Quinze anos depois do bestseller «A Sombra do Vento», Carlos Ruiz Zafón põe um ponto final à tetralogia «O Cemitério dos Livros Esquecidos» com «O Labirinto dos Espíritos», um livro onde vários géneros literários se juntam e que, dos quatro, é o seu preferido. O escritor espanhol mais lido em todo o mundo compara a sua profissão à dos relojoeiros pela minuciosidade do trabalho. Soube que ia ser escritor ainda criança.
Teve essa noção quando começou a ler Charles Dickens e Thomas Mann, mas nem só a literatura o influenciou, os filmes de Orson Welles, George Lucas e Brian de Palma também tiveram a sua quota-parte. Não sabe o que vai escrever a seguir e se a literatura é a sua profissão, a música é o seu hobby, como nos confessou durante a sua passagem por Portugal.
Com «O Labirinto dos Espíritos» acaba a tetralogia «O Cemitério dos Livros Esquecidos». Quando começou esta história já sabia qual seria o final?
Sim. Quando comecei já tinha as linhas gerais da história, sabia onde começava e terminava. Se não, teria sido muito difícil planear tudo, embora ao longo dos anos tivesse feito algumas mudanças e adaptações.
E sempre pensou contar esta saga em quatro livros?
Sim, pensei nela como um labirinto com quatro histórias de entrada. O primeiro livro é do leitor, Daniel Sempere. O segundo do escritor, David Martín. O terceiro das personagens pela mão de Fermín Romero Torres e o quarto do narrador, que sou eu.
Em que é que «O Labirinto dos Espíritos» é diferente dos restantes livros?
É o grande final, no qual se resolve toda a tensão da narrativa acumulada nos três livros anteriores. Até este livro, tínhamos conhecido as personagens como as outras personagens as viam, por exemplo, em «A Sombra do Vento», vemos as personagens da perspetiva de uma criança ou adolescente.
Em «O Jogo do Anjo» a história foi contada por um homem que está a enlouquecer. Em «O Prisioneiro do Céu», temos a memória de Fermín Romero de Torres e, finalmente, no último livro, vemo-las através das suas próprias palavras.
Dos quatro livros qual é o seu preferido?
Este último, porque é nele que se resolve tudo. Mas cada um deles tem uma personalidade própria e tinham de ser diferentes entre si.
Nesta tetralogia, junta vários géneros literários num mesmo livro. Porquê?
Ao inicio, a ideia era a de que estes quatro livros fossem uma homenagem à tradição literária e a todos os géneros literários e à forma como se articulam entre si. Tentei conjugar todos, mas escolhendo, para cada livro, um género como esqueleto central, onde todo os outros se articulariam.
O primeiro é um livro de suspense, o segundo um melodrama gótico vitoriano, o terceiro é de aventura e este último combina todos os géneros, mas talvez tenha mais de mistério e de intriga.
Não deve ser fácil juntar todos esses géneros literários e tantas personagens...
É complicado. É como se fosse um trabalho de relojoaria, mas uma boa parte do trabalho de um escritor é tentar ultrapassar isso e criar a ilusão da simplicidade.
Veja na página seguinte: Como surgiu a paixão pela escrita
Neste último livro, surge uma personagem feminina muito forte, Alicia Gris, algo que não tinha acontecido nos anteriores. Porquê?
Alicia Gris é, provavelmente, a minha personagem favorita de todas as que já criei e há algum tempo que a tinha em reserva, mas este era o seu momento de entrar na história porque é um agente resolutório, sem a qual nunca se chegaria à verdade. Mesmo que só apareça no último livro é uma das personagens mais importantes desta tetralogia e juntamente com Julian Carax e Fermín Romero de Torres é a que tem mais de mim.
Alguma vez pensou ter tantos leitores em todo o mundo?
É um privilégio, mas quando comecei há 25 anos acho que, como todos os outros escritores, aspirava apenas sobreviver. Os escritores têm que se preparar para o pior, mas esperar o melhor.
Quando começou a escrever?
Lembro-me que inventava histórias desde muito pequeno e as punha no papel com a máquina de escrever do meu pai. Já sabia que iria ser escritor, o mundo é que ainda não sabia e ainda levou um tempo a inteirar-se disso… [risos]
Também compõe música. O que é que para si esta outra arte?
É a coisa de que mais gosto a par dos livros. Nunca tive uma educação musical, mas como sempre gostei muito fui aprendendo sozinho. Ainda muito jovem decidi que a literatura seria a minha profissão e a música o meu hobby, portanto iria fazer a música que queria sem nenhuma obrigação.
Como gosto muito de bandas sonoras de filmes, comecei a fazer partituras para as minhas próprias histórias. É uma forma de aligeirar a pressão e encontrar uma ideia.
É muito diferente compor uma música e escrever um livro?
É diferente, mas são duas linguagens narrativas. A música é mais abstrata, é uma linguagem matemática. Já a linguagem verbal, apesar de ser abstrata, é mais específica. No entanto, podemos dizer que pensar num texto, pô-lo em palavras e idealizar personagens é como se estivéssemos a fazer uma partitura musical.
Como é viver metade do ano em Los Angeles e outra metade em Barcelona?
Barcelona é a minha cidade, é onde estão as minhas origens, mas Los Angeles foi onde passei grande parte da minha vida adulta. São dois lugares tão diferentes e isso acaba por ser refrescante para mim. É como se tivesse duas vidas diferentes. Quando fui para a Califórnia não sabia o que ia acontecer. Queria mudar de ares…
E agora com a subida ao poder do Donald Trump, como é que vê o futuro dos Estados Unidos da América?
Não sei, mas não creio que a eleição de Trump conduza a algo de bom. É algo que não tem precedentes neste país, logo é difícil prever o que vai acontecer, se será um momento passageiro ou não.
Contudo, vejo isto como parte do que está a acontecer um pouco por todo o lado e que é consequência da crise financeira e do cansaço da população em relação aos sistemas corruptos. Quando as pessoas estão cansadas, não tomam boas decisões e abrem-se as portas a ressentimentos escuros que normalmente estão controlados, como racismos e xenofobia.
Texto: Rita Caetano
Comentários