleção de anéis e depois introduzimos na nossa Utopia 2024 muitas peças que têm versatilidade e que tanto dão para homens como para mulheres. Por exemplo, as nossas t-shirts tanto dá para ser  um homem como uma mulher a usar. Os nossos conjuntos, tipo pijama, também. Agora acho que o homem tem de ser muito mais ousado para usar as outras peças. A coroa não é desenhada para uma mulher, é desenhada com a ideia de ser uma coroa, como antigamente os reis e as rainhas usavam as mesmas coroas.

Gonçalo Peixoto, designer de moda

Pode ser mais controverso, mas na verdade estamos todos à descoberta sobre o que vai ser a introdução da inteligência artificial e qual poderá ser o futuro da moda. Nestes últimos dois ou três anos, há tanta coisa que tem aparecido e tem sido facilitado com isto. Vou dar um exemplo muito específico: as campanhas do Jacquemus, em que os barcos vão a navegar não sei onde e as malas aparecem nas ruas de Paris. Eu sinto que ele o faz muito bem e que realmente trouxe uma nova dinâmica aquilo que era o mundo da moda e que ainda ninguém fazia. Por isso eu acho que a inteligência artificial é uma nova entrada para o que é a moda nos últimos dez anos. Não digo só em passerelle, digo numa maneira de comunicar, numa maneira de chegar ao público, numa maneira de impactar, de criar consciencialização, que é o que ele faz. Ele usou esta ferramenta de uma maneira muito inteligente para o negócio dele e nisto, o que é comunicar moda, ele é muito, muito, muito à frente.

Eu acho que a sustentabilidade é também um aspeto muito importante e é muito engraçado, porque ultimamente na press que eu faço a seguir aos desfiles da ModaLisboa, curiosamente, cada vez mais essa pergunta surge. Já não dou nenhuma entrevista em que não me perguntem sobre sustentabilidade, à qual eu respondo aquilo que é a minha verdade: que comprar o que é português é quase estar a ser sustentável inevitavelmente, porque nós não produzimos fast fashion. Muitos de nós aproveitam muitos dos tecidos de coleções passadas e vão reutilizando coleção após coleção. Lembro-me, quando comecei há dez anos precisamente, que os recursos nisto do que era escolher materiais sustentáveis eram muito diferentes do que são agora. Ainda era tudo muito feio, muito pouco estético e muito pouco atraente para quem criava. Agora conseguimos escolher qualquer tipo de material, qualquer tipo de cor e qualquer tipo de tecido que queiramos introduzir de alguma maneira na coleção.

Nos últimos dez anos, no meu ponto de vista, enquanto marca que recebe e que atende pessoas, percebi que o público também tem mudado. Quando comecei, ninguém usava designers portugueses. Muito pouca gente tinha orgulho em dizer que aquilo era português ou tinha um preconceito sobre algo que na verdade não conhecia. Antigamente todos achavam que comprar o que era português era muito caro ou achavam que os materiais não eram bons e depois, quando as marcas começaram a produzir em Portugal, perceberem que realmente nós tínhamos mão de obra, e que as máquinas e a produção era toda de excelência. Eu sinto que o público também mudou e que a cliente está muito informada: sabe o que é que existe, sabe o que é que quer, sabe que materiais é que são bons, sabe que tipo de fio é que quer comprar, ou o seja, eu sinto que há esta diferença sobre quem procura comprar a marca Gonçalo Peixoto. Há esta nova adaptação em perceber que se calhar aquilo que nós achávamos ser muito caro ou ser inalcançável às tantas não é e que isso também faz parte do nosso trabalho enquanto criadores.

Por exemplo, sinto que o Instagram em si foi uma alavanca para mim e para aquilo que é a minha marca. Acho que o Instagram, de uma maneira direta, tem a ver com aquilo que nos aproxima do nosso público, dos nossos consumidores e estreita esta relação entre mim, Gonçalo, e a pessoa que está a comprar diretamente.

Mais sustentável, mais inclusiva e mais digital: 10 figuras fazem um retrato da evolução da indústria da moda nos últimos 10 anos
Mais sustentável, mais inclusiva e mais digital: 10 figuras fazem um retrato da evolução da indústria da moda nos últimos 10 anos créditos: EPA/MIGUEL A. LOPES/Jamie McCarthy / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP/EPA/FILIPE AMORIM/cedido pela marca/© Modalisboa | Ugo Camera

 Ana Sofia Martins, modelo e atriz

Um dos destaques ao longo destes últimos dez anos, também cá em Portugal e não só na indústria da moda no geral, é a sustentabilidade. Já se vêm vários designers a adaptarem a forma como depois produzem as peças, a enviarem catálogos para os clientes para perceberem que peças é que vão sair mais e, aí sim, só produzirem essas.

Para mim, tendo em conta o mundo de fast fashion em que vivemos ainda, é muito importante que alguns designers comecem a fazer um movimento ao contrário. Em vez de produzirmos, produzirmos, produzirmos e termos 50 t-shirts basicamente iguais, mas que só tem uma coisinha diferente que nem se nota por aí além, é apostar na criatividade e na sustentabilidade, neste caso através da produção só das peças que são necessárias. Eu sei que isto é tudo muito bonito dito e que na prática é mais difícil, até porque depois talvez possa não ser tão rentável para os designers em si ou para as marcas. Mas o fast fashion é um movimento que tem de começar a ser contrariado por algum lado.

O consumidor está cada vez mais preocupado com isso. É o que eu reparo nas pessoas. Porque há muitas marcas que depois tentam ter ligadas à sua marca o carimbo verde, mas nem sempre é verdade. Vejo muitas pessoas, ou pelo menos as pessoas que estão à minha volta neste momento, preocupadas em perceber e averiguar se as marcas são mesmo verdes, se caminham para esse lado, ou se é só uma forma de vender. Até para mim, como consumidora neste momento, são essas coisas que me preocupam e a marca que me vai ter como cliente é a marca que seja mais sustentável.

Carlos Gil, designer de moda

Eu acho que a grande evolução que houve nestes últimos dez anos, e à qual todos tivemos de nos adaptar, foi o digital e as redes sociais foram a grande impulsionadora para a divulgação das marcas. Sem sombra de dúvida que todos nós tiramos proveito do digital neste momento. A inteligência artificial, que é aquilo que neste momento está em grande evolução e que vai evoluir muito mais, é algo que tenho a certeza absoluta de que nós também vamos tirar proveito.

Na minha marca, aquilo que temos sempre em mente é a sustentabilidade, a forma com podemos ser sustentáveis, melhores para o nosso meio ambiente e para a nossa sociedade. E ao mesmo tempo estamos a falar de inclusividade e da própria liberdade, que hoje a moda tem, e da forma de como transmitimos para as peças.

Também não nos podemos esquecer que, nestes últimos dez anos, falamos cada vez mais no fast fashion e que, tanto marcas nacionais como internacionais, estão envolvidas numa forma de trabalhar idêntica para criar peças que tanto sejam de verão como de inverno. Hoje damos conta que as coleções estão baralhadas a nível de criações de verão e de inverno, porque os espaços hoje são muito mais aquecidos, as pessoas vestem um casaco, mas têm peças mais frescas e leves por baixo. E nós hoje chegamos a uma conclusão quando vemos um desfile: que as coleções são quase um misto de verão e de inverno.

Neste momento, a marca Carlos Gil opta por dar mais uma indicação de que a tendência é anual, a tendência de moda de verão e de inverno segue pelos mesmos parâmetros, mas com indicações de que os tecidos é que levam ao nome da coleção. Ou seja, o tema da coleção de verão que vamos apresentar este ano na ModaLisboa segue a tendência de moda apresentada anteriormente, mas com uma nova imagem, com um novo visual provocado por tecidos e provocado por novas tecnologias que são aplicadas. Este ano vamos aplicar a tecnologia do 3D porque temos de estar em sintonia com as tendências de moda e com as últimas inovações que nos são apresentadas. Eu tento ser um designer muito atual naquilo que eu considero que é fulcral para a apresentação dos desfiles e o digital é, sem sombra de dúvida, um ponto que evoluiu muito, que nos ajudou muito e que eu considero que será o ex-líbris da grande evolução no mundo da moda.

Luísa Beirão, modelo e empresária

No fundo, nos últimos dez anos, houve aqui uma reviravolta gigante em termos de sustentabilidade acima de tudo, como novos materiais, materiais completamente sustentáveis e recicláveis que podem ser usados. Ou seja, é um novo despertar para o renascer de todo o tipo de peças, não só ao nível de moda, mas como também em termos de design de interior e design de peças.

A questão das redes sociais também validaram imenso esta nova abertura: temos pessoas, caracter, personalidades, imagens muito diferentes, muito marcantes, pessoas andrógenas, pessoas com sexo indefinido… O mais importante neste momento não é só a imagem e a beleza física, é a personalidade e o que é que essa pessoa representa, representou ou vai representar. Hoje em dia já não é preciso ninguém ter características de modelo – altura e os traços bonitos - para representar uma marca internacional ou nacional. Há sempre aqui uma questão anexada a esta imagem que as marcas escolhem para as representarem.  Tem a ver com background delas e quais é que são os planos para o futuro que têm. E isso, sem dúvida nenhuma, é um acrescento gigante para a nossa sociedade porque faz-nos sentir todos especiais e isso é uma mais-valia que eu acho que tem sido incrível.

Falando de marcas, houve as que renasceram e outras que foram um bocadinho mais abaixo. Dou o destaque da Chloé, por exemplo, que é uma marca que eu sempre adorei, mas que há 15 anos teve uma quebra e que nos últimos dez anos conseguiu reerguer-se. Houve outras marcas, como a Balenciaga, que tiveram um sobe e desce, como é normal, por apostas erradas, como acontece em qualquer empresa.

Luís Carvalho, designer de moda

Eu completei dez anos de marca no ano passado, em outubro, portanto uma coisa marcante foi a criação da marca em 2013. O aparecimento do Instagram veio mudar muito a maneira como trabalhamos, como comunicamos e com o tipo de pessoas com quem trabalhamos. De repente é olhar para trás e pensar que há dez anos não existia o Instagram para chegarmos com a nossa marca ao público. Até é estranho pensar que conseguimos trabalhar desta forma, mas ao mesmo tempo não sei se é tudo bom (essa questão das redes sociais) porque depois houve esta queda das revistas impressas e desse trabalho que é feito mesmo para editoriais. Perdeu-se um bocadinho porque virou-se tudo muito mais para a questão das influencers e nesse trabalho para o Instagram.

No meu caso, depois de criar a marca para mulher, introduzi a coleção de homem e há três, quatro anos, as minhas coleções são maioritariamente sem género. Dentro da questão da sustentabilidade, acho que no caso da moda portuguesa ou das marcas portuguesas, nós acabamos por ser sustentáveis, porque são quase trabalhos de atelier, com poucas quantidades, trabalhamos muito com deadstock de fábricas… Estou a falar de uma maneira generalizada, porque cada um sabe de si, mas falando por mim, como não produzimos em grande escala e o facto de ser feito dessa forma, já é uma maneira sustentável, porque é tudo muito reduzido e não há desperdícios. Mesmo a criação de stock não é exagerada. Portanto acho que já somos sustentáveis sem nos apercebermos.

O aparecimento das redes sociais veio mudar tudo na maneira como comunicamos e como trabalhamos o marketing da marca. Sinto que neste momento estão a mudar novamente com o TikTok, que é uma rede social, mas é diferente.

Luís Borges, modelo e fundador da marca Fucking Gorgeous

A nível de moda pessoal e como modelo, acho que o que posso assinalar é a diversidade. Por exemplo, quando comecei na moda, não havia muitos negros a desfilar. Era um facto. E, ao longo dos anos, e isso também se deve muito ao panorama internacional, os negros começaram a desfilar muito nas passerelles e a haver desfiles que tinham 60% de modelos negros e 40% de modelos brancos.

Depois isso veio-se a verificar na minha marca porque, sendo ao mesmo tempo figura pública e achar que é importante falarmos sobre certos assuntos, foi o que tentei fazer na ModaLisboa. E é isso que eu quero: que seja uma marca que celebra a diversidade. No meu último desfile da ModaLisboa acho que consegui fazer isso a 200%. É muito importante quando nós não falamos só, mas também agimos. É  muito giro nós dizermos ‘Sim, é muito bom termos pessoas reais na passerelle’, pessoas que se calhar nunca iriam ser manequins, que têm diferentes corpos, alturas diferentes. Mas eu acho que é importante mostramos isso em Portugal porque é um país que, a nível de moda, na minha opinião, não é muito apoiado. Acho que os portugueses deviam consumir muito mais moda portuguesa, mas nós, tendo uma voz, temos de passar isso para a passerelle. E foi o que fiz: basicamente o meu casting era 90% rua e tinha apenas quatro manequins da ModaLisboa. A moda tem de ser isso: tem de ser para todas as pessoas.

Depois as peças que eu faço, para mim, não têm género. Acho que qualquer pessoa pode usar, desde que se sinta confortável. Para mim destaca-se a diversidade que foi feita ao longo destes anos, acho que se calhar um pouco imposta pelas redes sociais, porque realmente quem compra é quem está nas redes sociais, os consumidores, não é? É muito giro vermos um vestido numa manequim de 1,80m com 60kg, mas depois adaptarmos isso a uma pessoa real.  Esse é o maior desafio e acho que cada vez mais os designers portugueses estão a conseguir fazer isso.

Eu acho que é muito old school dizer que uma coisa é só para mulher e uma coisa é só para homem. Não faz sentido. Por exemplo, tenho muita roupa que uso que é de mulher. Eu acho que tem a ver a maneira como tu vestes, a maneira como tu te sentes e isso é o mais importante. As marcas, atualmente, também fazem coisas que deem para os dois géneros porque sabem que vão vender mais. Acho que estamos num bom caminho e é importante que isto continue e não seja só uma moda.

Eu acho que o português, e estou a falar disto por causa da última edição dos Globos de Ouro, tem muito aquele problema em só gostar do que é feito lá fora. A Ana Moura apareceu com um vestido transparente, a mostrar as maminhas e foi uma história por causa da música, mas a verdade é que se nós virmos isso numa Rihanna, as pessoas vão amar.

Ou seja, acho que nós temos de aprender a consumir o que é português e a amar o que é português, porque a realidade é que as grandes marcas vêm fazer coleções, sapatos e acessórios no Norte do país. Portanto, nós temos uma mão de obra muito boa, temos fábricas ótimas, acho que também temos de mudar um bocado esse pensamento. Como venho da moda internacional e já vi muita coisa, por isso é que também tenho depois essa atenção de querer mostrar que Portugal pode fazer coisas diferentes e que um desfile não precisa que sejam só manequins a desfilar. Pode ser um espetáculo. A ideia é criar sensações nas pessoas para que depois queiram comprar cada vez mais aquilo que se está a apresentar na passerelle.